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Delito de Opinião

O cerco ao Presidente

Adolfo Mesquita Nunes, 28.09.10

José Sócrates soube esperar pela data limite para a dissolução da Assembleia da República para radicalizar o discurso, se necessário no estrangeiro e perante credores, e colocar o ónus da aprovação do Orçamento na oposição.

 

 Esta estratégia é boa para o PS e funciona. Pena que não seja boa para o país e que apenas funcione porque o Presidente da República se chama Cavaco Silva.

 

Por mais do que uma vez atraiçoado pelo Primeiro-Ministro, não estava já na hora de o Presidente da República se ter apercebido que, com Sócrates, não há regular funcionamento das instituições democráticas, precisamente porque este funcionamento se não confunde com a garra ou a motivação ou lá o que é do nosso Primeiro, que lhe serve de justificação para a funcionalização do Estado a seu bel-prazer?

 

Ao contrário do que por aí se escreve, não foi Passos Coelho o maior encurralado com a estratégia de Sócrates. Foi o Presidente da República. E se Passos foi encurralado porque não tem grandes opções, já o Presidente foi encurralado porque quis. Ou por sistemática nabice, que é pior. 

Convidada: MARIA JOÃO MARQUES

Pedro Correia, 28.09.10

  

O poder curativo do perdão

 

Na Melhor Revista do Mundo, também conhecida por Standpoint, li no início do Verão um texto sobre o poder curativo do perdão para os afectados por crimes violentos: as vítimas e os criminosos. A melhor forma de lidarmos, e de não azedarmos, com os pecadilhos que vamos sofrendo e perpetrando, de aprendermos com a vida (ou com o somatório dos pecadilhos nas duas direcções), é perdoarmos e aceitarmos o perdão dos outros – o que não significa que sejamos sempre inteligentes ou magnânimos e coloquemos em prática o que sabemos mais eficaz para aliviar a consciência e até o humor (eu, pelo menos, ainda imperfeita na arte do perdão me confesso). Não espanta, assim, que ultrapassar a vivência de um crime violento passe por alguma forma, preferencialmente crescente, de perdão.

 

Tenho-me recordado desta necessidade de perdão quando oiço ou leio nestas últimas semanas alguns argumentos favoráveis à construção da Cordoba House, a mesquita que se planeia construir a dois quarteirões do Ground Zero. Sobretudo os argumentos que qualificam a mesquita naquele local como um poderoso símbolo de reconciliação entre Nova Iorque e o Islão, ou do reconhecimento de que não foi o Islão que implodiu as torres mas sim uns extremistas que, só por acaso, eram muçulmanos. Se o último argumento é facilmente desmontável – como escreve William McGurn no WSJ, ninguém passeia pelas ruas de Manhattan receando que um metodista lhe expluda o escritório – já o primeiro argumento me é muito apelativo. Em especial porque eu não fui uma sobrevivente que conseguiu escapar das Twin Towers antes de desabarem, não era familiar ou amiga de alguma das vítimas que pereceram, não fui colega dos bombeiros que entraram nos edifícios para ajudar à evacuação e terminaram debaixo dos escombros, nem estava em NI naquele dia e, logo, não senti o medo de quem está sob ataque. O perdão e a reconciliação são, para mim e neste caso, muito fáceis. Exigi-los a quem tem o 11 de Setembro marcado na pele já me parece um abuso.

 

 

Só passei pelo Ground Zero uma vez, em 2004, e deparei-me com um ambiente inesperado. Junto à rede que vedava o local via-se a menina com um ramo de flores para depositar na rede, acompanhada da senhora com idade para ser sua avó; viam-se pessoas sentadas nos bancos perto, ou no chão do passeio, olhando com ar vazio para onde estiveram as torres; via-se quem agarrasse a rede e deixasse correr silenciosamente as lágrimas pela cara; via-se, paralelamente ao frenesim da cidade, toda a panóplia de personagens que se espera encontrar num cemitério.

 

A pretensão de construir um centro da religião em nome da qual foram realizados os ataques de 11 de Setembro junto a um local que é ainda, e será por mais uns bons anos, uma ferida por cicatrizar - relembro que apenas nas celebrações dos sessenta anos do Dia D  foi convidado o chanceler alemão para se juntar aos representantes políticos dos aliados na Normandia, tendo Helmut Kohl mostrado vontade de estar presente, sem resultado, aquando dos cinquenta anos – é uma provocação deliberada, por um imã que parece saído de um manual do cinismo (ao mesmo tempo que afirma querer construir pontes ameaça com a fúria islâmica se não lhe permitirem construir a mesquita) e a quem o epíteto de moderado só se pode aplicar num intenso exercício de ingenuidade.

 

Regressando aos inícios do texto, desejo que familiares e amigos das vítimas consigam perdoar a quem sintam como responsável pela perda que sofreram. Desejo que lhes seja dado o tempo necessário para a reconciliação sem que lhes acicatem o sofrimento. E desejo também que os muçulmanos americanos, num real gesto de boa-vontade, pressionem o imã Rauf a construir a sua mesquita noutro local menos simbólico.

 

Maria João Marques

Programa de governo

Ana Margarida Craveiro, 28.09.10

 

A culpa é da crise, a culpa é do PSD, não aumentamos impostos, o investimento público é necessário, afinal não aumentamos impostos excepto x, y e z, afinal não há TGV agora, daqui a seis meses há TGV, o mundo mudou outra vez. E a culpa é do Medina Carreira e do João Duque.

Tiques

João Carvalho, 28.09.10

«Fala-se cada vez mais na possibilidade da Irlanda ter de recorrer ao fundo europeu de estabilização. Se tal acontecer, vai ser fascinante ver como é que a Comissão Europeia, o Ecofin, o BCE, os Duques, os Medinas, os Cantigas... vão arranjar maneira de explicar a queda do Tigre Celta mantendo as suas teorias económicas tradicionais. O malabarismo promete.» Com esta nota estapafúrdia, vê-se que João Galamba estava com vontade de escrever qualquer coisa — só não sabia o quê. Dou-lhe uma dica para um próximo ensaio sobre ilusionismo: por onde anda toda aquela gente de quem tanto gosta e que jurava há poucos meses que a situação de Portugal era muito diferente da situação da Grécia?

Se há algo que me enfastia é esse tique nacional de tentar a todo o custo encontrar quem consiga estar quase tão mal quanto nós. Pior que isso, só esse tique popular de seguir alegremente os que tentam a todo o custo encontrar quem consiga estar quase tão mal quanto nós.

Leituras

Pedro Correia, 27.09.10

 

"Se tomarmos o ponto de vista da humanidade e da liberdade, a História não conhece um déspota tão brutal e tão cínico como foi Estaline. Como criminoso foi metódico, total. Era um daqueles raros e terríveis dogmáticos capazes de destruir nove décimos de raça humana para 'tornar feliz' o outro décimo."

Milovan Djilas, Conversações com Estaline

(editora Ulisseia, colecção Documentos do Tempo Presente)

Assinar de cruz, pois

Ana Margarida Craveiro, 27.09.10

Um ano depois: o que o PS não deve fazer e o que o PSD não pode fazer

Pedro Correia, 27.09.10

 

 

Pedro Passos Coelho não pode pedir desculpa aos portugueses pela segunda vez em menos de seis meses. O líder do PSD foi suficientemente claro - read his lips - quando enunciou ao País, por vontade própria, quais seriam as matérias que o fariam votar contra o Orçamento de Estado para 2011: aumento da despesa pública e aumento dos impostos.

Fez isso em nome da necessidade de clarificar as regras do jogo político. E fez bem. Perante a sua própria lógica, seria inaceitável que repetisse o sucedido com o PEC2, dando o dito por não dito. Incomode quem incomodar, diga o Presidente da República o que disser. A política não pode ser um jogo de póquer, onde o bluff impera. Faltar à palavra dada é um dos piores defeitos dos nossos políticos. Sócrates já o fez vezes sem conta. Passos quererá imitar-lhe o estilo? Creio que não. Até porque o original é sempre favoravelmente comparado à fotocópia.

Note-se, aliás, que o PSD não tem nenhuma obrigação "institucional" de viabilizar o orçamento. Compreendo que esse cenário daria algumas dores de cabeça ao putativo recandidato Cavaco Silva, mas um Presidente da República é eleito para resolver problemas, não para se afastar deles. Por toda a Europa, a norma é o principal partido da oposição votar contra o orçamento apresentado pelo Governo. Veja-se o que sucede em Espanha, onde há também um Governo socialista minoritário: o Partido Popular prepara-se para chumbar o orçamento de Zapatero, que já se viu forçado a negociar com outra força da oposição - no caso, o Partido Nacionalista Basco - para garantir a aprovação do mais importante instrumento da acção governativa. Teve de dialogar, teve de fazer cedências - por sinal num quadro político, como é o espanhol, muito mais complexo do que o português.

Por cá, Sócrates não dialoga, não negoceia, não cede. Mantém a aura de "animal feroz", lançando as culpas sobre o PSD, como se este partido - que já lhe garantiu a aprovação do PEC1 e do PEC2 - estivesse em coligação com os socialistas, sob o alto patrocínio do Presidente da República.

Volto ao princípio: o PSD não pode votar um orçamento que aumenta impostos. Porque essa foi uma garantia proclamada aos portugueses por Passos Coelho. Há quatro outras forças partidárias no Parlamento. Cabe a Sócrates negociar com elas, tal como Zapatero fez em Espanha, em vez de lançar ultimatos em tom de amuo. Vire-se para o CDS, à direita. Vire-se para o BE, PCP e Verdes, à esquerda. Aprenda a dialogar: tarda a perceber que está há um ano em minoria. Um ano exacto, por sinal.

Convidado: DIOGO BELFORD HENRIQUES

Pedro Correia, 27.09.10

 

Antonio Ramón Diaz Sánchez,

prisioneiro e exilado por delito de opinião

 

“Delito de Opinião” é o nome deste blogue. Aproveito assim o nome, e o convite, para contar uma história.

Recentemente, por razões partidárias, jantei em Bruxelas com um grupo de exilados cubanos. É pequeno o meu engenho e serão poucas as palavras para descrever, aqui, o que conheci.

Conheci um homem, pequeno, nervoso, doente. Tímido, o fato que lhe caía mal-amanhado – claramente acima do seu tamanho – dava impressão de uma triste figura. Só quando começou a contar a sua história é que os seus pequenos olhos cresceram e mostraram o coração.

Chama-se Antonio Díaz e era um estudante de Direito. Foi um dos impulsionadores do Projecto Varela. Esta iniciativa, liderada por Oswaldo Payá, foi a mais revolucionária acção que percorreu Cuba na última década: baseada num artigo da Constituição Cubana – que permite propostas legislativas se forem assinadas legalmente por 10.000 pessoas -, e contra todas as expectativas, conseguiu que 11.200 corajosas e corajosos cubanos colocassem o seu nome num papel que pedia liberdade.

Tudo isto resultou, como se sabe, na chamada Primavera Negra. Muitos destes activistas foram presos e, em vinte dias, sentenciados.

Tony Díaz, como é conhecido, foi condenado a vinte anos de prisão. Desde 2003 foi enclausurado. Tendo recusado usar o uniforme de presidiário, foi transferido para uma prisão a 500 km da sua família e colocado numa ala onde estavam prisioneiros tuberculosos. Contraído o bacilo, entre outras doenças, continuou de prisão em prisão até este ano.

Fez parte dos reclusos libertados por Cuba e exilados em Espanha, sob mediação da Igreja Católica. 

Podia ter ficado quieto, calado, agradecido pela sua “sorte”. Nada disso.

Em vez de agradecer, foi a Bruxelas denunciar a acção diplomática espanhola. Não pela sua libertação, que sendo justa não apaga a ilegalidade da prisão, mas pelo MNE de Madrid estar a tentar mudar a posição da União Europeia sobre Cuba.

Espanha quer que a UE deixe de ter uma posição comum, frente à ditadura cubana. Que seja substituída por posições e acordos bilaterais. Isto, diz Espanha, ajudaria as reformas na ilha.

“Pues que no!” - dizem os exilados, os presos, os que conhecem a realidade cubana. A posição comum de censura é a única que tem forçado as mudanças do regime dos irmãos Castro.

Resta saber se a UE, e já agora Portugal, terão a coragem de seguir o conselho destes homens, presos por delito de opinião: que não é por mais “licenças de trabalho” - outorgadas pelo estado – que se atinge a reforma; que não é por libertar presos.

Pelo contrário, é por prender menos pessoas; é por exigir a primeira de todas as reformas, a Liberdade.

Se a Europa não tem uma posição comum nisto, para que servem as posições comuns?

 

Diogo Belford Henriques

Aleluia!

Ana Vidal, 27.09.10

Acabo de saber que temos há dez anos o melhor mágico do mundo. Será que andamos todos distraídos? Esta é a melhor notícia dos últimos tempos!

Proponho que se acabe com este desperdício de talento e que sejam entregues a este homem, de imediato, os destinos do país. De que estamos à espera? Isto já só lá vai com magia.

Investigar e informar

João Carvalho, 27.09.10

 

O grupo empresarial público Águas de Portugal tem uma frota de cerca de 1200 veículos, incluindo quase 400 automóveis de gama alta, 34 dos quais foram trocados este ano por carros também de alta cilindrada e cuja utilização (pelos quilómetros percorridos e consumos de gasolina apresentados) levanta dúvidas.

Ao mesmo tempo, a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos propõe aumentos de tarifa entre os 19 e os 42 por cento, coisa que as câmaras municipais recusam aceitar, como está bom de ver.

De momento, o Governo decidiu suspender a plano de renovação da frota de automóveis da Águas de Portugal e deu a esta um prazo para que dê conta dos respectivos impactos financeiros, critérios de atribuição de viaturas e regulamentação sobre o assunto.

A Águas de Portugal vai ter umas semanas para estudar e apresentar a resposta ao Governo, mas não perdeu tempo a adiantar-se com uma nota dirigida à comunicação social para dizer patati-patatá.

Independentemente da continuação e desfecho deste folhetim, duas conclusões podem já tirar-se e nenhuma delas é novidade:

— mal estará o país em que a comunicação social não puder investigar por sua conta e substituir-se às autoridades que não tomarem a iniciativa;

— a comunicação social não pode andar de lupa a cobrir todo o território nacional e é bom reflectirmos e termos isso presente.

Em suma: a justiça há-de ser sempre necessária e precisa de funcionar para podermos acreditar que não será tudo eternamente mau, mas é essencial que a seriedade, a correcção, a verticalidade, a moral, a palavra, a responsabilidade e todos esses valores em torno da coisa pública regressem ao ponto de partida. A ética, enfim, não pode continuar a ser excepção, ou não há sociedade que resista muito mais.

O comentário da semana

Pedro Correia, 27.09.10

 

 

«Proponho uma troca: Paulo Bento como primeiro-ministro para trazer "tranquilidade" aos mercados; José Sócrates a seleccionador para nos tornar "campeões do crescimento" técnico-táctico. E que venha o primeiro que me convença que ficávamos pior do que estamos na governação ou na bola!»

 

Do nosso leitor Rui Rocha. A propósito deste texto do João Carvalho.