Envelhecer já não é encarado como um fenómeno natural. Agora chamam-lhe arte. Não me parece mal. Se considerarmos os testemunhos dos clientes das plásticas e até dos que fazem questão de celebrar o aparecimento das rugas como algo libertador, até podemos considerá-lo uma arte de palco. Às vezes esses que se manifestam contra a corrente exibem tal alegria com os seus duplos queixos e cabelos brancos que por vezes os confundo com os outros. Há alegrias tão contentinhas que até parece que levaram silicone nos entrefolhos.
As obsessões colectivas são sempre inquietantes e ridículas. Inquietantes, porque não há como evitar que se tornem nossas, nem que seja só um bocadinho, e ridículas porque os comportamentos obsessivos, que o diga Woody Allen, têm um enorme potencial de comicidade.
Já li muito sobre a arte de envelhecer ou, em versão mais musculada, sobre o combate ao envelhecimento. Das bulas dos cremes hidratantes que nos prometem a juventude aos 40, até às receitas dos famosos sem idade, mas este fim-de-semana, de entre uma série de entrevistas a figuras públicas maiores de 60, destacou-se uma frase cintilante: "Estou a programar o meu futuro para ser livre, como fui quando era pequenina". Quem a disse foi uma rapariga chamada Ana Bola. Ao lê-la percebi porque a idealização da minha carcaça velha a escarafunchar, de cócoras, na terra, plantando couves ou alfaces para dar à coisa um propósito adulto, me persegue há tantos anos. É um projecto que tem muito mais sentido do que alguma vez lhe atribuí. Revela até uma estética - trata-se de um círculo que se fecha - que não me fica nada mal. Mas sobretudo este meu sonho de acabar os meus dias numa quinta, ou até mesmo num quintal, a tratar de bichos e couves, apresentou-se-me, à luz desta confissão da Ana Bola, como um sinal de resistência saudável a esta cultura fóbica que desenvolvemos contra nós próprios, todos velhos em potência. Não é à toa que ela tem envelhecido tão bem, sempre a esbanjar uma energia de catraia. Ah, grande Bola, que me iluminaste. O envelhecimento "combate-se" é assim! Assim e com alguns cremes, vá...