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Delito de Opinião

Quem não tem...

Helena Sacadura Cabral, 18.02.12

 

"Não aceito os insultos do Senhor Schäuble ao meu país", afirmou Papoulias num discurso citado pela Bloomberg, que teve como destino não só o ministro das Finanças alemão, mas também os países do Norte da Europa.

A tragédia é que quando não se tem dinheiro, aqueles que o emprestam se sentem no direito de insultar...

Helena

Patrícia Reis, 18.02.12

Há pessoas que têm o dobro do sangue dos outros.

Vivem de outra forma, têm algo que se vê e é, ao mesmo tempo, invisível.

No caso da Helena há o riso que tem um timbre típico, a dança das mãos, a inteligência de brincar consigo, com a sua idade, com o facto de não ser mãe dos filhos, mas os filhos serem filhos dela, de possuir uma história e uma alma que, aberta ao mundo, à mesa, para os amigos, é transparente. Há nela uma alegria digna de inveja e, hoje, disse

 

Quando eu morrer, não quero políticos no velório e quero fado.

 

E eu ri-me com ela e para ela. Eu que escrevo a ouvir fado e que me lembro de tantas coisas sábias que aprendi com Helena, a ler-lhe os blogues, os livros, os gestos, os sorrisos, os silêncios.

Não somos as melhores amigas, nada que se pareça (até porque me doem as cruzes e a Helena está inteira na vida sem esse tipo de dores), mas somos cúmplices em tanta coisa.

Há pessoas que têm o dobro do sangue dos outros. A Helena é uma delas. Bem hajas.

 

(Sim, as declarações de amizade são, como as cartas de amor, passíveis de serem lamechas e ridículas. Como diz o meu filho: azarinho)

Em campo aberto

Cláudia Köver, 18.02.12

Pegou-me pelo braço. Não com a mão, simplesmente com as palavras. Arrastou-me de forma lenta, passo-a-passo. Provavelmente adormeci-lhe no ombro, sem dar pelo arrasto e sem lhe sentir o pulso. Provavelmente não senti nada, ou não dei conta do que senti, até me perguntarem o que sentia.

 

Vomitei rapidamente as palavras, estranhamente sem me deixar afogar em pensamentos. Quando abri os olhos, após terminar a última frase, estava noutro sítio. Estava longe do local onde achava que me tinham plantado.

 

As raízes tinham sido descosidas da terra de forma cuidadosa. Intactas, elas rodeavam os meus pés. Perguntaram-me se me sentia diferente, se sentia que alguém me tinha tirado de um vaso e colocado num campo aberto. Tive medo e disse que não. 

Valha-o Deus, homem

Rui Rocha, 17.02.12

D. Manuel Monteiro de Castro, o novo cardeal português, entende que "a mulher deve poder ficar em casa, ou, se trabalhar fora, num horário reduzido, de maneira que possa aplicar-se naquilo em que a sua função é essencial, que é a educação dos filhos”. É de homem. Das cavernas, benza-o Deus. Desde logo, é lamentável que transpareça do discurso uma visão funcional das mulheres. Se bem a conheço, a visão oficial da Igreja Católica apela à integridade ontológica, independentemente de qualquer função. É nessa perspectiva que se entende, por exemplo, a defesa da proibição do aborto. Entendamo-nos. O lugar das mulheres é onde elas quiserem, mesmo que não sirvam para nada ali onde estiverem. O mesmo se aplica aos homens. Sendo que, no caso destes, a probabilidade de não servirem para nada seja lá onde for é bem maior. Tal como a de fazerem ou dizerem asneira. Depois, as palavras de D. Manuel são incompreensivelmente redutoras. Existem tantas funções essenciais para as mulheres em casa, no escritório, na praia ou no campismo que os dois mil e tal anos de história da Igreja Católica não foram suficientes para as enumerar, quanto mais para as perceber. Mesmo admitindo que uma dessas funções não é dizer missa. Mas, para além disso, esta intervenção é profundamente discriminatória. Na verdade, não admito a D. Manuel que me exclua da possibilidade de, a ficar alguém em casa a educar os meus filhos, ser eu próprio a fazê-lo. Pode um ser humano ter uma visão do Paraíso? Acho que sim. No meu caso, passar os dias com os meus filhos, brincar com eles, ajudá-los, ensinar-lhes o pouco que sei, aprender com eles, zangar-me e logo correr a abraçá-los, rirmos e chorarmos juntos, tudo isto me parece a antecipação do Céu em plena Terra. Digo que não tem comparação, não desfazendo, com a função de Cardeal ou de Penitenciário-mor da Santa Sé. Melhor, só mesmo se a minha mulher pudesse estar em casa connosco. Mas isso, de tão bom, tão bom, talvez já fosse pecado. Por isso, espero que D. Manuel, ungido pelo Espírito Santo, possa um dia ver a luz que o ajude a despir-se, em bom recato se a isso a Providência ajudar, do preconceito que a vontade de Deus o fez exteriorizar. Até lá, resta-lhe enfiar o barrete. Cardinalício.

Pensar?

Patrícia Reis, 17.02.12

Não sei em que pensar: em ir para casa como sugere um cardeal, no homem que foi condenado apenas a seis anos de prisão por exigir à mulher a participação em orgias sexuais apontando-lhe uma arma ou na questão da fertilidade e na Europa envelhecida.

Vou pensar em 19 pontos na cabeça. É mais fácil.

Um caso pessoal a propósito da legislação sobre o enriquecimento ilícito

Rui Rocha, 17.02.12

Em finais de 2002 tornei-me gerente de uma sociedade. Nunca participei em qualquer acto de gestão. A situação constitui uma mera gerência de direito (ou de favor). Em Mar/2003, renunciei à dita gerência de direito. Antes dessa data não tive qualquer ligação efectiva à sociedade. Depois, perdi-lhe completamente o rasto. Em Dez/2009, as Finanças notificaram a intenção de me responsabilizar por dívidas da sociedade (reversão relativa ao período de 2003 a 2006 - cerca de 20.000€). Apresentei defesa. Em Fev/2010 fui notificado de que a reversão tinha sido decretada. Qualquer acto da Administração deve ser fundamentado e ter em conta os argumentos apresentados pelo contribuinte. Essa obrigação tem ainda mais pertinência quando, como era o caso, o ónus da prova é da Administração. O despacho em causa não estava fundamentado nem se pronunciava sobre nenhum dos pontos que tinha invocado. Perante tal decisão, apresentei em Fev/2010 uma Oposição à Execução no Tribunal competente.  Nestes processos, o Estado pode penhorar de imediato o contribuinte. A única maneira de paralisar a penhora é apresentar uma garantia (caução, etc.). A prestação de garantia exige que o contribuinte tenha recursos no valor da quantia em execução e implica custos (comissões bancárias, etc.). Não prestei qualquer garantia. A penhora ocorreu 14 meses depois. A situação era tão simples que o Juiz entendeu prescindir da audição de testemunhas e nem sequer proferiu sentença formal. O caso foi decidido no saneador (peça preliminar do processo). A decisão foi-me favorável.  Mesmo assim, o Tribunal demorou mais de 18 meses a pronunciar-se. A decisão transitou em julgado em Nov/2011. Apesar de todas as tentativas que fiz, o meu salário de Novembro ainda foi penhorado. Mais, em início de Dezembro, recebi uma notificação em que o Fisco informava que o valor da penhora do meu salário seria duplicado. Passei o mês de Dezembro em contacto com as Finanças para que fosse levantada a penhora inicial e a nova penhora. Contactada, a Senhora representante da Fazenda Pública informou-me, com fleuma e circunstância, de que tudo seria tratado a seu tempo. In extremis, o salário de Dezembro salvou-se. Elaborei todas as peças processuais. Caso contrário, teria despendido com advogados, no mínimo, 5.000€. Mais de 300€ de custas não serão devolvidos. O Estado tem ainda em seu poder mais de 4.000€ correspondentes às penhoras efectuadas. Não sei quando serão devolvidos. Estes valores poderiam ter sido a diferença entre pagar ou não o crédito ou a renda da habitação, o empréstimo automóvel, a escola dos filhos ou comprar bens alimentares. Felizmente, não foram. Este meu caso não é, certamente, dos mais graves em termos de valor, demora, ou padrão de actuação. Mas dá que pensar. É a esta Administração Fiscal e a esta Justiça Tributária que estão a entregar novos poderes?

Desacordo ortográfico

Pedro Correia, 17.02.12

Já não é só o Centro Cultural de Belém -- instituição de direito privado, sem tutela pública. Ou Serralves. Ou a Casa da Música. Já não são só a generalidade dos jornais que o ignoram -- Correio da Manhã, Jornal de Notícias, Público, i, Diário Económico e Jornal de Negócios, além da revista Sábado.

Já não só os angolanos que se demarcam, ou os moçambicanos. Ou até os macaenses. Sem excluir os próprios brasileiros.

Por cá também já se perdeu de vez o respeitinho pelo Acordo Ortográfico. Todos os dias surge a confirmação de que não existe o consenso social mínimo em torno deste assunto.

São os principais colunistas e opinadores da imprensa portuguesa. Pessoas como Anselmo Borges, António-Pedro Vasconcelos, Baptista-Bastos, Frei Bento Domingues, Eduardo Dâmaso, Helena Garrido, Inês Pedrosa, Jaime Nogueira Pinto, João Miguel Tavares, João Paulo Guerra, João Pereira Coutinho, Joel Neto, José Cutileiro, José Pacheco Pereira, Luís Filipe Borges, Manuel António Pina, Manuel S. Fonseca, Maria Filomena Mónica, Miguel Esteves Cardoso, Miguel Sousa Tavares, Nuno Rogeiro, Pedro Lomba, Pedro Mexia, Pedro Santos Guerreiro, Ricardo Araújo Pereira, Vasco Pulido Valente e Vicente Jorge Silva.

É o ex-líder socialista, Francisco Assis, que se pronuncia sem complexos contra este «notório empobrecimento da língua portuguesa».

É o encenador Ricardo Pais, sem papas na língua.

É José Gil, um dos mais prestigiados pensadores portugueses, a classificá-lo, com toda a propriedade, de «néscio e grosseiro».

É a Faculdade de Letras de Lisboa que recusa igualmente impor o acordo. Que só gera desacordo.

Um acordo que pretende fixar norma contra a etimologia, ao contrário do que sucede com a esmagadora maioria das línguas cultas. Um acordo que pretende unificar a ortografia, tornando-a afinal ainda mais díspar e confusa. Um acordo que pretende congregar mas que só divide. Um acordo que está condenado a tornar-se letra morta -- no todo ou em parte. Depende apenas de cada um de nós.

Tome o destino da Grécia nas suas mãos

Rui Rocha, 17.02.12

Excelente proposta do Crooked Timber aqui. O jogador coloca-se na posição de alguém que tem de propor uma solução para a Grécia. Tem a ajudá-lo um conselheiro chamado Maynard (honi soit qui mal y pense). Ideal para subscritores de manifestos solidários e, em geral, para todos os que pensam que existem caminhos fáceis. Jogue e partilhe a sua experiência e conclusões.

a justiça que se vê

José Navarro de Andrade, 17.02.12

 

Não faltaram vozes para se abespinharem com as imagens de Strauss-Kahn a ser levado algemado e debaixo de escolta, aquando da sua prisão em Nova Iorque. Sucede que o senhor foi sujeito a um tratamento igual a qualquer outro cidadão nas suas circunstâncias, fosse ele um serial killer ou um membro do Congresso, segundo um procedimento perfeitamente estipulado by the book.

O sr. Francisco Esperança, cidadão de Beja, após degolar mulher, filha e neta e, ao que consta, todos os animais domésticos de sua casa, foi dado a conhecer com imagens de tronco nu, a ser levado pela polícia em passo de corrida, durante a noite. Não me recordo de outros cidadãos, talvez de mais fino calibre social e arguidos de crimes menos populares, a quem igualmente tenha sido dada voz de prisão, que sofressem tão ignóbil exposição.

São casos limite como estes que nos permitem perceber que, pelos visto, em Portugal a igualdade de tratamento pela justiça depende da magnitude dos crimes e do estatuto social, ambos ajuizados de forma ad hoc pelo repórter mais à mão.