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Delito de Opinião

O comentário da semana

Pedro Correia, 04.01.10

 

"Demagogia. É o que há à volta dessa história dos feriados e pontes!
Serão raros os empregados deste país que não paguem as favas por uma ponte ou feriado. Porquê? Porque, na maior parte dos empregos, quando não se trabalha em determinados dia por esses motivos, não significa que o trabalho não tenha que se fazer! Significa que ele tem de ser feito na mesma! Ou seja, se o trabalhador tiver direito às pontes e feriados, terá que vergar a moleta nos restantes dias para que, nos dias em que não vai, tudo esteja assegurado.
É, portanto, perfeitamente falacioso que se venha falar em baixa de produtividade em alturas de pontes e feriados.
Os patrões deveriam ser os primeiros a reconhecer esta situação. Porquê? Por causa da globalização. Grande parte das empresas tem que estender os seus serviços a outros países, que não têm os mesmos feriados ou pontes. Logo, há funções que têm que ser asseguradas em nome da responsabilidade e dos compromissos assumidos. Por isso, um trabalhador que goze ponte ou feriado, principalmente no sector privado, teve antes que deixar o serviço em dia.

Pessoa próxima que trabalhava numa multinacional de fama dizia, sempre que aparecia uma dessas semanas com pontes e feriados: 'Semana de quatro dias úteis - estou lixado!' Porquê? Porque ele e colegas, à semelhança de milhares, tinham que fazer o trabalho de cinco dias úteis, em quatro! Todo! Obviamente que não havia horas de entrar em casa, nessa semana!
Então como é?!
Claro que falo do sector privado. Onde mais se labuta, onde os patrões mais se queixam e onde os feriados e pontes têm um impacto muito menor do que em outros sectores.
Como o público!"

 

Da nossa leitora Lúcia. A propósito deste texto do Carlos Barbosa de Oliveira.

Subsidiodependente

J.M. Coutinho Ribeiro, 04.01.10

Será que, pela primeira vez na vida, vou ter direito a um subsídio? Com tantos cigarros que já fumei e com o que isso deu de impostos ao Estado, parece-me justo. Ainda que eu saiba que o Estado não está preocupado comigo, nem com os outros fumadores - está preocupado é com os não fumadores, essas pobres vítimas que sofrem amargamente com o fumo dos outros, com o preço do ginásio, com o casamento gay e com o aquecimento global. Entretanto, talvez não fosse mau pedir, desde já, o reembolso dos cerca de 70 euros que me custou um cigarro electrónico que me impingiram por estes dias - a partir das oito da noite vendem-me qualquer coisa, porque ando normalmente distraído - e que, honestamente, ainda não tive coragem de usar em público, porque um fumador, queiram ou não, também tem o seu orgulho.

Meio século sem Camus

Pedro Correia, 03.01.10

 

Às vezes, basta um parágrafo - um simples parágrafo de abertura. Albert Camus, naquele que seria o seu romance de estreia, em 1942, conseguiu escrever esse parágrafo que fica a perdurar na memória de qualquer leitor: "Hoje, a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: 'Sua mãe falecida. Enterro amanhã. Sentidos pêsames.' Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem."

É assim o começo d' O Estrangeiro, um dos livros de ficção do século XX que melhor reflectem o desamparo do homem perante as encruzilhadas da existência: Camus, com apenas 29 anos, revelava-se desde logo como um dos grandes nomes da literatura universal, que a Academia de Estocolmo confirmaria em 1957, ao atribuir-lhe o Prémio Nobel. O Estrangeiro, traduzido para mais de 40 idiomas, é hoje o recordista absoluto de vendas em formato de bolso em França. E a actualidade do pensamento de Camus - tão ou mais notável como ensaísta do que como romancista - é indiscutível. Na sua recusa intransigente do compromisso dos intelectuais com sistemas totalitários, na sua obstinada luta contra a violência como instrumento de acção política e na sua afirmação de que "todo o despotismo, mesmo provisório", deve ser rejeitado. Na sua denúncia simultânea dos campos de extermínio nazis e dos gulags soviéticos. E também no modo inequívoco como se pronunciou, logo em Agosto de 1945, contra o lançamento das bombas atómicas em Hiroxima e Nagasáqui: "Marx não recuou em 1870 perante o elogio da guerra, que ele pensava que deveria fazer progredir, pelas suas consequências, os movimentos de emancipação. Mas tratava-se de uma guerra relativamente económica e Marx raciocinava em função de uma espingarda com baioneta, que é uma arma de crianças. Hoje em dia, vocês e eu sabemos que as consequências de uma guerra atómica são inimagináveis e que falar da emancipação humana num mundo devastado por uma III Guerra Mundial é algo que se parece com uma provocação."

Ao princípio da tarde de 4 de Janeiro, faz amanhã 50 anos, o Facel-Véga em que Camus seguia, conduzido pelo seu editor e amigo Michel Gallimard, embatia inexplicavelmente contra um plátano situado na berma da estrada perto de Sens, quando fazia o trajecto entre a Provença e Paris. Numa recta, à luz do dia, com plena visibilidade. O escritor, cuspido do carro, teve morte instantânea. No interior do veículo estava o manuscrito do seu romance autobiográfico O Primeiro Homem, deixado inacabado mas publicado em 1994.

Mersault, o anti-herói d' O Estrangeiro - que mata "por causa do sol" e sobe ao cadafalso afirmando que "fora feliz e que o era ainda" -, não se importaria decerto de terminar assim os seus dias. De forma tanto mais absurda por ser tão trágica e tanto mais trágica por ser tão absurda.

Os críticos também se enganam

Pedro Correia, 02.01.10

 

A crítica influencia o público. Mas o público também pode influenciar a crítica – e de que maneira. Há um exemplo já considerado clássico no cinema – o de Psico, de Alfred Hitchcock. Quando se estreou, em 1960, os críticos de serviço nos Estados Unidos zurziram sem piedade esta longa-metragem atípica do mestre do suspense. “Uma mancha numa carreira honrosa”, houve quem escrevesse, enquanto não faltou mesmo quem comparasse esta obra-prima do cinema de terror a “um daqueles espectáculos de televisão feitos para preencher duas horas”. O New York Herald Tribune publicou uma das críticas mais ambíguas: “É bastante difícil divertirmo-nos com a forma que a insanidade mental pode assumir.” Podia estar a referir-se a Norman Bates, a personagem desempenhada pelo actor principal, Anthony Perkins. Mas também podia estar a referir-se ao próprio realizador.
O mais prestigiado crítico norte-americano dessa época, Bosley Crowther, não fugiu ao tom geral. “Horrível” – foi o termo severo que usou na sua análise à película, publicada em 17 de Julho de 1960 no New York Times.
Algum desses textos influenciou o público? Aparentemente, não. Psico foi um sucesso de bilheteira desde o primeiro instante. Não só nos Estados Unidos, mas também no Canadá, na América do Sul, na França, no Reino Unido e até no Japão. Tornou-se um dos filmes a preto e branco com mais lucro de sempre e fez de Hitchcock um multimilionário. 
 
O retorno das bilheteiras pareceu ter influenciado os críticos, que passaram a ver o filme com outros olhos. A revista Time, que na estreia acolhera Psico com palavras duras – “Hitchcock tem a mão demasiado pesada” – passou a chamar-lhe “superlativo”. E até o exigente Crowther deu o braço a torcer, mencionando-o, no fim do ano, na sua lista dos dez melhores filmes de 1960. A obra era a mesma: só os olhos que a viam tinham mudado.
Era o início de uma consagração que chegou até hoje. Psico, a tal peliculazinha equiparável a uma série televisiva, figura em 18º lugar na lista das cem melhores longas-metragens de sempre do Instituto do Filme Americano. Só outras duas se integram no género terror e figuram em lugares bem mais recuados: O Silêncio dos Inocentes (65º) e Frankenstein (87º).
«Os filmes de Hitchcock lidam com o mal sob a forma de ganância, violência, ocorrências naturais destruidoras e guerra. (...) Em Psico não nos deparamos com um ou dois apontamentos de terror – o filme inteiro é construído em torno do terror’», sublinha Philip Tallon no ensaio ‘Terror, Hitchcock e o Problema do Mal’, inserido no livro A Filosofia Segundo Hitchcock (Estrela Polar, 2008). Hoje pode-se escrever isto sem receio de contraditório. Por alturas da estreia, estas linhas arriscar-se-iam a ser ridicularizadas pelos mais exigentes críticos de cinema. Nenhum deles tinha razão. O público é que estava certo. 

Blogue da semana

Sérgio de Almeida Correia, 02.01.10

Tem um estilo discreto, sóbrio e elegante. Não exagera na adjectivação. Não há lá nada de supérfluo ou de particularmente intrigante. Escreve regularmente e, sobretudo, bem. Não sei se já existe uma corrente “mexiana”, mas se não existe devia de haver. Ele segue na esteira (ainda bem) do Pedro Mexia, que confessa apreciar e admirar. Eu também. E, além disso, descobri que também temos em comum uma paixão por livros, por filmes e mulheres (Ah, meu Deus, as mulheres…). É um blogue com mundo, com bom gosto, com distância. E muitas fotografias lindíssimas, algumas a preto e branco. Merece ser mais conhecido e o seu autor muito mais lido. Vontade Indómita é a minha primeira escolha para 2010 e não é fruto do acaso.

Talvez

Teresa Ribeiro, 02.01.10

Dia 2. Enquanto a poeira das festas começa a assentar, pego nos jornais que ainda não li. Entre os costumeiros balanços e expectativas para o novo ano, escapam das entrelinhas estados de alma que reflectem, na sua maioria, desalento.

Ano Novo Esperança Nova? é um dos títulos em que reparo. Adiante, num artigo de opinião, leio: Portugal é cada vez menos um país normal. Em letra de forma também recolho esta afirmação: Nada transmite alegria ou esperança. Há medo do amanhã e do que ele pode trazer de pior. E esta: Não creio que haja condições para mais uma década como a que vivemos: perdida, totalmente desperdiçada, num quase nada que nos custou tanto.

Este tom, consideravelmente mais soturno do que é habitual a cada começo de ano, reflecte o peso de uma década, um espaço de tempo que não se explica com a ligeireza que os políticos pretendem.

Para dez anos não há alibis conjunturais. Mais conscientes da real incompetência das suas elites, talvez os portugueses, acossados pela degradação progressiva da sua qualidade de vida, se tornem mais consequentes. Menos lamurientos e mais incómodos.

Talvez os movimentos de cidadania floresçam e a nossa sociedade civil acorde. Talvez, quem sabe, os portugueses comecem a falar dos portugueses como se não fossem estrangeiros, implicando-se e exigindo mais dos seus poderes. Quem sabe, na próxima década a democracia em Portugal deixe de ser aquela adolescente pindérica com ares de sul-americana que conhecemos. Aos (quase) 36 anos já vai sendo tempo.

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