Jogar para o empate na política
Aos poucos, a ideia vai fazendo caminho. Diversos socialistas saem a terreiro em defesa aberta de um governo de bloco central. Não sei se falaram com o acordo tácito de José Sócrates, cada vez mais sem margem de manobra política, mas a verdade é que neste momento nada podia dar mais jeito ao antigo "animal feroz", que descobriu as virtudes do diálogo ao fim de cinco anos de poder arrogante, em que depreciou sistematicamente os adversários, à esquerda e à direita.
Proença de Carvalho, em rápida aceleração para a órbita socialista, critica o Presidente da República por não promover uma coligação entre o PS e o PSD. "Ambos os líderes dos partidos deviam empenhar-se em criar um governo forte, com um programa reformista, que estivesse à altura das dificuldades que estamos a passar", diz à Rádio Renascença o advogado do primeiro-ministro.
Miranda Calha, membro do Secretariado socialista, declara em entrevista à edição de ontem do Sol [sem link]: "É importante que haja um suporte mais alargado para a governação. Não ponho de parte a necessidade de se chegar a um entendimento desse género [que] tanto pode ser [com] o PSD como com outro partido qualquer."
Já no ano passado Jorge Sampaio deixara claro em entrevista ao Diário Económico: "Pode ser necessária uma coligação. O bloco central político é uma possibilidade." Raciocínio reiterado há dias pelo ex-Presidente da República, desta vez em entrevista à SIC Notícias: "É difícil para o Governo sustentar o que tem feito. É preciso resistir e avançar. E se a nova liderança do PSD está disponível, cale a pena reunirem."
Outro antigo líder do partido, Ferro Rodrigues, que em 2009 aconselhara o PS a "virar-se para o PSD", reitera agora esta tese, também ao Sol [sem link]: "Há neste momento acordos pontuais [entre o PS e o PSD]. Espero que possam desenvolver-se num sentido mais permanente."
São declarações entrecruzadas que apontam um caminho. Perigoso para o PSD. O que menos falta a Portugal são técnicos de bancada a preconizar que se jogue para o empate. Mas a política, tal como o futebol, não é bem sucedida com empates: esse foi o equívoco que fez Carlos Queiroz sair da África do Sul pela esquerda baixa. Vendo-se afundar nas sondagens, Sócrates até se dispôs já a oferecer a pasta dos Negócios Estrangeiros a Paulo Portas. Que teve o bom senso de recusar. Nenhuma coligação será possível com este primeiro-ministro que fez de todas as negociações políticas uma arma de arremesso permanente contra os adversários. Talvez por isso, segundo o Expresso de hoje, Francisco Assis se perfile já entre os candidatos à sua sucessão: é o velho instinto de sobrevivência do PS a funcionar.
ADENDA: Extraordinário. Também o deputado Vera Jardim, ex-ministro da Justiça, surge agora a defender, em entrevista à Antena 1, um "acordo de governação" entre PS, PSD e CDS, adiantando que Sócrates "está disponível para esta solução". Já não me resta a menor dúvida que o primeiro-ministro é a "fonte inspiradora" desta súbita conversação de tantos socialistas à tese do bloco central.