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Delito de Opinião

Quem é John Galt?

João Campos, 28.02.11

Ainda eu não acabei de ver todos os filmes que quero ver do ano passado, e já me estão a prometer coisinhas boas no grande écrã para este ano. Pelo menos, essa é a minha expectativa: em Abril, chega aos cinemas a primeira parte da adaptação cinematográfica de Atlas Shrugged, a obra-prima de Ayn Rand. Projecto ambicioso, sem dúvida.

 

A revolta das mulheres árabes

Pedro Correia, 28.02.11

 

"Nas imagens das manifestações, onde estão as mulheres da Líbia, da Tunísia, do Bahrein, do Iémen?", questionava há dias Inês Serra Lopes, na sua habitual coluna de opinião da terceira página do i. Lembrando, e com razão, que "sem mulheres não há revolução". Por saboroso acaso, a resposta vinha logo na página seguinte da mesma edição, em texto assinado por Nicholas Kirstof, escrito em Manama, capital do Bahrein, para o New York Times (de que o i tem o exclusivo em Portugal). "Não se deixe levar pela campanha maliciosa lançada pelos ditadores segundo a qual um Médio Oriente mais democrático será fundamentalista, anti-americano ou opressivo para as mulheres. Para começar, têm-se visto muitas mulheres nas ruas a exigir mudanças (mulheres de uma força impressionante, vem a propósito lembrar!)", escreve este jornalista galardoado duas vezes com o Pulitzer.

Espero que a Inês fique mais tranquila com estas palavras escritas por quem tem acompanhado os protestos ao vivo. E a Maria João e a Joana também.

Atão porquê?

João Carvalho, 28.02.11

«Teixeira dos Santos assegurou hoje que, se necessário, serão implementadas medidas de austeridade adicionais para baixar o défice.»

Lembrei-me daquela gasta anedota da alentejana que começara a usar "baton" e a quem o marido perguntava porque é que ela andava a pintar os beços.

— P'ra ficar mais bonita — respondia ela.

Atão porque é que ficas? — insistia ele.

Quanto mais se baixar o défice, melhor. Quanto mais se baixar o défice sem recurso a receitas e sim a menos despesa (mais austeridade), melhor. Há mais medidas adicionais que podem ser implementadas (palavra odiosa)?

Atão porque é que se implementam?

Fujam: Teixeira dos Santos está desesperado

Rui Rocha, 28.02.11

Teixeira dos Santos decidiu que hoje é o dia certo para disparar em todas as direcções. A sanha do Ministro dirigiu-se a vários alvos. Não escaparam a UE, a quem pretende endossar a responsabilidade do buraco em que nos meteu, a Banca que quer comprometer com soluções de credibilização em que já ninguém acredita e os contribuintes a quem já vai ameaçando com novos ataques. Como pano de fundo, a permanência dos juros da dívida a 5 e 10 anos bem acima do limiar de 7% e a reunião de 4ª feira próxima em que Sócrates se apresentará a Ângela Merkel de bibe e calções. Sim, perante tal desespero fica bem claro que a situação está controlada.

Convidado: NUNO COSTA SANTOS

Pedro Correia, 28.02.11

 

Todos nós

 

A Otília só vem na quinta. Mas sei – anteouço já – a primeira conversa que vamos ter na cozinha, enquanto ela pousa a sua tralha e eu passo a manteiga light na torrada. Ela vai-me perguntar sobre os “meus meninos” e, logo que eu disser que estão bem, irá rematar a frase com a sentença: “Ah, isso é que interessa!”. Isso é que interessa. Eles estarem bem é que interessa.

 

Sei que não faz por mal – faz por bem até. Mas o que a minha empregada, mulher de 60 anos que veio de uma povoação junto ao Douro e se farta de trabalhar aqui e ali para sustentar uma família com dramas vários (como todas as outras), diz representa um vício de pensamento das nossas e de outras sociedades – ouve-se por todo o lado, sob diferentes formulações. A de que se as crianças estiverem bem o resto das pessoas também estará – a de que elas são o referencial para a felicidade de todos. O que, antes de mais, é injusto para as próprias. Não interpretem isto como uma desvalorização desses seres que dão à vida uma boa parte do significado que a vida tem e pode ter – e, para citar o Miguel Ângelo, toda a gente sabe que amo os meus filhos, com as toneladas de baba que isso implica. Apenas acho que chegou a altura de, além das crianças, se valorizar também os (utilizemos o habitual termo pesado) adultos.

 

Se calhar o problema está nisto: nesta divisão entre “crianças” e “adultos”. Devíamos, digo eu, não tratar as crianças como adultos mas sim tratar os adultos como crianças. Como os seres frágeis que ainda somos, apesar de nos quererem integralmente responsáveis por tudo o que fazemos e dizemos. O problema talvez esteja algures por aí: nessa divisão tão grande entre as crianças e os adultos. Se formos metidos todos, novos e velhos, no mesmo saco – o saco de pessoas frágeis, amorosas e birrentas – a coisa torna-se pelo menos mais justa. Ainda no outro dia pensei nisso ao topar na rua um gesto de ternura de um senhor para com os meus filhos. Se ele estendesse esse gesto de ternura para os adultos (falsos adultos, verdadeiras crianças) com quem se cruza na repartição, no supermercado ou na sala de espera, estaria a contribuir para a vida ser bem mais fácil neste país demasiado refém dos seus instintos de medo, rezinguice e desconfiança. Se nos tratássemos todos como crianças este seria não só um mundo melhor – mas sobretudo um mundo mais justo.

 

Não, Otília, não é só isso que interessa. Não são só os meus filhos e os seus netos que interessam. Todos nós interessamos. A começar pela Otília.

 

Nuno Costa Santos

Censura a certo jornalismo

João Carvalho, 28.02.11

1. «O líder do Bloco de Esquerda (BE), Francisco Louçã, afirmou hoje que a moção de censura ao Governo é uma forma de corrigir as injustiças sociais e de trazer estabilidade e desenvolvimento ao País.» Perceberam? Eu também não.

 

2. Se Louçã tivesse uma pontinha de razão e conseguisse explicar muito bem explicadinho como é que censurar o Governo corrige as injustiças sociais e traz estabilidade e desenvolvimento ao País, era caso para cada grupo parlamentar, cada partido, cada cidadão cuidar de promover censuras permanentes ao Governo. Eu próprio, modestamente, podia ser laureado com um Óscar qualquer pelas censuras ao Governo que vou lançando e que, pelas minhas contas, já deviam ter-nos livrado da crise. Digam-me lá se tenho ou não tenho contribuído para corrigir as injustiças sociais e trazer estabilidade e desenvolvimento ao País.

 

3. A notícia em apreço e outras de igual teor pecam pelo mesmo motivo que pecam tantas outras notícias hoje em dia. Pecam de tal modo que já ninguém liga a isso. No caso, pecam porque Louçã lança a atoarda, diz o que lhe apetece, larga uma frase inconsequente e intraduzível, mas nenhum jornalista lhe pergunta o que seguramente não conseguiu entender. Não só nenhum jornalista entendeu e não pediu explicação, como ainda fez notícia do disparate. Só que não o publica como disparate, mas como notícia (que não é). Está na altura de pensar numa moção de censura a esta espécie de jornalismo que anda a minar o jornalismo propriamente dito.

Os Óscares da realidade

Rui Rocha, 28.02.11

A noite dos Óscares não surpreendeu. Consagrou um filme que executa o papel de contar uma história apoiado em excelentes interpretações. Nem mais, nem menos. Uma noite assim, consensual, sem rasgo, polémica ou desastre que a ilumine não ficará  na história da cinematografia. Parece-me uma cerimónia adequada aos tempos que vivemos. Alguém definiu o Homem como o animal que vai ao cinema. O fascínio da sétima arte terá explicação na existência de um conjunto de neurónios (os neurónios-espelho) em que se encontra a chave da empatia. Essa que nos permite vivermos como se fossem nossas as angústias, as derrotas e os sonhos de outros seres humanos. Estes são tempos em que a realidade nos proporciona histórias que superam em muito a ficção. Vivamos então uns momentos da história de Abdul. Aquele que  vendia no Cairo o pão que o Diabo amassou. Ou de Salim, esse que está pronto para atirar uma pedra a uma das últimas fotografias de Kadafi. Um e outro, tal como Fhatima, em Tunis, têm agora uma ilusão de liberdade que também pode ser nossa se a quisermos compartilhar. Por uns tempos, as epopeias da ficção podem esperar. E Hollywood não quis sobrepor-se à narrativa da realidade. Depois, quando aqueles sonhos se cumprirem, se frustrarem ou forem esmagados, lá daremos de novo protagonismo ao cinema. Em busca da vertigem, do drama ou de heróis em luta pela liberdade. E é possível que encontremos, na primeira fila, os cínicos, os cépticos e os democratas de aquário. Esses incansáveis defensores de toda a liberdade que se projecta nas imediações do sofá em que se sentam. Todos temos momentos em que exercitamos os nossos neurónios-espelho. Alguns fazem-no apenas protegidos pelo escurinho de uma sala de cinema. É nesses momentos que revelam, na empatia que experimentam, a raiz mais profunda da sua humanidade.

De blogue em blogue

Pedro Correia, 28.02.11

1. O Insurgente faz seis anos. É um blogue imprescindível. Parabéns aos seus autores, incluindo o nosso Adolfo Mesquita Nunes.

 

2. Outro blogue imprescindível também de parabéns é o Blasfémias. Nasceu há sete anos, mantém-se activo 2557 dias depois. E no topo da audiência.

 

3. Como aqui já fez a nossa Ana Vidal, saúdo também o regresso do Paulo Cunha Porto à blogosfera. Bem acompanhado, no Jovens do Restelo.

 

4. Mau-Mau: um novo blogue do Filipe Nunes Vicente.

 

5. Ponte Vertical: blogue recém-estreado. A ler.

 

6. Elevador da Bica agora no Sapo. Bem-vindos, companheiros.

 

7. Agradeço, em nome de todos os delituosos, a atenção do João Severino. Mais uma, no Pau para toda a Obra.

 

8. Agradeço também estas palavras amigas do Luís Novaes Tito. Por mim, sempre chamei ditador a um ditador - não esperei que eles caíssem, como fez a Internacional Socialista. Basta reler isto ou isto.

O comentário da semana

Pedro Correia, 28.02.11
«A meritocracia é uma palavra que devia ser banida de qualquer dicionário de língua portuguesa. Mesmo dos novos dicionários, abrangidos pelo Novo Acordo Ortográfico. Sabe porquê? Não existe. Não é praticada. Por vezes é-nos ensinada quando somos pequeninos mas quando crescemos apercebemo-nos que a teoria não existe na prática.
A meritocracia é algo saudável. Por um lado. Por outro lado, gera inimigos. Dos mais reles que o homem tem de suportar. Aqueles inimigos que pregam armadilhas sem no entanto terem a decência de mostrar algo que os valha. Inimigos rasteiros, cínicos.
Esqueça tudo aquilo que eu escrevi nestes dois parágrafos. Pergunte melhor ao Armando Vara. Ele sabe a resposta.»
 
Do nosso leitor João Branco. A propósito deste meu texto.

Quando o Óscar chega tarde de mais

Pedro Correia, 27.02.11

 

Em cada temporada dos Óscares, lembro-me sempre de Howard Hawks. Foi um dos gigantes da arte de realizar filmes. E também um cineasta que nunca recebeu um Óscar em competição. Não por falta de obras-primas no seu currículo. Mas porque, por algum motivo obscuro, a Academia de Hollywood sempre o considerou um realizador “menor”. Algo muito estranho, já que raros cineastas produziram tantos filmes memoráveis como Hawks, que iniciou a sua actividade ainda no tempo do cinema mudo. Filmes como As Duas Feras (1938), Paraíso Infernal (1939), Sargento York (1941), À Beira do Abismo (1946), Rio Vermelho (1948), A Culpa foi do Macaco (1952), Rio Bravo (1959) e El Dorado (1967). Foi ele quem reuniu pela primeira vez Humphrey Bogart e Lauren Bacall, em Ter e Não Ter (1944). Foi ele quem juntou Marilyn Monroe e Jane Russell, em Os Homens Preferem as Louras (1953).

O reconhecimento foi tardio – e só surgiu por efeito de ricochete da crítica francesa, que idolatrava Hawks. Hollywood deu-lhe enfim um Óscar honorário em 1974 quando Hawks, de 78 anos, já deixara de filmar. A consagração surgiu demasiado tarde, tal como sucedeu, por exemplo, com Charles Chaplin e Groucho Marx (Óscares honorários de 1971 e 1973, quando tinham 82 e 83 anos, respectivamente).

O génio é muitas vezes reconhecido tarde de mais. Lá como cá.

Ler

Pedro Correia, 27.02.11

Um interregno desertificado, onde a caravana não passa. Do José Adelino Maltez, no Albergue Espanhol.

A unha comprida do dedo mindinho. De José Couto Nogueira, no Perplexo.

A popota mais gorda. Do Joaquim Carlos, no Palavrossavrus Rex.

Círculo TVicioso. Do Paulo Cunha Porto, no Jovens do Restelo.

Conversa de ruas. Da Maria Isabel Goulão, na Miss Pearls.

A inteligência no ritual da discussão civilizada. Do José António Abreu, n' O Escafandro.

Quem apoia ditaduras, colhe fundamentalistas. De Ana Gomes, na Causa Nossa.

A situação na Líbia. De J. M. Correia Pinto, na Politeia.

O mártir da cleptocracia. Do Rui Herbon, na Jugular.

Será possível? Da Helena Matos, no Blasfémias.

Revolução revolution. Do Rui Bebiano, n' A Terceira Noite.

A Moção de Sócrates: copy, paste, delete

Rui Rocha, 27.02.11

José Sócrates apresentou ontem as linhas gerais da sua Moção ao Congresso do PS. De acordo com a informação disponível, a fórmula que traduz esta proposta política é: José Sócrates = a proposta anterior - regionalização. Trata-se, portanto, de uma sequela. Em geral, as sequelas têm como objectivo explorar uma fórmula comercial de sucesso. Em regra, não conseguem alcançar esse objectivo. O problema com a Moção de Sócrates é mais grave. A sequela proposta pretende reproduzir um insucesso. Trata-se da sequela de uma mazela. A visão de Sócrates para o país não funcionou. Mas, perante esta evidência, o ainda Primeiro-Ministro não propõe nada de novo. Sendo este o texto, importa ainda apreciar o contexto. E esse é dado pela intervenção de Sócrates. Aqui, sublinha o apelo à continuidade e à estabilidade. Ora, a estabilidade e a continuidade são coisas que se desejam para fórmulas de sucesso. O que Sócrates quer oferecer ao país é a estabilidade de um programa que conduziu  à derrapagem das contas públicas, à perda do poder de compra por via de cortes de salários e aumento da inflação, à subida dos juros da dívida para níveis incomportáveis, ou à tendência de crescimento do desemprego? O mínimo que se podia exigir a Sócrates é que apresentasse ao PS e a Portugal um desejo de mudança. Que começasse nele próprio. Um acto de contrição, um balanço crítico e um projecto de renovação. Optar por propor mais do mesmo revela um estado de contentamento consigo próprio que não tem justificação na situação real. A continuidade e a estabilidade propostas por Sócrates não podem entender-se, neste contexto, como um projecto colectivo. Pelo contrário, são um programa unipessoal de permanência no poder contra toda a evidência. Constatada a  falta de comparência ao debate das alternativas que existem dentro do PS, a única forma de lhe pôr termo é a crise política que deverá ser aberta logo que os factos (as contas públicas e a intervenção externa directa ou encapotada) certificarem a inustentabilidade da situação. A teimosia é de Sócrates. Mas, a cabeça que bate na parede é a do país. Ao copy/paste proposto por Sócrates é preciso responder pressionando, convictamente e no momento próprio, a tecla delete.

Comissão de Serviço VII

Fernando Sousa, 27.02.11

A GARANTIA

 

Os ramos que o Sebastião soltava batiam-me, mas mal os sentia, a caminho do enxame de luzinhas nervosas da cidade. Ali aguentava-me a braços, as árvores dançavam com a noite à minha volta.

Regressava, o único branco da festa, do casamento de Filomeno, numa aldeia de colmo e adobe, onde durante horas comera e bebera à volta de um porco que um grupo de rapazes ia rodando numa fogueira. Acompanhara, copo a copo, todos os vivas ao casal.

Às vezes era o único: – VIVA! VIVA!

Trocava os passos, ria, parava, dava abraços, voltava a rir-me, tropeçava, caía, debaixo de uma lua tão cheia que deixava pouco espaço ao céu. No chão, meio a dormir, desci lentamente sobre o Mar da Tranquilidade.

– E SE A FRELIMO APARECE? – Endireitei-me.

Sentado, com o Sebastião a segurar-me, Ali pôs-se de cócoras, tomou-me a cara entre as duas mãos, olhou  para o companheiro, depois para mim, com uns olhos enormes, e disse-me:

- Meu furriel, a Frelimo não vai aparecer. Posso garantir-lhe. Venha, estamos perto.

 

(Notinhas de uma guerra engolida)

O Discurso do Rei

Teresa Ribeiro, 27.02.11

 

Eu gosto de ver trailers, embora tenha consciência de que às vezes me enganam. Foi o caso do trailer de "O Discurso do Rei". Vendeu-me emoção e afinal comprei tédio. Prometeu-me ritmo e lamentavelmente arrastou-se, não porque o filme seja demasiado longo, mas porque o seu argumento é demasiado curto. "O Discurso do Rei" limita-se à relação que se estabeleceu entre Jorge VI de Inglaterra e o seu terapeuta da fala. Fosse este rei um personagem de ficção e talvez me satisfizesse com o excelente desempenho de Colin Firth e Geoffrey Rush, mas Jorge VI, que diabo, existiu. E num período histórico extremamente conturbado. O mínimo que se poderia esperar desta obra era alguma contextualização histórica ou, na sua ausência, um biopic, mais focado na vida familiar do rei, que nos explicasse a sua gaguez.

Sei que é matéria delicada, tratando-se de um elemento da família real com parentes próximos vivos, mas resumir as razões que podem ter contribuído para aquela deficiência da fala - afinal o assunto principal do filme - a duas linhas de texto traduzidas numa breve troca de palavras entre Firth e Rush é demasiado redutor.

Firth merece o oscar, mas o oscar que provavelmente ele vai ganhar merecia melhor filme.  

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