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Delito de Opinião

Convidado: NELSON REPREZAS

Pedro Correia, 12.07.10

 

Da arte de bem apalpar os melões

 

É nos tempos de crise, quando a auto-estima dos portugueses anda em baixo, que vale a pena ir a um mercado. Nas grandes superfícies já não dá tanto jeito, onde tudo é mais sofisticado, os expositores, os produtos e até a clientela têm o tique de quem se «standardizou» e rendeu aos benefícios de qualidade, quantidade, preço e modernidade de uma grande superfície.

 

Restam, assim, os mercados. Os locais onde os portugueses podem ainda exercitar com deleite a sua condição de predestinados em tarefas que nenhum outro povo consegue cumprir com a eficácia e a sabedoria que Deus lhes deu em sorte. Basta observar um homem (tem de ser um homem, mulher não dá…) a escolher um melão. O potencial comprador de melões não compra um melão qualquer. Ele tem uma montanha de melões à frente, mas jamais se decidiria pelo primeiro da fila. Ele tem de pegar pelo menos em seis. E cada um deles é cuidadosamente sopesado numa mão, nas duas mãos, suavemente transladado de uma mão para a outra, antes de tamborilar os dedos na casca. Cheirar o melão, abaná-lo, rodá-lo entre os dedos e observá-lo a diferentes distâncias do globo ocular são outras operações que dizem bem da sabedoria inata do português a escolher melões. Porque não é agora um qualquer espanhol, ou italiano, grego e, muito menos, um daqueles louros do norte, que saberiam escolher um melão da forma elaborada, consciente, dedicada, empenhada e, sobretudo, SABEDORA, com que o luso comedor de melões selecciona o melhor, de entre uma montanha de melões do expositor. A expressão visual do comedor/seleccionador de melões português conta muito para o efeito, também. E ele aplica-se mais e melhor se souber que está a ser observado. Nunca um seleccionador de melões gastaria mais de cinco segundos para carregar com o eleito para a balança. Já com audiência, ele sabe que uns sólidos três minutos poderão ser usados na selecção do melão e isso faz-lhe quase tanto pela auto-estima como uma vitória do «glorioso». Se calha estar com a mulher, com a patroa, com a legítima, o caso, então, torna-se superlativo. A mulher tem de saber que não é por ser ele a mandar lá em casa que ela teve sorte. É sobretudo porque arranjou um marido que sabe escolher um melão. Ele sabe escolher melões. Coisa que a mulher jamais saberá. Fazendo-o por ela própria, arrisca-se a levar para casa um pepino e ter, depois, de suportar a arenga do marido, inevitavelmente começada, por um “eu não te disse? Porque é que não me chamaste?”

O cliente de melões português é um caso paradigmático da ventura de se nascer português. Demos novos mundos ao mundo, depois decaímos um bocado, é certo, mas, helas, sabemos escolher melões. O que absolutamente nos coloca na vanguarda do pelotão europeu. Mas repito. Isto é coisa de homem. De macho. Para as mulheres deixo a pungente tarefa de escolher um peixe. Depois de lhe pegar pelo rabo, abrir-lhe as guelras e carregar no olho remata com a pergunta sacramental para a mulher da venda:

- D. Justina, o peixe é fresco?

Ainda não perdi a esperança de ouvir uma D. Justina, algures, em alguma altura, responder:

-  Não. Não é. Não leve que esse peixe já tem três dias de frigorífico. O melhor é passar ali à banca do lado.

 

Nelson Reprezas

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