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Delito de Opinião

Uma Comissão Nacional, um porta-voz e... dois discursos

Rui Rocha, 30.01.11

Decorreu hoje a Comissão Nacional do PS. Entre outros assuntos, foram analisadas as consequências das eleições presidenciais. O porta-voz Fernando Medina esclareceu os portugueses nos seguintes termos:

Fernando Medina 1 - o PS viu na vitória de Cavaco "a leitura de que há um forte sentimento de estabilidade política na sociedade portuguesa", que é também um desejo de estabilidade política ao nível do Governo".

Fernando Medina 2 -  A derrota de Alegre não pode ser entendida como uma derrota do PS, porque "são eleições unipessoais" e "qualquer leitura de extrapolação para eleições legislativas é abusiva".

Se bem vejo, as leituras são então unipessoais no que diz respeito à derrota e extrapoláveis em relação a tudo o que vá de encontro aos interesses do PS e do Governo. É assim, não é? Tudo isto dito, com total naturalidade, em menos de 20 segundos. Ficamos todos mais esclarecidos.

Blogue da Semana

Laura Ramos, 30.01.11

 

Esta semana a responsabilidade é minha. E escolho o Ângulo Morto.

 

Vou confessar-vos: tenho simpatia por blogues pouco assíduos.

Compreendo a tentação, seguida da armadilha do tempo que não estica e – precisamente – não contemporiza connosco.

Trata-se de um sítio fresco e luminoso que visito há muito (que não muitas vezes, et pour cause).

O autor, solista (e não sulista), trânsfuga amigável do Mar Salgado, é um veterano da blogosfera que, na substância, está mais do lado do gosto oficial do que propriamente do meu.

Mas isso é o que menos interessa.

 

Para que me percebam, deixo-vos esta peça deliciosa:

 

«Dá-se uma volta por aí, por todo o lado onde se publica opinião, e a conclusão é assustadora: somos agora 10 milhões de Vascos Pulidos Valentes. (...)
Ninguém sabe o que fazer, mas todos têm a certeza de que o que se faz e o que se pretende fazer é risível.

Cada português sofre de uma aflição profunda: à sua volta vê apenas burros, incompetentes e oportunistas.

Está inexoravelmente sozinho e, assim, não vale a pena.

Se ao menos mais alguém se desse conta disto.»

 

Indeed: some boys tend to act like queens.

 

Espero que gostem da visita guiada de hoje.

E tenham um bom domingo, com este sol glorioso...

Let's be weather's kings for a day!

 

Adenda: E não percam as músicas «no prato», como pude eu esquecer-me desse detalhe essencial...


A intervenção, pela Deolinda

Ana Margarida Craveiro, 30.01.11

 

Roubo descaradamente a letra ao Aventar (obrigada!):

 

Sou da geração sem remuneração
e não me incomoda esta condição.
Que parva que eu sou!


Porque isto está mal e vai continuar,
já é uma sorte eu poder estagiar.
Que parva que eu sou!
E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração ‘casinha dos pais’,
se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou!
Filhos, maridos, estou sempre a adiar
e ainda me falta o carro pagar,
Que parva que eu sou!
E fico a pensar
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração ‘vou queixar-me pra quê?’
Há alguém bem pior do que eu na TV.
Que parva que eu sou!
Sou da geração ‘eu já não posso mais!’
que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou!
E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Multilateralismo sem músculo

Paulo Gorjão, 30.01.11

Se alguém me perguntasse no princípio de Dezembro se acreditava que Laurent Gbagbo ainda estaria no poder na Costa do Marfim em Fevereiro, teria dito que era possível, não sei se era provável, mas que a sua situação seria precária. Em retrospectiva, não me teria enganado quanto à sua precariedade, embora a actual situação se possa arrastar por muito tempo, porventura durante meses e até anos. O que me surpreendeu no último mês e meio foram os resultados desta crise na CEDEAO e na União Africana (UA). Uma e outra inicialmente assumiram posições determinadas e muito veementes, não admitindo negociar e exigindo o afastamento imediato de Gbagbo, nem que para isso se tivesse de recorrer ao uso da força. Dois meses depois das eleições de 28 de Novembro, mais do que fazer prevalecer os resultados das eleições na Costa do Marfim, uma e outra procuram evitar que a crise não as contamine, abrindo fissuras difíceis de sarar. Quem diria, em retrospectiva, que a retórica e as posições públicas assumidas nos primeiros dias de Dezembro, dariam lugar no final de Janeiro a um exercício de controlo de danos muito para além da situação na Costa do Marfim. A realpolitik africana a isso obriga.

Perguntemos, então

João Campos, 30.01.11

Já que Vital Moreira dá o mote, continuemos. Pergunta o eurodeputado, e bem, para que serve a inutilidade do número de eleitor hoje em dia; e eu pergunto, se me permitem: para que serve o número de contribuinte, o número de utente e o número da segurança social hoje em dia, se um único número, o de identificação (o do BI) seria suficiente por ser, enfim, único? É que ao contrário do que pensam muitas cabeças socráticas e simplexes, fazer um cartão que agrega cinco (quatro?) números diferentes não reduz a burocracia - apenas acrescenta mais uma camada de burocracia, a tal da simplificação (palmas para a ironia). Verdadeira simplificação seria acabar com a carrada de números únicos que existem, e juntar tudo num só. Até ser dado esse passo - se algum dia for dado, e duvido que seja -, tudo o resto são tretas para português ver.

EdF, nova unidade de medida

Ana Vidal, 29.01.11

Não é a primeira nem a centésima vez - e não será certamente a última - que ouço quantificar a área de qualquer coisa em estádios de futebol. Acabo de saber, por um solícito repórter da SIC N, que o novo hospital de Braga terá o tamanho de treze estádios de futebol. Ainda não estou bem familiarizada com esta nova unidade de medida nacional, mas presumo que isto queira dizer "grande".

Receptividade positiva do Qatar, esse simpático país africano que pretende adquirir pequenos terrenos emblemáticos na famosa zona ribeirinha de Benfica

Rui Rocha, 29.01.11

 

Manuel Salgado, vereador do urbanismo de Lisboa, fez o mundo saber que o Qatar manifestou "receptividade positiva" à compra de terrenos em Lisboa proposta pela edilidade de que António Costa é Presidente. Menos mal. Imagine-se que a receptividade tinha sido negativa ou, por absurdo, neutra. De uma carga de trabalhos já ninguém nos livrava. A demonstrar, todavia, que uma desgraça nunca vem só, eis que o expedito jornalista que redigiu a notícia do Jornal de Negócios situou o receptivo e positivo Qatar nada mais, nada menos, que em África. E, como (bem se diz) não há duas sem três, Manuel Salgado revelou  ainda que "foi efectivamente afirmado pelos responsáveis da empresa estatal que contactámos, que tinham interesse em investimentos que fossem emblemáticos aqui na zona ribeirinha de Lisboa”. Digo eu que o negócio tem pernas para andar, uma vez que o objectivo do vereador  é vender pequenos terrenos nas zonas de Benfica e de Entrecampos. Essas mesmas pernas que a freguesia de Benfica vai ter que usar para se deslocar para junto do Tejo. Santa Maria de Belém, Alcântara e Prazeres que se ponham à tabela. Depois de tudo isto, temo que os países da Europa que a notícia afirma estarem a ser contactados pela autarquia com idêntico objectivo possam  situar-se algures entre o México e o Chile. O leitor, ainda com a boca aberta de incontido espanto, pode apreciar tudo isto e muito mais rigorosamente aqui.

O Carnaval é todos os dias

Paulo Gorjão, 29.01.11

Hoje ficámos a saber que Augusto Santos Silva "teve a honra e o orgulho de trabalhar" com Aníbal Cavaco Silva. Mais. Ficámos igualmente a saber que "o Governo sempre teve as melhores relações" com o Presidente da República. Perante tal descrição idílica -- o leitor por esta altura já deve estar a escutar o chilrear dos passarinhos e lá ao fundo o som de uma cascata --, confesso que não percebo as preocupações expressas recentemente pelo mesmo Augusto Santos Silva, apontando claramente para um Presidente com quem seguramente não seria um orgulho trabalhar e com quem não se teria as melhores relações. Até a hipocrisia deve ser exercida com limites. Se outra razão não existisse, por motivos de eficácia.

O Egipto como encruzilhada da diplomacia ocidental

Rui Rocha, 29.01.11

O Europa e os Estados Unidos gostam de afirmar-se campeões da democracia. Trata-se, todavia, de uma proclamação com validade limitada no espaço. A mesma voz que enaltece os valores da liberdade ocidental tem apoiado velhos regimes autocráticos instalados na margem sul do Mediterrâneo. A submissão das massas populares dos países em causa facilitou, ao longo dos anos, a permanência dessa contradição, permitindo um silêncio complacente nas intervenções públicas sobre o assunto. Com a relação entre Israel e a Palestina a dominar a agenda americana e a Europa sempre incapaz de se articular em torno de uma diplomacia coerente, a democratização dos regimes do sul da bacia mediterrânica podia e devia esperar. Pelo meio, admite-se, alguma pressão diplomática inconsequente, em surdina, no aconchego dos gabinetes. A faísca tunisina veio, no entanto, alterar o estado de adormecimento dos povos vizinhos de tal forma que a questão já não será qual o próximo regime a abanar (ou a cair), mas qual dos regimes autocráticos ou militarizados da região será capaz de sobreviver. Perante a crise egípcia, que parece caminhar resolutamente para o precipício de um banho de sangue, a Europa vai sussurrando a várias vozes uma cantilena imperceptível. A administração americana, por seu lado, opta ainda por uma posição ambígua de apelo à implementação de reformas como contrapartida para estancar a violência. Obama devia saber que a vertigem revolucionária no Egipto não tem ouvidos para ecos longínquos e que as únicas vozes que têm uma remota possibilidade de ser ouvidas são as transmitidas pela Al-Jazeera. E que mesmo em relação a estas é duvidoso que se consigam sobrepor aos gritos que circulam nas redes sociais das mil e uma noites dos jovens egípcios. São estes que já não se contentam com medidas pontuais como subsídios ao preço dos cereais ou com a substituição de um governo para que tudo fique na mesma. O jogo que se iniciou nas ruas de Tunis e que agora se disputa nas do Cairo é um mata-mata. Ou morre o regime (agora ou mais logo) ou morrem milhares nas esquinas da revolução. Por uma vez, a diplomacia ocidental, acostumada aos interesses dúbios, à ambiguidade e à duplicidade, vai ter que tomar partido. Ou está do lado do esmagamento da rebelião pelos actuais detentores do poder no Egipto e nos estados que se seguirem no dominó da revolução, ou está do lado oposto. As meias tintas não são, neste caso, terra de ninguém. Pelo contrário, são o exacto local onde está o pasto que pode alimentar o incêndio do fundamentalismo islâmico. E as colunas de fumo que se levantam dos subúrbios do Cairo são o sinal evidente de que o tempo para decidir é, nem mais nem menos, o que resta até ao jovem militar Samir premir o gatilho da arma que tem apontada a Khalil, o não menos jovem universitário que, empurrado pelo twitter, acabou de chegar a uma avenida do centro do Cairo para lutar pela liberdade.

Passos Coelho no Conselho de Estado?

Paulo Gorjão, 29.01.11

António Capucho afirma que faria sentido Pedro Passos Coelho ter lugar no Conselho de Estado (DN, 29.1.2011: 15). Talvez faça sentido, mas não me parece imprescindível. Em todo o caso, convém lembrar -- caso seja necessário -- que o lugar não é de Capucho e que ele não o pode 'entregar' ou oferecer a quem ele quiser. Nem me parece que as suas declarações públicas, que parecem querer condicionar as escolhas do Parlamento e/ou do Presidente da República, sejam um contributo eficaz. Acresce que, estando Aníbal Cavaco Silva a poucas semanas de iniciar um novo mandato presidencial, os cinco escolhidos pelo Parlamento e pelo Presidente da República no mandato que agora está a terminar não transitam automaticamente para o mandato seguinte. Na prática, se Passos Coelho quiser estará no Conselho de Estado muito em breve. Com ou sem o lugar 'entregue' por Capucho.

Fast feelings

Teresa Ribeiro, 29.01.11

- Já soubeste?

- Claro, já toda a gente sabe.

- Que horror!

- Estou em choque.

- Quantos anos é que ele tinha?

- Acho que ainda não tinha feito 40.

- Diz que foi morte imediata.

- Antes assim, coitado.

- Desde que soube, ontem à noite, que ele não me sai da cabeça.

- Também. Nem dormi como deve ser.

- Afinal, pelas minhas contas, convivemos diariamente durante mais de dez anos.

- Tinha família?

- Acho que sim, um ou dois filhos.

- Por acaso tinha ideia de que vivia sozinho.

- Pois, acho que sim. Acho que estava separado.

- Coitado.

- Não consigo olhar para aquela secretária vazia.

- Nem eu.

Como sobreviver longe da política

Pedro Correia, 29.01.11

 

Há poucos dias, Jimmy Carter festejou uma efeméride muito pessoal: tornou-se o segundo ex-presidente dos Estados Unidos com maior longevidade desde que cessou funções na Casa Branca. Foi a 20 de Janeiro de 1981 que o democrata Carter passou o testemunho ao republicano Ronald Reagan, tornando-se naquilo que vários analistas, não sem ironia, o vêm classificando nos anos mais recentes: o melhor ex-presidente norte-americano de sempre – um título de algum modo confirmado pela atribuição, em 2002, do Prémio Nobel da Paz devido às suas acções de cariz humanitário em alguns dos mais atribulados cenários do globo.

Carter, hoje com 86 anos, só se vê ultrapassado em longevidade pós-presidencial pelo republicano Herbert Hoover, que ocupou a Casa Branca entre 1929 e 1933, tendo sido copiosamente derrotado neste último ano por Franklin Roosevelt. Foi, diga-se a verdade, um dos presidentes mais azarados da história dos EUA: estava há sete meses em funções quando a Bolsa de Nova Iorque entrou em colapso, dando início à Grande Depressão. Incurável optimista, prometeu sucessivas vezes aos americanos que os tiraria da crise – e viu sempre estas promessas frustradas. Mas, tal como Carter (que apenas permaneceu um mandato na Casa Branca e foi derrotado por Reagan na eleição de 1980), Hoover foi um dos melhores ex-presidentes americanos. Desempenhou diversas missões internacionais, colaborou com o presidente Harry Truman apesar de se tratar de um notório adversário político e manteve grande protagonismo nas convenções do Partido Republicano – a última das quais em 1960. Já antes de ascender à presidência, no início da década de 20, se distinguira ao liderar uma campanha humanitária nos EUA para envio de víveres destinados à Rússia soviética. Morreu em 1964, aos 90 anos – 31 anos após abandonar a presidência.

O terceiro chefe do Executivo norte-americano que viveu mais tempo depois de deixar a Casa Branca foi outro republicano, Gerald Ford (presidente entre 1974 e 1977). Morreu em Dezembro de 2006, aos 93 anos – a escassas semanas de completar três décadas como ex-presidente. Também ele, curiosamente, deixou a Casa Branca na sequência de uma derrota eleitoral (contra Carter, em 1976). Ter azar na vida política prolonga a vida biológica? Se não é, parece.

 

Imagem: Carter e Reagan no debate da campanha de 1980, ganho pelo republicano