Pistola, mamas e ajuda financeira
Em pleno sufoco mediático da vinda do FMI, veio-me à mente uma história de família envolvendo coisas tão diversas como uma pistola, um par de mamas e uma ajuda financeira, que verto nestas linhas que se seguem.
Findara a Primeira Guerra Mundial e a França estava destroçada. Urgia colocar de novo o génio e a força de trabalho do Homem ao serviço da obra, passada que era a hora da besta da destruição bélica. Excelente oportunidade para arranjar trabalho, mais bem remunerado, que possibilitasse o aforro para uma melhor vida. E assim, tal como tanta gente, lá foi o meu avô trabalhar para terras gaulesas. Mas com “carta de chamada”, pois não queria correr riscos de ir “a salto”.
Em França, o Tio Joaquim - homem cuja força de personalidade e de músculo cedo lhe valera a alcunha de “Comandante” - foi peremptório:
- Tens duas hipóteses: ou ficas aqui comigo na Pensão da Madame Blanche, que é mais cara mas onde convives até com professores da universidade, ou vais para as pensões baratas dos portugueses e voltas o mesmo ignorante que vieste!
Escusado será dizer que o meu avô ficou com o seu mentor. E a vida começou a correr bem: muito trabalho e muito dinheiro.
Algum tempo depois, Tio Joaquim e Madame Blanche, francesa formosa e de peito privilegiado, decidiram dar um passeio à Bélgica. De véspera, o meu avô pediu ao tio que lhe trouxesse uma pistola. Algo que o seu mestre reprovou mas que teve aceitação no olhar da companheira francesa. E tanto assim foi que, regressados, a proprietária da pensão chamou o meu avô e, às escondidas do “Comandante”, passou-lhe para as mãos uma FN 6,35, que retirou de um voluptuoso estojo: as suas mamas.
Finalmente, o meu avô era um homem próspero e tinha pistola. Combinação muito natural naquela época.
Regressado à pátria lusa, lançou-se decididamente como empresário, casou e, por sorte minha, teve filhos. Mas a sua França voltaria em breve a ser arrasada por novo conflito mundial. Uma vez findo, foi lançado um peditório internacional para ajuda à reconstrução.
O meu avô não faltou à chamada e, acompanhado do adolescente meu pai, dirigiu-se ao Consulado de França no Porto - que à época era numa esquina da Praça de Parada Leitão para a Praça da Cordoaria - onde entregou o seu donativo. Quando os administrativos quiseram emitir um certificado de reconhecimento, o meu avô recusou:
- Só estou a retribuir à França o que a França fez por mim.
A esta hora já perceberam que o episódio da pistola e das mamas, ainda que verídico, foi só para apimentar o título. O importante é que sempre que o meu pai me recorda esta história, o seu sorriso cúmplice ilumina o meu, e da memória acabo por concluir em plena polémica de ajuda externa que, como em tudo na vida, há ajudas e há ajudas...
José Mário Teixeira