«Não escolhemos os lugares predilectos, somos solicitados por eles. No registo elementar dos filósofos pré-socráticos, cada qual pode descobrir em si uma paixão pela água, pela terra ou pelo ar - o fogo circulando no próprio corpo do viajante. (...) Na viagem, apenas se descobre aquilo que trazemos connosco.»
Receita para umas curtas (mas bem aproveitadas) férias em Itália
(o itinerário desta viagem: de Nápoles a Paestum, debruando a costa. E depois Pertosa, para uma incursão ao interior de que não irá arrepender-se)
1. Ingredientes:
- 8 dias (bem contados) de bom tempo
- 1 boa companhia (essencial que esteja "na mesma onda"; pode acrescentar mais pessoas, evidentemente, mas esta receita é para dois)
- 1 avião
- 1,5 comboios
- 1 moto
- barcos a gosto
- 250 km (mal medidos) de uma deslumbrante linha de costa para explorar
- 1 ou 2 extras (não programados) para avivar o sabor e dar um toque de novidade à receita
2. Execução:
Antes de mais, uma recomendação essencial: leve pouca bagagem (uma regra básica que a experiência de viajante acaba por ensinar-nos, para nosso próprio bem) e sobretudo roupas leves, de algodão ou de linho. Jeans, calções, t-shirts, fato-de-banho, sapatos confortáveis e um chapéu, será tudo aquilo de que vai precisar para estes dias. Enfim, abre-se sempre uma excepção para um modelito mais sofisticado para um jantar especial, já que cenários e oportunidades não faltarão. Ah, um blusão quente é obrigatório se optar pela minha sugestão de transporte, como verá mais à frente. Acrescente à mala um protector solar de grau elevado e - imprescindível! - um bom guia de viagem. O meu preferido é sempre o Lonely Planet, mas o American Express também é muito bom. Delicie-se, com um deles, a preparar a viagem. Uma boa parte do prazer de viajar está na antecipação.
Apanhe um avião que o(a) ponha em Roma bem cedinho. Resista, com todas as forças, à tentação de correr para a Piazza Navona, só para matar saudades. Não é Roma o seu destino, desta vez. Se não conseguir, paciência: renda-se e tome lá um Chianti bem gelado ou a primeira das muitas granite de limone (perfeita evocação das "carapinhadas" da saudosa Ferrari, que o fogo do Chiado varreu para sempre) que irão refrescar-lhe os dias de calor, brindando à memória de David Mourão-Ferreira (ritual meu, desculpem a confidência: nunca vou à Piazza Navona sem erguer um copo ao homem que um dia, tinha eu 17 anos, me elogiou um poema. Muitos anos mais tarde, foi também lá que tive uma óptima surpresa do mesmo género). Segue-se o primeiro comboio: o rápido Roma-Nápoles, que demora cerca de 1 hora. Claro que há voos directos Lisboa-Nápoles para quem quer chegar depressa ao destino, mas eu tenho um fraquinho por comboios e nunca tenho pressa em viagem. Deixe Nápoles para depois, terá tempo mais tarde para dedicar-lhe uma visita. Na própria estação Garibaldi poderá apanhar a Circumvesuviana (uma espécie de metro de superfície que percorre toda a linha de mar entre Nápoles e Sorrento) e comece logo a deslumbrar-se com a paisagem. O fim da linha - Sorrento - é a cidade onde sugiro que faça quartel-general. É uma cidade linda, central (fica sensivelmente a meio do percurso que lhe proponho para estas férias, pelo que dá um óptimo ponto de partida para todas as suas visitas) e cheia de animação. Há hoteis para todos os gostos e bolsas: meia-dúzia de cinco estrelas sumptuosos, adaptados de palazzos e villas nobres; alguns de conceito "boutique" com a marca inconfundível do design italiano; muitos outros mais rústicos, mais simples e sobretudo mais baratos; e ainda mil apartamentos e quartos de aluguer, numa cadência de porta-sim-porta-não. A probabilidade de ter uma boa vista, qualquer que seja a sua escolha, é bastante alta. Se for um milionário dado a luxos asiáticos, sugiro-lhe o Grand Albergo Excelsior Victoria, um pequeno império imobiliário composto de seis villas (foi agregando todas as casas em redor da primitiva, em cima da falésia) e rodeado de jardins belíssimos que vão da Piazza Tasso, no centro da cidade, até ao mar. Se não for este o seu caso mas puder dar-se o luxo de uma extravagância de vez em quando, escolha sem hesitações o delicioso La Minervetta, nem que seja por uma só noite: o prazer de adormecer e acordar com a vista de qualquer um dos seus doze quartos - todos diferentes na decoração - não tem preço. Mas atenção, só uma reserva com grande antecedência ou uma sorte inesperada lhe garantem a chave para este paraíso.
Enfim, seja lá onde for, instale-se e livre-se das malas.
Corra a alugar uma Vespa por 8 dias e dilua-se sem medos no alegre e turbulento enxame que invade todas as cidades, estradas e praias. Não há melhor transporte para se passear em Itália, acredite: é barato, prático e divertido, além de dar-lhe uma mobilidade e uma liberdade ímpares. Se acha a experiência radical de mais, alugue um carro (não maior do que um Smart, de preferência, por questões de estacionamento) ou use os transportes públicos. Ficará limitado aos horários, obviamente, mas a oferta é grande e funcionam bem. Depois... bem, depois entregue-se ao prazer de explorar cada centímetro de uma costa de beleza indescritível, cada cidade ou aldeia, cada esquina, cada recanto menos conhecido. Mesmo nas terrinhas que não constam dos roteiros turísticos há sempre uma casa bonita, um ângulo diferente da costa, uma esplanada ou um restaurantezinho onde vale a pena parar. Tenho por princípio meter o nariz em todos os recantos e já tive excelentes surpresas por causa disso. Tenha sempre vestido um fato-de-banho, para o que der e vier. O Mediterrâneo convidá-lo-á constantemente a um mergulho, usando descaradamente os dois únicos trunfos que tem sobre o Atlântico: a cor e a temperatura. Compre uns sapatos de plástico para entrar no mar - esqueça as nossas belas praias de areia fina e branca - ou terá a sensação de que os seus pés, enterrados em seixos impiedosos, foram metidos numa trituradora. Mais um aviso: praticamente todas as praias são concessionadas (pertencem a hotéis ou restaurantes, numa espécie de tetris que até o mar divide, com bóias coloridas) e por isso são pagas. Raramente encontrará uma língua livre de "portagem", mas mesmo assim vale a pena procurá-las ou ceder à imposição de uma espreguiçadeira e um chapéu de sol.
Mas nem pense em entregar-se todo o dia ao famoso dolce fare niente: duas horas por dia, no máximo, que há muitos quilómetros para fazer.
(cont.)