A propósito da seca
Nunca pensei que a falta de liquidez se tornasse tão literal.
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Nunca pensei que a falta de liquidez se tornasse tão literal.
Enrique Urbizu esteve oito anos sem filmar. Voltou à actividade cinematográfica em 2011 - e ainda bem que o fez: acaba de conquistar o Goya, referente à melhor longa-metragem espanhola de ficção (o equivalente ao Óscar em Espanha), pela realização de No habrá paz para los malvados, um filme negro que seduziu o público no país vizinho com José Coronado no papel principal, desempenhando um detective que se comporta como um marginal nos bastidores mais violentos da noite madrilena.
Gostava que este filme, agora premiado, pudesse ser visto pelos espectadores portugueses. Mas tenho as maiores dúvidas de que isso acabe por suceder em tempo útil: basta lembrar que o Goya de 2010, Pa Negre, do catalão Agustí Villaronga, não chegou a encontrar distribuidor português. Prova - mais uma - de que Portugal e Espanha permanecem de costas voltadas. Sempre tão perto - e sempre tão longe. Enquanto qualquer película norte-americana de quinta categoria não deixa de fazer carreira, entre muito ruído de pipocas, nas nossas salas de cinema.
Julie, 1994
Tecla, 1994
forcado, Forte da Casa, 2000
forcado, Montemor (?), 2000
A realidade é complicada, o retrato por exemplo. Uma pessoa vê a máquina fotográfica e põe-se logo em pose; o que fica dela acaba por ser um híbrido entre o que quis mostrar e o que dela se conseguiu ver. Como fazer com que alguém que esteja em pose deixe de posar?
Uma das maneiras mais simples de evitar o problema é fotografar o instante. Mas aí, não é o retratado que fica, mas apenas o que dele sobrou do momento em que o captámos. Outra maneira é apelar a expressões como “essência” ou “alma”, mas estas são provenientes da fantasia platónica, que em boa verdade procuram pouco e encontram menos. Talvez o próprio grego tenha percebido o embuste que criou, ao declarar com a humildade dos sobranceiros que “o belo é difícil” – é que a essência nunca está onde quer que seja.
A fotógrafa Rineke Dijsktra (n. 1959) tem um processo sagaz: fotografar os seus retratos quando as pessoas acabaram de passar por um grande esforço. Quer apanhá-las desarmadas ou frágeis? Nem tanto; quer que elas estejam demasiado fatigadas para se preocuparem com a pose.
Numa das suas séries Dijkstra fotografas mulheres que acabaram de dar à luz: Julie, uma hora antes de ser fotografada, Tecla, um dia depois do parto. Para outra série, Dijkstra veio a Portugal fotografar forcados, captados pouco depois da pega. O que se obtém é o retrato de pessoas no seu estado humano mais radical, o de quem acabou de sobreviver à natureza.
"Ask Portuguese politicians who they are these days and you will get a sharp and predictable reply: "Not Greek!" Ask a Spaniard or an Italian and they'll say they are neither Greek nor Portuguese. A German will say he's a German, a French might answer he's a German too. And a British prime minister may repeat that he's not sure if he's a European.(Well, these days, who is?)"
Pedro Santos Guerreiro ontem no The Guardian
(Ler o artigo todo aqui)
- Pratica contraceção?
- Nunca. Cumpro sempre o Código da Estrada.
"Um bom divórcio é melhor do que um mau casamento" diz o ditado popular. É, de facto, verdade e aplica-se inteiramente ao caso grego. Com efeito, por muitos erros que os governantes helénicos tenham cometido - e cometeram-nos - o achincalhamento a que o seu povo está a ser submetido com as decisões do duo Merkosyl e a sugestão de Jean Claude Juncker, Presidente do Eurogrupo, para a nomeação de um Comissário Europeu para Atenas, são inadmissíveis.
Oxalá nenhum outro país deste belo conceito de Europa Unida - porque foi só um conceito e jamais foi uma realidade - se veja em semelhante contingência.
Tudo isto acaba por exemplificar bem, o que sempre temi, ou seja, as razões do meu antigo e profundo cepticismo relativamente à ideia de uma união europeia.
DESACORDO
I
Ontem à noite, na TVI-24, Francisco José Viegas manifestou o seu desacordo face a algumas normas do AO e lembrou que, «do ponto de vista teórico, a ortografia é uma coisa artificial» que pode ser mudada: «Até 2015, podemos corrigi-la, temos essa possibilidade e vamos usá-la. Nós temos de aperfeiçoar o que há para aperfeiçoar. Temos três anos para o fazer.»
Sobre a polémica em torno da decisão de Vasco Graça Moura, que chegou ao Centro Cultural de Belém (CCB) e cancelou a aplicação do AO que foi encontrar já em vigor, o secretário de Estado da Cultura fez notar que o actual presidente do CCB «é uma das pessoas que mais reflectiu e se empenhou no combate contra» o AO. Mais: notou também que foram aqueles que «não têm qualquer intimidade, nem com a escrita, nem com a ortografia», que correram a «criticar e pedir sanções» perante a "ousadia" de Vasco Graça Moura. «Para mim, é um não-problema. Os materiais impressos e oficiais do CCB obedecem a uma norma geral que vigora desde 1 de Janeiro em todos os organismos sob tutela do Estado. O Vasco Graça Moura, um dos grandes autores da nossa língua, escreve como lhe apetecer.»
Francisco José Viegas contou ainda que, «às vezes, quando escrevo como escritor, tenho dúvidas e vou fazer uso dessa possibilidade, como todos os portugueses podem fazer uso dessa possibilidade, isto é, da competência que têm para escolher a sua ortografia». E acrescentou: «Não há uma polícia da língua. Há um acordo que não implica sanções graves para nenhum de nós.»
II
De uma coisa tão simples e que tão escusamente tem feito correr tanta tinta, três conclusões imediatas se tiram.
Uma delas é a de que, se a teimosia bacoca de ex-responsáveis não tivesse impedido a falta de visão que levou a que políticos se substituíssem aos linguistas, não se teria perdido o tempo que se perdeu. Curiosamente, nunca como no passado recente de tais ex-responsáveis se falou tão mal português na vida pública.
Outra conclusão possível pode tirar-se do inexplicável paradoxo da notícia que serviu de base a este post (cujo link está no início), na qual se percebe o ridículo da divulgação desta posição acertada de Francisco José Viegas num texto noticioso escrito (repare-se) segundo o AO. Fica a lição para os apressadinhos-da-silva, aqueles que não aprenderam a reflectir e que, habitualmente, "não têm qualquer intimidade, nem com a escrita, nem com a ortografia", porque ridídulo mais ridículo não há.
A terceira conclusão é a que arrasa definitivamente os arautos da desgraça, que tanto espernearam por causa do cancelamento do Ministério da Cultura. Fica mais do que provado que um governo aberto à Cultura e ao que nos caracteriza como povo com História não se mede por ter no topo um ministro ou um secretário de Estado na pasta: parece-me bastante saber que Francisco José Viegas é um homem de Cultura (como já aqui referi).
Finalmente, a talhe de foice, o papel do DELITO DE OPINIÃO enche-nos de satisfação e continuará a contribuir para travar o famigerado AO. Por modesta que possa ser a nossa contribuição, este vosso blogue manter-se-á na senda do bom português e na luta contra o indesejável desacordo (no que, por sinal, temos contado com grande parte dos nossos comentadores). Sem embargo de qualquer dos autores do DO ser livre de fazer o uso da língua que mais lhe aprouver, o facto é que nesta casa se verifica que o DELITO representa um acordo e que o AO é que é um delito.
THE END
Casaram e foram muito felizes.
Ele, a babar-se com as empregadinhas do shopping.
Ela, a fazer plásticas até parecer-se com uma empregadinha do shopping.
E infelizmente também se está a ver que Portugal vai pelo mesmo caminho. Apesar de a comunicação social ontem ter propagandeado que a troika estaria muito satisfeita com Portugal, qualquer observador minimamente atento repararia nos sinais que foram transmitidos. Hoje, como eu já esperava, veio o comissário europeu para os assuntos económicos, Oli Rehn, exigir a Portugal que redobre os esforços que está a fazer, o que obviamente significa que não estão a ser considerados suficientes.
Quanto a Passos Coelho, limita-se a justificar a situação com a herança do anterior Governo. É evidente que o anterior Governo tem muitas culpas no cartório, mas já era mais que altura de abandonar este discurso. Há uma velha anedota referindo que um Primeiro-Ministro, antes de tomar posse, pediu ao seu antecessor que lhe explicasse como deveria agir nos períodos de maior crise. Ele responde-lhe: "Não se preocupe. Deixei na sua secretária duas cartas em envelopes fechados que só deve abrir nas alturas de maior aflição". Num desses períodos ele abre a primeira carta que diz apenas: "Culpe o governo anterior". Ele assim faz e consegue elidir a contestação que estava a sofrer. Passado algum tempo volta a passar por um período de aflição e abre a segunda carta. Esta diz apenas: "Escreva duas cartas iguais a estas".
Começo a recear que em breve a União Europeia esteja a propor também um comissário europeu para Portugal.
No A Douta Ignorância, Priscila Rêgo elaborou um conjunto de posts a que chamou Compreender a Alemanha. Vale a pena lê-los. E também vale a pena fazer o teste So, what would your plan for Greece be?, a que cheguei através de outro post da Priscila. Na primeira tentativa, eu, que no fundo sou um pessimista (não acredito que a Grécia possa ficar no euro) cheio de boa vontade (escolhi mantê-la no euro), acabei no ponto 19. Ou seja, sensivelmente na via em que nos encontramos. Por um lado (e quem leu os meus posts ao longo dos últimos meses percebê-lo-á), tem lógica. Por outro, rai's partam. Só que as tentativas seguintes não deram resultados muito melhores. Experimentem vocês. Mas procurem não irritar Maynard.
Mais duas vozes se somam a tantas outras na rejeição liminar do impropriamente chamado "acordo ortográfico" que quer pôr os portugueses a escrever várias palavras do nosso idioma de modo diferente do que escrevem brasileiros (em palavras como 'recepção' e 'percepção'), angolanos e moçambicanos. Refiro-me a dois conselheiros de Estado: António Bagão Félix e Manuel Alegre. No programa Avenida da Liberdade, transmitido sábado na RTP Informação, Bagão Félix salientou justamente: «O património de uma língua não se faz da unicidade, faz-se da diversidade.» E Alegre - um dos três deputados que votaram contra o "acordo" quando foi aprovado na Assembleia da República - pronunciou-se sobre o tema com a autoridade que lhe advém de ser um dos nossos escritores mais prestigiados e premiados: «A ortografia faz parte da estética, do sentido histórico e da identidade da língua. [O acordo] desfigura e descaracteriza a língua portuguesa. Com moderação e bom senso, devia ser repensado. Neste momento a língua parece uma caricatura.»
Alegre desfez qualquer dúvida: ele continua e continuará «a escrever da mesma maneira.» Milhões de portugueses farão como ele.
Que é, para quem não sabe, como se diz em alemão que Schauble foi apanhado a fazer sudokus enquanto o parlamento discutia a ajuda à Grécia:
A Scotex teve um registo diferente para o nosso país, mas gosto de ver este homenzinho na sanita a levar um baile de um cão mínimo. Como todas as coisas pequenas, o cão é adorável. O homem nem por isso. Este anúncio parte de uma base tão simples que é realmente eficz: o que começa por ser divertido pode terminar num sarilho. Coisas que a vida - ou a publicidade - tecem.
Não era possível haver nada mais espantoso neste quadro de subjugação total dos países da União Europeia aos ditames do eixo franco-alemão que a apresentação por estes de um tratado orçamental que todos os outros Estados deveriam assinar. O tratado orçamental, ao reforçar a componente intergovernamental, viola claramente os tratados da União Europeia, tirando completamente o tapete à comissão, enquanto guardiã desses mesmos tratados, assumindo o cariz de um Diktat alemão. Não espanta, por isso, que o Reino Unido tenha decidido desde o início ficar de fora, por muitas críticas que a atitude de Cameron tivesse merecido. Depois a República Checa, talvez recordando a submissão de Bénes aos acordos de Munique, também veio dizer que não aceitava esse tratado. Agora é a Irlanda, país submetido à "ajuda externa" mas que muito valoriza a sua independência, conquistada à custa de muitos sacrifícios, que vem sujeitar o tratado a referendo, onde obviamente não passará. Já a atitude de Portugal é elucidativa. Primeiro aboliu os feriados nacionais que comemoravam a independência do país e o regime republicano, para que ninguém continuasse a pensar que ainda vivia num país soberano. E agora vai dar o seu acordo de cruz a este tratado orçamental. A questão é que, como refere aqui Wolfgang Münchau, esse tratado na melhor das hipóteses é desnecessário e na pior é altamente perigoso e até pode levar a uma explosão da dívida na zona euro. A meu ver, o tratado ameaça mesmo destruir toda a estrutura laboriosamente construída que tem servido de base à União Europeia. Durante quanto tempo continurão os líderes europeus a brincar com o fogo?