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Delito de Opinião

Os filmes da minha vida (39)

Pedro Correia, 31.03.12

 

O PADRINHO:

O CRIME ELEVADO A OBRA DE ARTE

 

Pauline Kael chamou-lhe "uma visão épica da corrupção da América": O Padrinho estreou-se há 40 anos, com aplauso simultâneo do público e da crítica, mantendo hoje o estatuto de obra-prima que adquiriu logo de início. Vincent Canby, no New York Times, foi certeiro na crítica de estreia ao definir este filme como "uma das mais brutais e tocantes crónicas do crime na vida americana desde sempre concebidas na esfera da cultura popular".

A interpretação de Marlon Brando, com os seus tiques adequados à figura de Vito Corleone, integrou-se na iconografia contemporânea, tal como a frase "vou fazer-lhe uma proposta que ele não pode recusar" - uma das mais célebres de toda a história do cinema - ou cenas como a da cabeça de cavalo, que valeu indignadas críticas ao realizador da parte de activistas dos direitos dos animais aparentemente indiferentes, por outro lado, à morte de mais de 30 personagens durante esta longa-metragem, que dura 178 minutos.

Aquela que deveria ser uma rotineira e banal fita de gangsters eleva-se ao estatuto reservado às óperas de Verdi graças a um jovem cineasta contratado em 1971 pelo patrão da Paramount, Robert Evans, que pretendia alguém que "pusesse cheiro a esparguete" no filme. Esse cineasta, Francis Ford Coppola, acabou por ser escolhido fundamentalmente pela sua condição de italo-americano depois das recusas de realizadores consagrados, como Arthur Penn e Peter Yates.

Não podia ter havido escolha mais acertada: Coppola filmou O Padrinho com o requinte de um virtuoso do espectáculo visual, contando com as colaborações modelares de profissionais como Gordon Willis, responsável pela extraordinária fotografia em que predominam deliberadamente tons escuros e frios, e Nino Rota, autor da inesquecível banda sonora que logo passou a ser trauteada no mundo inteiro. A sua determinação ficou bem evidente no vitorioso braço de ferro que manteve com Evans para a escolha de Marlon Brando no papel de Corleone numa altura em que nenhum magnata do cinema queria ouvir falar no intérprete de Há Lodo no Cais, famoso por ganhar muito e trabalhar pouco.

Mas Brando, que precisava de dinheiro, esforçou-se ao ponto de aceitar submeter-se pela primeira vez a um teste cinematográfico. A história desse teste - que levou o relutante Evans a confiar-lhe o papel principal do filme - entrou também na lenda de Hollywood: o actor (que viria a ganhar o Óscar) apareceu quase irreconhecível, com o cabelo escurecido com graxa para sapatos e as bochechas insufladas com lenços de papel.

Vários outros nomes sonantes do cinema americano chegaram a ser considerados para o papel de Corleone - de Edward G. Robinson a Ernest Borgnine, de Laurence Olivier a Orson Welles. Mas a interpretação de Brando é sem dúvida indissociável do êxito d' O Padrinho, que contou com vários outros desempenhos de grande nível - desde logo James Caan, Robert Duvall e o quase desconhecido Al Pacino, todos nomeados para o Óscar de melhor actor secundário.

Coppola filmou propositadamente à moda antiga, recorrendo à técnica em vigor nos anos 40 e 50, em que a acção decorre - um tempo em que o cinema americano praticamente não utilizava o zoom nem recorria por sistema a planos de corte sincopados nas mesas de montagem. Este virtuosismo técnico faz parte da magia intemporal d' O Padrinho, um filme sobre mafiosos onde a palavra Mafia nunca é proferida. Um filme que pertence ao imaginário de todos nós.

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O Padrinho (The Godfather, 1972). Realizador: Francis Ford Coppola. Principais intérpretes: Marlon Brando, Al Pacino, James Caan, Richard Castellano, Robert Duvall, Sterling Hayden, Diane Keaton, John Cazale, Talia Shire.

Tema para Palin e piano

José Navarro de Andrade, 31.03.12

Henry Hey não é o pianista de jazz mais famoso da actualidade, nem o mais interessante, nem o mais inovador; mas como grande parte dos jazzmen dos nossos dias, tem um domínio seguro das formas musicais.

Sarah Palin é um bocado desligada, em vários sentidos da palavra, nenhum deles abonatório. As suas falas são por isso desconexas, como se estivesse a descobrir as respostas no preciso momento em que lhe fazem as perguntas. Tornou-se por isso uma especialista em calinadas abissais, que depressa se transformam em catch frases ou em T-shits

O que Henry Hey fez foi capturar as precipitadas inflexões rítmicas e harmónicas do discurso de Palin e compor com elas uma peça de piano ao correr das suas alocuções. Não saiu uma obra-prima, nem isso se esperava, mas não deixa de ser brilhante. Ou intrigante. Não é um trabalho recente, embora seja de todo inédito em Portugal.

 

Branco-cru

João Campos, 30.03.12

Para travar a "desqualificação do espaço público" da Baixa, os vereadores definiram um conjunto de "critérios orientadores", segundo os quais as esplanadas devem ter toalhas de mesa "de cor única", chapéus de sol "em lona na cor branco-cru", menus que "não ultrapassem o formato A4" e porta-guardanapos "em aço inox".

 

Pois eu cá mandaria pintar o país todo de branco-cru. Ficava mais bonito. E uniformizado.

 

No entanto, fica a pergunta: quais foram os critérios orientadores que os iluminados vereadores da CML definiram para a indumentária dos traficantes vendedores ambulantes de droga da Rua Augusta? Também será "de cor única"? "Branco-cru", querem ver? E a droga, vai ser devidamente acondicionada em "aço-inox" ou pode continuar a ser traficada vendida enrolada em celofane de qualidade duvidosa?

Aplauso e reconhecimento.

Luís Menezes Leitão, 30.03.12

 

Quero aqui manifestar o meu aplauso e o meu profundo reconhecimento a José Ribeiro e Castro por ter votado coerentemente na defesa de Portugal, ao rejeitar uma inenarrável proposta de abolição do feriado do 1º de Dezembro. Nasci com esse feriado a ser comemorado, aprendi na escola primária o heroísmo dos conjurados que acabaram com a submissão de Portugal a um rei estrangeiro, e desejo morrer com esse dia a continuar a ser feriado em Portugal. Se há deputados que aceitam colocar o Parlamento que integram — e que é o representante da soberania do país — a praticar tão escandalosa afronta aos valores nacionais é um problema deles. Mas para a História ficará que nestes tempos difíceis de falência e submissão ao estrangeiro houve pelo menos um deputado a declarar no parlamento que para ele a comemoração da independência de Portugal não é uma celebração vã. Neste triste dia, em que os deputados decidiram pôr a independência de Portugal entre parênteses, só a posição coerente e corajosa de Ribeiro e Castro merece aplauso. 

Strauss-Khan dixit?

Ana Vidal, 30.03.12

A notícia é da Lusa - imagine-se a importância - e o i, é claro, pegou-lhe de imediato. Compreende-se: vender jornais, nos tempos que correm, justifica (quase) tudo. E não é só isso. A Europa transformou-se numa fonte de dramas económicos sem graça nenhuma e há que manter, ao menos de vez em quando, a opera buffa em palco a bem da nossa sobrevivência mental. Mas enfim, já nos insultam tanto a inteligência com o dia-a-dia que escusavam de impingir-nos notícias idiotas deste calibre como se fossem sérias. Não só o "estudo" não tem pés nem cabeça, como até mete os ditos pelas mãos nas conclusões, porque afinal quem parece ficar a perder nos kamasutras são os moderados em relação aos extremistas de ambas as barricadas ideológicas, se é que elas ainda existem.

 

Ou então foi Mr. Strauss-Khan quem encomendou a sondagem, para manter em alta a sua preciosa fama de Casanova. O que também se compreende, já que as ambições políticas lhe sairam furadas por excesso de líbido.

Os Meus Carros (5)

João Carvalho, 30.03.12

 

O Citroën Ami 6 Break Confort era ronceiro e de baixos consumos, em contraste com os Prinz 1000 anteriores lá de casa.

Creio que foi aí pelos finais da década de 60. Era branco-sujo, com estofos pretos. Tinha o seu quê de divertido, isso o Ami 6 tinha, e aquela versão Break era muito mais parecida com um automóvel normal do que a versão Berline, cujo estranho corte do óculo traseiro não contava com uma aceitação que pudesse considerar-se razoável: os poucos adeptos constituíam a explicação óbvia para haver muito mais Breaks do que Berlines.

 

 

 

Porém, o Ami estava longe de ser perfeito, mesmo no seu estreito segmento. Lembro-me perfeitamente, por exemplo, de não haver qualquer justificação (excepto o da gaffe de concepção) para a dureza do pedal do acelerador. A força desmedida requerida pelo acelerador contrastava escandalosamente com a velocidade vertiginosa que o carro se recusava a atingir, por muito que lhe pedissem para andar mais um bocadinho.

A abertura horizontal das janelas era outro problema, porque o arejo permitido no interior, se necessário, mostrava-se totalmente insuficiente. Este problema, associado à capota em fibra de vidro (característica de outros Citroën, como os prestigiados "Boca-de-Sapo"), tornava o habitáculo infernal, quando o carro ficava sob o sol do Verão.

Recordo-me que a minha irmã mais nova, numa dessas situações, esteve à beira de uma insolação que só por um feliz acaso não terminou em drama — mas pouco faltou — quando estávamos parados na estrada à espera da reabertura de uma cancela dos caminhos-de-ferro.

Enfim: naquela época, foi um carro bem diferente, entre todos os que passaram lá por casa.

 

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