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Delito de Opinião

Read his lips

Pedro Correia, 29.09.10

21 de Março de 2005: "[O aumento de impostos] vai ser evitável, porque estamos cá para garantir que vamos conter a despesa e combater a fraude e a evasão fiscal." (José Sócrates no debate do programa do Governo)

 

14 de Abril de 2005: "Nós não vamos aumentar os impostos, porque essa é a receita errada. Não vamos cometer os erros do passado." (Em entrevista a Judite Sousa, na RTP)

 

26 de Março de 2008: José Sócrates anuncia descida do IVA de 21 para 20 por cento com efeitos a partir de 1 de Julho.

 

24 de Novembro de 2009: O primeiro-ministro assegurou que não vai aumentar os impostos. (...) O chefe do Governo adiantou que está a trabalhar e a preparar o próximo Orçamento para que se possa criar condições para a recuperação da economia e emprego e que se for possível baixar impostos isso será feito também com este objectivo. Sócrates adiantou ainda que o compromisso de não aumentar os impostos vale para até ao final da legislatura.

 

2 de Fevereiro de 2010: "Vamos fazer uma consolidação orçamental baseada na redução da despesa e não através de aumento de impostos, porque isso seria negativo para a economia portuguesa."

 

8 de Março de 2010: "O Governo vai concentrar-se na redução da despesa do Estado, tarefa que é provavelmente a mais difícil e exigente. Mais fácil seria aumentar impostos, mas isso prejudicaria a nossa economia."

 

9 de Março de 2010: O primeiro-ministro recusou hoje que o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) implique aumento de impostos.

 

30 de Abril de 2010: José Sócrates garantiu hoje que o Governo não vai aumentar o IVA, justificando que essa medida que não está prevista no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), documento que se comprometeu a cumprir fielmente.   

 

6 de Junho de 2010: José Sócrates disse que o último aumento de impostos “é suficiente” para cumprir o objectivo orçamental.

Alguém falou em credibilidade?

Pedro Correia, 29.09.10

O (des)governo de José Sócrates acaba de anunciar o aumento do IVA de 21% para 23%. Há dois anos, com eleições quase à porta e a crise já a bater forte na Europa, o (des)governo de José Sócrates baixou o IVA de 21% para 20%. Em Maio deste ano, já sem eleições no horizonte, o (des)governo de José Sócrates voltou a aumentar o IVA de 20% para 21%.

Em 2009, ano eleitoral - eleições europeias, legislativas e autárquicas -, o (des)governo de José Sócrates aumentou em 2,9% os salários da função pública. A crise era indisfarçável, mas a demagogia eleitoral falou mais alto. Agora, o (des)governo de José Sócrates anuncia cortes até 10% dos salários da função pública.

Alguém falou em credibilidade aí ao fundo da sala?

Os filmes da minha vida (17)

Pedro Correia, 29.09.10

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Comecei a ver cinema muito cedo. Era ainda um garoto, leitor assíduo de revistas de banda desenhada, quando me deixei seduzir pelo ecrã mágico de onde irrompiam heróis de todo o género, emanados do mundo dos adultos.

Fixei para sempre um sorriso de Fernandel, um silêncio de John Wayne, um trinado de Marisol, uma expressão dura de Bogart, um esgar trocista de Belmondo, Errol Flynn conquistando as matinés e o coração de Olivia de Havilland em As Aventuras de Robin dos Bosques. E as pernas de Silvana Mangano, os olhos de Michèlle Morgan, o rosto magoado de Ingrid Bergman à beira de um vulcão a preto-e-branco em Stromboli.

 

Puto de calções, largava as brincadeiras da bola ou do berlinde para me pôr defronte da pantalha, quando a RTP oferecia bom cinema aos espectadores, e lá ficava, de olhos arregalados, mergulhado no fascínio da Sétima Arte oferecida ao domicílio da geração privilegiada de que fiz parte.

São imagens que me ficarão gravadas para sempre: o inquietante sobrolho de Gregory Peck no Caso Paradine, o trenó em chamas de Citizen Kane, Gene Kelly dançando à chuva, um grão de areia no olho de Celia Johnson, a radiosa Audrey Hepburn andando de lambretta nos dédalos de Roma.

 

Filmes de Verão, com Johnnny Weissmuller, Totò e Fred Astaire.

Filmes de Inverno, com Giulietta Masina, Henry Fonda, Alec Guinness e Marlene Dietrich.

Títulos perdidos na memória dos tempos mas recordados à simples evocação de uma cena imortal: Shirley Temple fazendo sapateado, Vasco Santana falando a uma girafa, Grace Kelly beijada por Cary Grant, Alice Faye cantando "With a Song in My Heart", Alida Valli caminhando ao som da cítara vienense de Anton Karas.

Tardes de cinema, noites de cinema. O mundo que se movia à velocidade de 24 imagens por segundo.

Uma história por contar

João Carvalho, 29.09.10

Convidado: BERNARDO PIRES DE LIMA

Pedro Correia, 29.09.10

 

O debate que nunca existiu

 

A candidatura de Portugal a membro não-permanente do Conselho de Segurança pode ser vista de duas perspectivas. Se atendermos à valorização das Nações Unidas por parte do PS (recordemos todo o debate nacional aquando da guerra do Iraque), este deveria ser um objectivo central da política externa do actual governo. A concorrência feroz aos dois lugares em disputa (Canadá e Alemanha, sendo este último praticamente certo) mereceria, assim, do orçamento para 2010 mais do que os 1,5 milhões de euros destinados à candidatura. Além disso, em Portugal, ninguém deu por qualquer envolvimento da sociedade neste objectivo estratégico, não existiu debate algum sobre o tema e, tampouco, o governo tem dado cavaco às oposições sobre o que tem feito. Verdade seja dita que as oposições também não têm feito o que lhes compete. Por outras palavras, e de acordo com esta perspectiva, a magnitude do desafio mereceria muito mais por parte deste governo, da presidência da república, das oposições, dos media e dos institutos de investigação. Se, como parece que acontecerá, ficarmos a meros 15 votos de garantir o lugar, deve haver uma prestação de contas sobre o falhanço. E, diga-se desde já, com o governo à cabeça, ninguém está verdadeiramente imune à crítica.

De um outro ponto de vista, podemos sustentar que 1,5 milhões de euros orçamentados são realistas face à situação do país e às expectativas da nossa diplomacia face à capacidade dos nossos dois directos concorrentes. Daí as baixas expectativas em paralelo com a ausência de debate público, o que faz com que um falhanço da nossa diplomacia não implique grandes críticas ao governo. Contudo, esta lógica reflecte duas enfermidades crónicas presentes no nosso debate político: a nulidade de discussão pública sobre as grandes questões estratégicas da nossa política externa; a completa falta de vontade política dos decisores portugueses em formular como desígnios políticos transversais algumas matérias importantes à valorização do prestígio do país no plano internacional. Luís Amado definiu há pouco tempo o debate político nacional sobre política externa de uma confrangedora pobreza. Pese embora a consideração que me merece, também ele contribuiu para ela.

 

Bernardo Pires de Lima

Como envergonhar o país no estrangeiro

João Campos, 29.09.10

Não sei se os leitores estarão lembrados de um episódio caricato do primeiro mandato do governo PS: aquele discurso, não me lembro onde ou a que propósito, em que o inglês macarrónico (autêntico engrish) de José Sócrates fez Angela Merkel e Gordon Brown rirem a bom rir. O vídeo está na Internet e chegou a circular em alguns círculos mais "obscuros" da rede com o título de "English Fail". Esse episódio devia ter feito Sócrates pensar duas vezes: afinal, nestas coisas há sempre tradução simultânea, também é necessário dar emprego a tradutores e, enfim, sempre se evita fazer má figura. Mas se há actividade à qual o nosso primeiro-ministro não dedica muito tempo é a pensar; tampouco é conhecido pela sua noção do ridículo, pois, algum tempo volvido, decidiu repetir a graça, mas em castelhano, em terras de Espanha. E como não há duas sem três, parece que a recente visita de Sócrates aos Estados Unidos tem sido rica em episódios. Confesso que suspirei de alívio por, nas Nações Unidas, Sócrates ter discursado em Português - pensei para com os meus botões: o homem pode nunca deixar de ser um primeiro-ministro sofrível, passe o eufemismo, mas ao menos já aprendeu alguma coisa. Erro meu: na Universidade de Columbia, em conferência, o senhor primeiro-ministro de Portugal decide quebrar o gelo recorrendo... a uma piada. A uma que nem foi original, por ser já muito batida: quem viu o excelente Le Cinquième Elément, filme europeu de ficção científica (juro que esta foi coincidência) com Bruce Willis, Milla Jovovich, Ian Holm e outros, certamente recordar-se-á de uma passagem em que Leeloo (Jovovich), em estado mais ou menos catatónico, começa a falar no idioma dos deuses; e Korben Dallas (Willis), confuso, diz-lhe apenas "woah, lady, I only speak two languages: English and Bad English". Foi mais ou menos esta a linha de Sócrates, dizendo, perante uma plateia já de si atónita com o engrish de um primeiro-ministro (um primeiro-ministro, meu Deus!), qualquer coisa do género: que iria discursar na língua mais falada internacionalmente, não o inglês, mas o mau inglês. Se alguém quiser exibir o vídeo, por favor; no computador que estou a usar isso não me é possível. Adiante. Isto de contar piadas numa conferência para quebrar o gelo tem muito que se lhe diga; já vi alguns oradores (sobretudo americanos, mas recordo-me também de um extraordinário orador alemão que conheci) fazerem-no com mestria e tornarem conferências sobre temas complexos em sessões muito divertidas e enriquecedoras. Mas é preciso jeito para falar em público, sentido de humor e, sobretudo, muita prática; ora o nosso primeiro-ministro não possui possui qualquer vestígio de talento para falar em público; desconheço-lhe sentido de humor, pelo menos, sofisticado; e assim sendo não há prática que lhe valha. Tentou ser engraçado; conseguiu envergonhar o país no estrangeiro, uma vez mais. Way to go, man.

Paradoxos

Adolfo Mesquita Nunes, 29.09.10

A putativa (e naturalmente legítima) candidatura presidencial de José Ribeiro e Castro não está pensada para ajudar Paulo Portas, como me parece que é evidente. Mas a verdade é que, e porque Ribeiro e Castro sem o apoio de grande parte do CDS não poderá avançar, tem a virtualidade de fazer crescer o peso negocial de Paulo Portas perante Cavaco Silva. O incómodo causado a Paulo Portas e ao CDS por José Ribeiro e Castro apenas fará subir, precisamente, o valor do apoio ao actual Presidente. Pela primeira vez, em muitos anos, Cavaco Silva terá de olhar para, e agradecer ao, CDS.

O cerco ao Presidente (2)

Adolfo Mesquita Nunes, 29.09.10
Escrevi ontem que a actual estratégia de Sócrates, ameaçando demitir-se em caso de não aprovação do Orçamento, passa por encurralar o Presidente da República. Gostava de desenvolver um pouco esta ideia, evidenciando, pelo menos, e na minha opinião, quais os objectivos de tal estratégia.
 
Deixando (enganando-o) Passos Coelho comprometer-se com o PEC e, mais do que isso, comprometer-se com negociações orçamentais, José Sócrates esperou pela impossibilidade de o Presidente da República dissolver a Assembleia da República para, dramatizando e chantageando, vir ameaçar com a demissão em caso de não aprovação do Orçamento. Com tal estratégia, obrigou o Presidente da República a vir fazer aquilo que este menos queria: iniciar diligências que garantam a aprovação do Orçamento socialista. 
 
Se o Presidente da República for bem sucedido, e tudo indica que o será, levando o PSD a invocar o interesse nacional, José Sócrates amarra o Presidente ao Orçamento e à estratégia governativa dos socialistas. Na verdade, se o Orçamento for aprovado, tê-lo-á sido graças à intervenção do Presidente. O que na prática equivale a dizer que o Presidente o sancionou.
 
Que Presidente da República pode dissolver a Assembleia da República, daqui a uns meses, com fundamento no cumprimento de uma estratégia orçamental que ele próprio sancionou? Não lhe faltará legitimidade constitucional, mas é mais duvidoso que tenha legitimidade política para o efeito. E se assim é, José Sócrates consegue garantir um intervalo de sobrevivência maior do que aquele que lhe era apontado há uns tempos, com a vantagem do desgaste de Passos Coelho (obrigado a dar piruetas umas atrás das outras, acabando por se subjugar a Cavaco Silva). Claro que este intervalo não dura para sempre, e há um novo Orçamento a aprovar no ano que vem. Mas até lá, José Sócrates jogará de novo, como até aqui.     

O sexo e a idade

João Carvalho, 29.09.10

O PS entrou naquela velhice decadente em que já não se disfarçam os sinais característicos. Crise internacional? Concentra-se no caso dos homossexuais. Crise nacional? Cuida do problema dos transexuais. Qualquer diagnóstico confirmará que estamos a lidar com outra crise sintomática típica: a crise de terceira idade do PS com a sua obsessão sexual impulsiva, caracterizada por um automatismo neurótico que se insere na psicologia patológica. O que não teria qualquer importância se o PS não fosse governo ou se Portugal fosse um reduto de dramas em torno da sexualidade.

Notícias da crise

Pedro Correia, 28.09.10

1. José Sócrates - como sucedeu inicialmente a Zapatero em Espanha - recusou encarar a realidade, fazendo orelhas moucas aos avisos mais lúcidos. Isto até ao momento em que a crise embateu em Portugal com todo o estrondo. Ele e membros do seu Governo, como o anterior titular da Economia, Manuel Pinho (ainda me lembro da célebre frase "A crise acabou", proferida em 2006), e o actual ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos.

2. Praticamente por falta de alternativa, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e a Alemanha governada por Angela Merkel puxaram as orelhas ao Governo português. Em Maio, o primeiro ministro de Estado e das Finanças de Sócrates, Luís Campos e Cunha, deu à revista Visão uma entrevista em que fazia uma crítica demolidora ao comportamento do Executivo socialista nesta matéria. Afirmando, com todas as letras, que Portugal se transformou num "protectorado alemão". De facto, quando falamos de crise económica é já de soberania nacional que estamos a falar. Ou da falta dela.
 
3. Existe um antes e depois de 20 de Maio - a data em que Sócrates foi enfim forçado a encarar de frente as vastas proporções da crise, confrontado com o ultimato das instâncias europeias. Mas as coisas podiam e deviam ter-se passado de modo diferente se algumas medidas contidas no Pacto de Estabilidade e Crescimento anunciadas há quatro meses pelo Governo tivessem sido adoptadas antes da aprovação do Orçamento de Estado para 2010. Seguramente não seriam então globalmente tão drásticas. O tempo jogou contra os interesses nacionais, avolumando os efeitos da crise, que o primeiro-ministro teimava em não reconhecer.

4. O Governo preferiu enganar os portugueses - e enganar-se a si próprio. O mesmo Governo que este ano aumentou impostos depois de ter baixado o IVA de 21% para 20% e congelou os vencimentos da função pública depois de ter aumentado os funcionários em 2,9%. Os bónus anteriores ocorreram a pensar no ano eleitoral de 2009 (em que houve eleições europeias, legislativas e autárquicas). Agora, felizmente para Sócrates, não há eleições legislativas à vista. O que talvez explique o anúncio já antecipado de novas subidas de impostos inscritos no Orçamento de Estado para 2011. Governar em ziguezague costuma dar nisto. Sendo as coisas o que são, quem se admira que o País esteja hoje no atoleiro em que se encontra?