Tenho andado esquecida dos meus poetas esquecidos. Vamos, então, a isto que o prometido é devido. Não quero seguir nenhuma ordenação cronológica em especial. Hão-de sair-me da memória, ao acaso, e pousar aqui.
Eugénio de Castro. Eugénio de Castro e Almeida nasceu em Coimbra em Março de 1869. Formado em Letras, enceta uma breve carreira diplomática em Paris onde se torna amigo de Jean Moréas e Henri de Régnier e aprofunda o conhecimento das obras de Mallarmé, Verlaine e Khan. Regressa a Coimbra para ensinar na Faculdade Letras. Ainda vão dizer que só estou a trazer para aqui poetas que foram professores nas Letras em Coimbra. Até gosto deles, agora que me passaram os traumas, mas não: hão-de vir outros que não tenham andado na Rua da Sofia. (;)
Com Manuel da Silva Gaio, dirige a revista Arte, depois de ter fundado e colaborado com a Os Insubmissos e a Boémia Nova.
A publicação, em 1890, do livro Oaristos coloca-o na história da literatura portuguesa como o introdutor do Simbolismo em Portugal.
Dir-me-ão, talvez, que em Portugal nunca houve um verdadeiro Simbolismo, à excepção de Camilo Pessanha. Podem, talvez, dizer-me que Eugénio de Castro é um poeta menor e eu até posso, num dia em que esteja menos refilona, concordar.
Oaristos, uma palavra que significa diálogos íntimos (mais para o lado da conjugalidade), traz no seu Prefácio um pequeno manifesto do Simbolismo, assumindo uma posição crítica face ao léxico da poesia portuguesa da época, pobre e repetitivo, e preconizava um aproveitamento da musicalidade da língua por puro deleite estético.
Com os simbolistas, a palavra liberta-se de um significado que a aprisiona e limita e torna-se um puro significante, vale pelo som e pelo símbolo, não apenas pelo que significa. Com o Simbolismo, abrem-se caminhos para novos modos de exprimir.
A Eugénio de Castro juntam-se Alberto Osório de Castro, Alberto de Oliveira, António Nobre, Júlio Brandão, entre outros. Eram os “nefelibatas”, designação um bocadinho pejorativa. Vem do grego: são os que andam nas nuvens. O Simbolismo português é, antes de mais, uma atitude estética, não é a filosofia do decadentismo francês de final de século. É um virar de costas ao pesadume exaltado do ultra-romantismo, é “de la musique avant toute chose”.
E fica aqui um poema óptimo, por sinal, para fazer um ditado ali aos amigos da Leonor:
Um sonho.
Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...
O sol, o celestial girassol, esmorece...
E as cantilenas de serenos sons amenos
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves.
Flor! enquanto na messe estremece a quermesse
E o sol, o celestial girassol esmorece,
Deixemos estes sons tão serenos e amenos,
Fujamos, Flor! à flor destes floridos fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Como aqui se está bem! Além freme a quermesse...
– Não sentes um gemer dolente que esmorece?
São os amantes delirantes que em amenos
Beijos se beijam, Flor! à flor dos frescos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítólas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Esmaiece na messe o rumor da quermesse...
– Não ouves este ai que esmaiece e esmorece?
É um noivo a quem fugiu a Flor de olhos amenos,
E chora a sua morta, absorto, à flor dos fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Penumbra de veludo. Esmorece a quermesse...
Sob o meu braço lasso o meu Lírio esmorece...
Beijo-lhe os boreais belos lábios amenos,
Beijo que freme e foge à flor dos flóreos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Teus lábios de cinábrio, entreabre-os! Da quermesse
O rumor amolece, esmaiece, esmorece...
Dá-me que eu beije os teus' morenos e amenos
Peitos! Rolemos, Flor! à flor dos flóreos fenos...
Soam vesperais as Vêsperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Ah! não resistas mais a meus ais! Da quermesse
O atroador clangor, o rumor esmorece...
Rolemos, b morena! em contactos amenos!
– Vibram três tiros à florida flor dos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Citolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse?
E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo isso esmorece!
No meu quarto uma luz luz com lumes amenos,
Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...