Os exames nacionais
Creio que a silly season começa oficialmente com a primeira reportagem num noticiário das oito da noite sobre a "pressão" dos exames nacionais. É já um clássico da estação: reportagens nas escolas, perguntas feitas aos alunos "em pânico", talvez a um ou dois professores. Como se os exames nacionais fossem um ovni. No meu tempo, não havia exames nacionais no nono ano. Havia "provas globais". Aliás, havia uma prova global no oitavo ano (Ciências da Natureza), e no nono ano havia as restantes (Português, Inglês, Francês, Matemática, Fisico-Química, História, Geografia, e até Educação Visual). No secundário, havia provas globais a todas as disciplinas no décimo ano (no meu caso, Português A, História, Geografia, Métodos Quantitativos, Inglês 4, Francês 6, Filosofia - sim, sete provas). Idem no décimo-primeiro ano. No décimo-segundo, havia exames nacionais a todas as disciplinas, e não apenas às específicas - o que, no meu caso, resultou em cinco exames nacionais em duas semanas: Português A, História, Inglês 6, Psicologia, IDES. Se havia stress antes das provas globais? Claro que havia. Como há antes de qualquer teste. Se me preocupei com os exames nacionais? Claro que sim - passei uma semana a estudar, como nunca estudei, para o exame de Português (o primeiro), até dar em doido na véspera do exame. Estava nervosíssimo. Tinha duas horas para fazer esse exame, de Português. Duas horas (mais meia hora de compensação) para analisar em forma de comentário um poema de Eugénio de Andrade, para escrever uma dissertação sobre João da Ega, personagem de Os Maias, e para fazer um resumo de texto. Isto tudo fiz eu em cinquenta minutos; e dada a impossibilidade de sair da sala, acabei por re-escrever a dissertação sobre o Ega. Saí do exame a rir-me - afinal era aquilo um exame nacional? Os quatro que se seguiram foram feitos com muito mais descontracção. E a média foi óptima. De resto, nunca nenhum colega de turma chumbou (no meu tempo chumbava-se; estou mesmo a ficar velho) por causa de um exame nacional ou de uma prova global; pelo contrário, vi muitos colegas salvarem um ano menos bom graças àquelas provas. Hoje em dia trata-se o tema como se os exames nacionais fossem um monstro, como se naquelas duas horas (ainda são duas horas?) os alunos fossem obrigados a caminhar descalços por cima de brasas, a domar um leão com uma cadeira, ou qualquer outra coisa do género. Que os alunos do secundário, a cada manifestação que fazem, gritem pelo fim dos exames, eu até percebo - naquelas idades prestamo-nos a tudo, até às ideias mais alarves. Que os adultos tratem os exames nacionais como um bicho de sete cabeças, e não como aquilo que eles são - uma componente fundamental de uma avaliação tão justa quanto possível - é que já me faz muita confusão.