O que faz falta é mobilizar a malta
Em tempo de crise e logo após uma greve geral, a “Sociedade Civil” anda na boca de toda a gente. Chegou o momento, dizem, da grande mobilização, do grande empenho cívico. Contra o imobilismo e apatia geral, marchar, marchar.
O tema da “Sociedade Civil” tem tanto de fascinante, como de estranho.
Desde logo, parece encobrir uma escandalosa demissão.
Entende-se por Sociedade Civil, em geral, a esfera social que não é do Estado. Mas se a Sociedade Civil abdica do Estado, quem é que cuida do que é Público? Estará a Sociedade Civil condenada a assumir a posição de objecto, e não sujeito, das decisões políticas?
Surpreendo-me sempre com o atestado de menoridade com que tantos se parecem conformar.
O ponto nevrálgico e o canal de circulação entre a sociedade e as suas instituições tem no nosso sistema democrático uma casa: os partidos políticos.
Os partidos são associações. Ponto. Estão sujeitas ao direito civil, com ligeiras especificidades constitucionais, todas elas dirigidas ao reforço da sua autonomia e democraticidade.
Por seu lado, têm o monopólio de apresentação de candidatos à Assembleia da República, donde emana também em larga medida no nosso sistema a função de Governo.
Não obstante, em Portugal, como no resto na Europa, assiste-se a uma preocupante demissão da Sociedade Civil em “tomar partido”. As consequências são evidentes aos olhos de todos: desidentificação crescente entre eleitores e eleitos, desmobilização e indiferença diante do sistema político, descredibilização das instituições, que, por sua vez, se tornam incapazes de tomar o pulso à sociedade e mobilizá-la para os desafios com que nos enfrentamos (mais a mais em tempos de crise e de urgência como o que actualmente existe).
A principal responsabilidade por tal preocupante realidade não pode deixar de ser assacada, em primeiro lugar, à Sociedade Civil. É por demissão desta que tal é possível.
E colocada assim a questão, a Sociedade Civil tem que, antes do mais, definir qual é o patamar de emancipação a que aspira.
Não vale a pena multiplicar-se em desculpas. Enquanto virmos nos partidos a “casa dos políticos” estaremos fatalmente não só a renunciar à responsabilidade maior a que somos chamados em termos cívicos, como a encorajar a doença de dupla personalidade que opõe o Estado à Sociedade Civil, os eleitos aos eleitores, os governantes aos cidadãos.
Em tempos de grande mobilização importa lembrar que não basta clamar por empenho cívico. É preciso perceber onde é que esse empenho mais falta faz.
Filipe Anacoreta Correia