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Delito de Opinião

O caso Queiroz

Sérgio de Almeida Correia, 01.09.10

Chamo-lhe caso como lhe poderia chamar outra coisa qualquer. Um caso pode ser um acontecimento, um facto, uma circunstância. Por vezes não passará de uma anedota.

Sabemos que este país respira futebol. Há muitos anos que é assim. Em especial do mau. Daquele que tresanda a bares de alterne e espumantes rascas. O bom futebol raramente aparece por cá. E quando aparece é um ar que lhe dá. Num fogacho desaparece para Madrid, Milão, Londres ou Manchester.  

Também sabemos que o dirigismo desportivo tem sido tudo menos uma escola de virtudes. Quem fala no dirigismo pode também falar na arbitragem. Contam-se pelos dedos de uma mão os árbitros portugueses com verdadeira craveira internacional e capazes de justificarem uma decisão sem desviar o olhar. Não as boas, que com essas ninguém se preocupa. Refiro-me às más, às que suscitam a ira do trolha e do bancário e os dichotes de Pinto da Costa, as que obrigam o pobre do Rui Santos a falar durante horas seguidas na SIC-N sem que se possa dar ao luxo de perder o pio ou de aliviar o nó da gravata. Rui Santos é mais um dos portugueses que teimam em falar para o Além. Mas Rui Santos faz o seu trabalho. Igual conclusão será difícil extrair daquilo que os Madaís e os Amândios andam há décadas a fazer na FPF.

Cada dia que passa os portugueses percebem um pouco melhor que o futebol português e a estrutura da Federação Portuguesa de Futebol estão metidos numa panela de pressão. A panela ficou esquecida, fora do lume, ao sol, durante anos, com a dobrada, que entretanto apodreceu, lá dentro. Agora, por acção do calor está prestes a explodir. E os cozinheiros, em vez de anteciparem a resolução do problema, com um mínimo de bom senso e de lisura, procuram abrigar-se do banho nauseabundo que os espera atrás da mulher-a-dias. Sabem que depois da explosão poderão tomar banho, mas não sabem que por muito que se esfreguem do cheiro já não se livrarão. 

Carlos Queiróz não será o seleccionador que os portugueses gostariam de ter. Nunca o terá sido. Não tem a esperteza beata de Scolari, não mostrou saber para atingir as metas que os portugueses ambicionavam. Errou nas escolhas que fez. Tem maus modos, por vezes é rude, grosseiro, ordinário, e não apenas deselegante como ele próprio admitiu contrariado. Queiroz não serve para modelo. Mas será que isso dá o direito à FPF, à Autoridade Antidopagem de Portugal ou ao Secretário de Estado do Desporto de o tratarem da forma como tem sido tratado? Quer-me bem parecer que não.

Se o homem não servia, se não o queriam por cá, se o trabalho que fez foi mau, por que raio haviam de dizer que tinha cumprido os objectivos e lhe deram um voto de confiança em 18 de Julho? Se o que aconteceu durante o estágio com a recolha de líquidos para análise foi grave, então porque não o notificaram logo da nota de culpa (isso fazia-se em meia dúzia de horas), mesmo antes do Mundial, para que ele tivesse consciência do que se iria passar a seguir, quaisquer que fossem os resultados desportivos? 

Depois, confessemos que avançar com um processo disciplinar por causa das declarações (imprudentes e estouvadas) que fez ao Expresso raia o ridículo. É cretino. Então, com tudo o que se tem passado no seio do futebol português, desde há decénios, ainda há duquesas velhas que se ofendem? Só agora? 

Ontem, o seleccionador nacional esclareceu que disse polvo como poderia ter dito nuvem. Também não me custa acreditar. O seu domínio da expressão oral é tão mau, não só o dele como o de muitos dirigentes desportivos, que tenho sérias dúvidas de que muitas vezes, quer um quer os outros, tenham a exacta noção do sentido ou do alcance daquilo que dizem.

O que está a acontecer com Carlos Queiroz não vai mudar em nada a imagem do futebol português e dos seus dirigentes. Tenho sérias dúvidas que venha a servir para alguma coisa, para lá do linchamento do agora execrável seleccionador nacional. É que no estado de putrefacção em que vivemos, ainda que as moscas sejam enxotadas, amanhã outras virão.

E este país de forcados continuará a morrer pela falta de coragem dos seus cabos. Quando chega a hora da verdade os nossos cabos encolhem as barrigas, ajeitam o bigode, e lidam com os problemas de cernelha. À má fila. E depois ainda há quem se admire dos touros neste país se quererem comportar como umas chocas.

Um monte de trampa enxameado de moscas não é um caso. O caso Queiroz não existe. O caso Queiroz nunca existiu.       

Notas de viagem (1)

José Gomes André, 01.09.10
Com vinte anos fiz um inter-rail. Munido da arrogância - e da ingenuidade - próprias da idade, fiz-me à estrada (ou melhor, aos carris) e visitei meia Europa. Que me lembre, passei por Paris, Frankfurt, Praga, Cracóvia, Budapeste, Bratislava, Viena, Salzburgo, Veneza, Florença e Siena. Gastei dois anos de poupança, comi sandes mistas até ficar mortalmente enjoado de queijo, dormi em hotéis de uma estrela, fui assaltado três vezes. E ganhei uma companhia para a vida.

 

Nove anos depois, voltei a ter vontade de saltitar de cidade em cidade, em vez de me limitar ao mais tradicional (one) city-break. Infelizmente, já passaram também 14 quilos e adquiriram-se, pelo caminho, hábitos burgueses (quem for capaz de dormir em comboios do Leste, levante o braço) que dificultam tal projecto. "No meio está a virtude", digo para comigo. Faça-se portanto um mini-inter-rail, que contemple ao menos o prazer de acordar mais do que uma vez num país diferente - na comida, na moeda, na língua, no cheiro. Eis o programa: voar até Copenhaga (esqueçam o Sud-Express), visitar a cidade, alugar um carro e espraiar-me na Dinamarca, meter-me num comboio para Hamburgo (tem de haver uma parte sobre carris, certo?), espreitar Lübeck e terminar em Berlim. Dez dias, se o estômago e a carteira aguentarem. Sounds right?

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