Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Os dois amigos da família Kadhafi

Pedro Correia, 27.02.11

                           

 

Uma família entra em guerra contra um povo inteiro. Não hesita em virar os fuzis contra cidadãos desarmados. Perde o apoio da sua própria rede diplomática. Vê a bandeira que arriou voltar a ser hasteada nos mastros. Recebe a censura generalizada da comunidade internacional - incluindo o voto unânime do Conselho de Segurança das Nações Unidas, arriscando-se a responder perante o Tribunal de Haia por violação grosseira do direito internacional.

A acção criminosa desta família que acumulou milhões ao longo de quatro décadas no poder tem a reprovação do mundo inteiro? Nem por isso. Hugo Chávez e Daniel Ortega estão solidários com ela. O que diz tudo sobre um e outro.

¿Por qué no te callas?

Paulo Gorjão, 26.02.11

Pedro Santana Lopes acha "estranho" que Pedro Passos Coelho não consiga colocar o PSD "muito mais distanciado do PS das sondagens". A última sondagem, recorde-se, dá maioria absoluta ao PSD. Mais. Com ou sem maioria absoluta, todas as sondagens ao longo dos últimos meses dão sempre a vitória ao PSD.
No entanto, Santana Lopes gostava que existisse maior distância entre os dois partidos. Fala quem sabe da matéria: em 2005 o PSD sob a sua liderança conseguiu a proeza de ter uns ridículos 28% e permitir que o PS tivesse 45% dos votos e a sua primeira e única maioria absoluta até hoje.

O feitiço do tempo

Pedro Correia, 26.02.11

João Pereira Coutinho, hoje no Correio da Manhã: «A revolução de 1789 acabou por degenerar no Terror jacobino. Por que motivo, então, esta evidência é tão difícil de perceber no caso árabe?»

Vasco Pulido Valente, hoje no Público: «O que havia em França em 1789-94 era uma total ausência de instituições capazes de promover e defender as liberdades. (...) Como hoje na África do Norte.»

 

Espero que os nossos "líderes de opinião" transitem rapidamente do século XVIII para o século XIX. A ver se daqui a uns alguns meses começam a compreender finalmente o que se passa no mundo árabe do século XXI.

O Ministro da Justiça também pratica o salto à vara?

Rui Rocha, 26.02.11

Há pouco mais de uma semana foi Armando Vara que passou à frente dos utentes de um Centro de Saúde. Agora é a segurança do Ministro da Justiça que viola normas elementares de respeito por uma situação de vida ou de morte. No caso de Vara, o juízo de condenação é pessoal e intransmissível. No caso de Alberto Martins, quero crer que o Ministro não terá responsabilidade directa na ordem dada no sentido de afastar uma ambulância em serviço.  Todavia, mesmo que assim seja, estas situações são sinais dos tempos. Os que detêm o poder não estão ao serviço dos cidadãos. Servem-se do poder contra tudo e contra todos. O ambiente que dá origem a estes desmandos é o do arrivismo e da prepotência. O salto à Vara, sem respeito pelas mais elementares regras de civilidade, é uma actividade tão condenável quanto recorrente. Para praticá-lo não são mecessárias especiais aptidões físicas ou intelectuais. É, todavia, necessário apresentar uma acentuada fraqueza de carácter. A vara que permite ascender a cargos para os quais não existem competências adequadas é a mesma que permite saltar sobre os cidadãos no dia-a-dia. A segurá-la está sempre a mão de um boy. Chame-se ele Armando, Alberto ou Videirinho.

A geração Deolinda e o Primeiro-Ministro que está à rasca

Rui Rocha, 26.02.11

Jose Sócrates foi ontem ao Parlamento responder a uma canção e a uma manifestação que está marcada, através do Facebook, para o próximo dia 12. A sua intenção era responder à letra. Mas, acabou por retratar-se a si próprio. À geração que alguns dizem ser parva respondeu a governação do chico-esperto. O melhor que Sócrates tem para oferecer é o anúncio de medidas que já tinham sido apresentadas. Não é surpreendente. Sócrates é mesmo assim. Falta-lhe produto. Interno, bruto e verdadeiro. Sobra-lhe o marketing em que já ninguém acredita. Por isso, o debate de ontem foi para lamentar. A geração a que Sócrates se dirigia tem características próprias. Umas serão melhores do que as das gerações anteriores. Outras,  nem por isso. Mas, se existe característica que a distingue é o facto de ter ao seu alcance informação abundante. Se há coisa que essa geração não tolera é treta. Com informação sobre qualquer assunto ao alcance de um click, os vendedores de banha da cobra têm que se esforçar mais do que há uns anos atrás. Já não é suficiente fazer propaganda com medidas requentadas. Ontem, Sócrates não foi à Assembleia da República dar o correctivo quinzenal à bancada parlamentar do PSD. Pelo contrário, foi reconhecer perante o país e, em particular, perante uma geração, que não tem nada de novo para lhes dizer. Portugal está em graves dificuldades. A geração que Sócrates pretendia embrulhar esbarra numa conjuntura de bloqueio do acesso ao mercado de trabalho. Quanto ao Primeiro-Ministro, esse está mesmo à rasca.

Grandes contos (3): Albert Camus

Pedro Correia, 26.02.11
Pode um conto ser deliberadamente político sem nunca parecer que o é? Pode. Albert Camus dá-nos um exemplo admirável numa das histórias incluídas na excelente colectânea de narrativas intitulada O Exílio e o Reino (1957). O conto a que me refiro, O Hóspede, é daqueles que nos perduram na memória graças à poderosa sugestão visual da escrita de Camus, na sua elegância sincopada. Uma espécie de “Hemingway revisitado por Kafka”, na definição algo irónica de Sartre, que nunca escondeu uma certa aversão pelo autor d'O Estrangeiro, um dos raros escritores franceses do século XX que jamais se deixaram seduzir por sistemas totalitários. É este, aliás, o cerne deste conto hipnótico, que nos fala da solidão, do silêncio, da violência surda, da incomunicabilidade – e também de política, oculta num admirável jogo de metáforas: afinal que papel resta aos intelectuais num mundo que volta a ser dominado por pulsões irracionais de toda a espécie?
O professor Daru – alter ego do autor – encarna este dilema, no quadro da cruel guerra da Argélia, nunca aqui nomeada expressamente mas subjacente do primeiro ao último parágrafo. Camus, francês nascido na Argélia, sabia bem o preço a pagar por aqueles que, como ele, não optaram por nenhum lugar em nenhuma trincheira do conflito.
Num momento em que a História caminha a passo cada vez mais acelerado, há uma estranha actualidade neste confronto de culturas simbolizado no professor francês com alma de apátrida que dá abrigo por uma noite, na sua escola abandonada, ao árabe suspeito de ter infringido a lei. Em pano de fundo, com toda a sua carga simbólica, a nua imensidão do planalto argelino, às portas do deserto, magistralmente descrita pelo autor: “Daru contemplou o céu, o planalto, e, para além, as terras quase invisíveis que se estendiam até ao mar. Nesse vasto país, que ele tanto amara, estava agora só, completamente só.” (Edição portuguesa dos Livros do Brasil, tradução de Cabral do Nascimento).
Não é na irreparável solidão desse deserto que vive o homem contemporâneo, entre as certezas que se desmoronam e um terror sem rosto incrustado no nosso inconsciente colectivo?

O dilúvio chegou antes e não depois

Pedro Correia, 25.02.11

 

Houve um tempo em que uma certa direita, incapaz de resistir a regimes musculados, apontava o Egipto de Mubarak como exemplo de bom governo no mundo árabe. Esse tempo terminou, irrevogavelmente, a 11 de Fevereiro. Houve também um tempo em que uma certa esquerda, num apaixonado flirt com o “socialismo árabe”, mencionava Kadhafi como figura de referência. Esse tempo está prestes a terminar: com o seu patético discurso de ontem, o homem que durante 41 anos dirigiu a Líbia com mão de ferro demonstrou ter perdido definitivamente o contacto com a realidade.

Um elo uniu Mubarak e Kadhafi ao soar a hora da derrocada: perdida a tradicional pose de bravata, ambos invocaram os riscos do extremismo islâmico como chantagem suprema perante a comunidade internacional. O líbio chegou a apontar o dedo acusador à Al-Qaeda como fonte dos distúrbios no seu país. Repetindo, no fundo, o argumento de Luís XV na França pré-revolucionária: “Depois de mim, o dilúvio.” O problema, tanto no Egipto como na Líbia, é que o dilúvio chegou antes e não depois.

 

Publicado no DN

Educação perversa

Laura Ramos, 25.02.11

 

No Jornal i, verdades velhas.

Bem conhecidas de qualquer mãe de filhos-homens, que tenham vivido a fase pré-escolar e o ensino básico aí pelos anos 90 e pelos primeiros anos deste século.
Só agora é que lá chegaram?
Quando eu me embrenhava na vida escolar da descendência, até aos mínimos pormenores, já então não podia evitar o  distanciamento crítico e aperceber-me dessa evidência que era a feroz feminização do ensino, na tenra idade em que se molda a personalidade dos homens e das mulheres, no seu diário de sucessos e insucessos.
E eu, que cresci num tempo em que persistiam, bem potentes e injustas, as  résteas sexistas  do sagrado direito à concorrência desleal masculina, vi-me mãe-investida-em-advogada-do-diabo, a  insurgir-me contra um sistema de aprendizagem e de avaliação totalmente dominado pelo modelo de comportamento feminino, onde os rapazes não encontravam espaço cognitivo nem  re-cognitivo.
Há dez anos atrás, numa daquelas penosas reuniões de escola, gostava de ter tido à mão este artigozinho para acenar à maioria dos pais estupefactos perante mim, quando tentava insinuar assertivamente esta realidade.
A ideia era influir no processo em curso nas aulas e sensibilizar os responsáveis para esta pequena grande perversão involuntária.

Mas é claro que o quorum foi escasso e ficou tudo na mesma.

 

(Nota: escrevi isto há um ano, a propósito disto, e assim o assunto vai andando a ritmo de caracol... Agradeço o link do i.)