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Delito de Opinião

É incompreensível tanto amadorismo

Pedro Correia, 31.03.11

 

Ouvi há pouco o ministro da Bancarrota em declarações à TVI. Em sintonia com o chefe, foi incapaz de pedir desculpa aos portugueses pelo défice real das contas públicas, só hoje conhecido: 8,6% - mais 1,3% do que o Governo tinha anunciado, o que constitui um novo marco no longo cadastro de "inverdades" do ainda primeiro-ministro. O País está de tanga, mas o referido entrevistado da TVI, também ministro do Estado a Que Isto Chegou, garante que não moverá um dedo para pedir ajuda externa de emergência, cada vez mais imperiosa e inevitável. A entrevista destinou-se apenas a reafirmar o estilo de galo de briga a que José Sócrates habituou os portugueses: o seu braço direito na desgovernação fez gala em jogar ao braço-de-ferro com o Presidente da República. Motivo? Minutos antes, num discurso ao País, Cavaco Silva sublinhara esta evidência que só o Governo teima em negar: o Executivo "não está impedido de praticar os actos necessários à condução dos destinos do País, tanto no plano interno como no plano externo."

No dia em que também se soube que a dívida pública portuguesa foi revista "em alta", saltando para 92,4%, e que os juros da dívida a cinco anos dispararam para uns inéditos - e inaceitáveis - 9,52%, recordei-me das palavras arrasadoras de António Costa, proferidas há duas semanas, contra o homem que se destaca como o principal rosto da ruína financeira portuguesa: é "incompreensível" tanto "amadorismo".

Ataturk, na guerra contra os gregos, proclamava aos seus homens: "Eu não vos ordeno que ataquem. Ordeno-vos que morram." Por vezes parece que Sócrates ordena o mesmo a alguns dos seus ministros. Com uma diferença assinalável: o líder turco foi capaz de ganhar a guerra.

Apaguem a luz

Rui Rocha, 31.03.11

Hoje, o INE veio confirmar o que já se sabia. O buraco do BPN foi nacionalizado. Por isso, as responsabilidades têm que estar inscritas no Orçamento de Estado. O Ministro das Finanças sabe disto melhor que ninguém. Apesar disso, para além de ter garantido aos portugueses que não lhes sairia um cêntimo do bolso, tentou empurrar a inscrição orçamental com a barriga. Podia e devia tê-lo feito em anos anteriores. Agora, foi obrigado a fazê-lo para o ano de 2010. No que diz respeito às empresas públicas de transportes, trata-se de caso claro de desorçamentação. A partir de certa altura, optou-se por financiar a sua activiadade por via de endividamento directo garantido pelo Estado. As responsabilidades estão lá na mesma. A diferença é que esse expediente permitia retirar do Orçamento de Estado as transferências necessárias. Por isso, a argumentação de Teixeira dos Santos é, mais uma vez, uma vergonha. Queixa-se o Ministro de alteração de regras. Na verdade, está na posição do futebolista sarrafeiro que passou o jogo a distribuir cartuchada. O árbitro foi sendo complacente. A certa altura, perante mais uma entrada dura, decidiu-se finalmente por mostrar o cartão amarelo. Teixeira dos Santos, em vez de estar calado, dedica-se agora a esbracejar, dizendo que o cartão é injusto porque já fez outras entradas iguais ao longo da partida. O ponto fundamental é que, quer no caso do BPN, quer no do buraco das empresas públicas de transportes, a responsabilidade existe e os portugueses vão ter que a pagar. Tal como vai acontecer relativamente às parcerias público-privadas. Chegado à governação, o Professor de Finanças decidiu converter-se no Professor Mandrake. O dia de hoje marca o fim da ilusão. Sócrates e Teixeira dos Santos ficarão na história de Portugal por terem protagonizado um projecto consumado de co-incineração das contas públicas.

 

O ódio à 'rua islâmica'

Pedro Correia, 31.03.11

 

As revoltas populares no Magrebe e no Médio Oriente têm servido de pretexto, a vários colunistas na imprensa portuguesa, para debitarem o seu ódio contra as sociedades islâmicas em geral e os países árabes em particular. Não me lembro há muito de ver textos tão rasteiros e tão boçais, em que se traça de cada árabe o retrato de um fulano manipulável, demente, violador de mulheres, saqueador de bens e um terrorista em potência, às ordens dos extremistas mais fanáticos. Um desses colunistas, alarvemente, chegou a proclamar-se islamófobo em prosa digna de um Ahmadinejad – bastaria trocar “islâmico” por “judeu” no referido arrazoado.

Esses articulistas (alguns dos quais certamente com ascendência árabe) nem reparam, nesta visceral aversão à “rua islâmica”, que os seus textos expressam um radicalismo simétrico ao daqueles que  pretendem denunciar. E esquecem que, se os atentados matam, também as palavras podem matar. O primeiro passo para uma bomba assassina é sempre um texto a escorrer ódio.

Convidada: PATTI

Ana Vidal, 31.03.11

 

 Efeitos anímicos


Foi despedida, exactamente dez minutos, antes da sua hora de saída do escritório. Com efeito imediato. E nem precisou de dar dias à empresa.

Arrumou tudo mecanicamente. Não teve tempo de dizer adeus à colega das fotocópias. Nem do rapaz dos cafés. Ficara mesmo sem saber o nome dele. Seis meses ali a trabalhar e nem lhe sabia o nome.

Estava agora na rua, numa noite fria de Outono baço, à espera do metro. Na estação só um homem, já velho e de ar abstraído, sentado no banco.

Ignorou-o. Na sua cabeça só pairavam as palavras da chefe: irresponsável, sempre atrasada, distraída, lenta, burra, sem iniciativa, tímida de mais. Palavras que cada vez mais iam subindo de volume, ao ponto de ter de agarrar-se à cabeça, para as parar de escutar.

Já o homem mantinha-se descontraído, e sacara do bolso do sobretudo um corta-unhas. Cruzara as pernas para ficar mais confortável e sem mais nada: clique-claque, clique-claque, clique-claque… na noite acústica.

Concentrado, limava com os dentes sépia, uma falha ou outra que escapara à destreza do corta-unhas, mirava as mãos de frente, polia com saliva, sorria como uma manicure e voltava à carga: clique, claque, clique, claque, clique, claque…

Aquela sonância metálica, repetitiva; a voz interior que lhe atirava ofensas de irresponsável, atrasada, tímida; a baba do velho a ser sugada pelas unhas baças; o lenta, o sem iniciativa, o burra; a cabeça a estalar; o está despedida; o clique-claque, clique-claque, clique-claque; a voz da chefe; a privacidade do velho…

Não suportou tamanho som junto. E na chegada do metro à plataforma, empurrou-os a todos numa só força: a chefe, a tímida e a burra, o corta-unhas, a colega das fotocópias, o emprego no escritório, o nome que não sabia do rapaz dos cafés, o clique-claque, a dor de cabeça, a noite gelada daquele Outono, a vida toda.

E o homem das unhas sujas também.

 

Patti

Retrato em final de banquete

João Carvalho, 30.03.11

A oposição revogou o decreto que aumentava os limites de autorização da despesa pública e não fez mais do que cumprir o seu papel em tempo útil. A autorização legislativa que tinha permitido ao governo decretar como decretou não era, obviamente, uma obrigação, ao contrário do que o governo e o grupo parlamentar que o apoia pareciam querer sugerir hoje à tarde na Assembleia da República.

Jorge Lacão, que se fartou de perorar, indignadíssimo, contra as posições da oposição, foi hoje no Parlamento o retrato da falta de respeito pelo sacrifício que o desgoverno exige aos cidadãos. Um retrato em final de banquete só comparável ao do ainda ministro Mendonça, tal como o imagino se o deixassem aproveitar qualquer aumento da despesa pública antes de o mandarem para casa.

A bacoquice parlamentar

João Carvalho, 30.03.11

Não é a primeira vez que registo isto, mas o insucesso com que o fiz antes desafia a minha teimosia. A Assembleia da República é um dos infelizes espelhos dos desmandos na utilização da nossa língua e mesmo que quisesse listar aqui os casos mais correntes seria fastidioso. Porém, não resisto a voltar à norma parlamentar sobre os vocativos que devem abrir cada intervenção: «Senhor presidente, senhores deputados».

Bacoca a inventar falsos requintes, talvez inspirada na quota destinada às mulheres, a maioria dos parlamentares (seguida por membros do governo como Jorge Lacão) decidiu estender a coisa e estender-se ao comprido: «Senhor presidente, senhoras e senhores deputados». Um preciosismo saloio, como facilmente se percebe cá fora e não se percebe no interior do Palácio de S. Bento. Preciosismo saloio porquê? Simples: apenas porque o substantivo "deputado" tem a forma feminina de "deputada".

Portanto, quando os parlamentares ignoram que a forma masculina também aglutina gramaticalmente ambos os géneros e, nessa ignorância, não são capazes de perceber que «senhores deputados» é um vocativo q.b., só têm uma saída: «senhoras deputadas e senhores deputados». Não o fazendo e insistindo em «senhoras e senhores deputados», a asneirada é óbvia e lê-se assim: "senhoras coisa-nenhuma e senhores deputados".

Que o Fernando Mendes no seu programa interminável na RTP-1 ainda não tenha conseguido aprender, ao fim de tantos anos, que não devia dizer inúmeras vezes por programa «meus senhores e minhas senhoras», mas sim «minhas senhoras e meu senhores», pode dar-se de barato. Que os nossos deputados se reduzam à mesma saloiada bacoca é que me incomoda.

O detector de "bullshit".

Luís M. Jorge, 30.03.11

O PSD fez publicar hoje as linhas de orientação para a elaboração do seu programa eleitoral. Alguns espíritos malévolos talvez observem que o líder social-democrata, ocupando o cargo desde 26 de Março de 2010, já teria tido tempo de nos proporcionar um documento maduro e definitivo em vez destes bitaites enjorcados.  Pura injustiça. Pedro Passos Coelho angustia-se com os reais problemas do país e está, como é seu dever, imerso no exame atento do Programa do Governo. Esse sim, já foi criado, e encontra-se desde há muito disponível aqui.

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