Deep shit - 13
Segundo Peter Mair e Richard Katz, os teorizadores do novo tipo de partido, que designaram por partido-cartel, este atingia esquerda e direita, e tinha dois traços essenciais: “conluio” entre as principais forças políticas para garantir recursos públicos; e inter-penetração com o Estado.
Para Katz e Mair, a relação com o Estado é um dos pontos mais importantes para compreender os partidos. A progressiva aproximação entre os dois, transformando os partidos numa espécie de “agentes públicos”, implicava um novo conceito de democracia que continuava em evolução e em que esta era, na prática, um serviço prestado pelo Estado aos cidadãos. Os políticos viam-se entre si como colegas de profissão e esqueciam a sociedade.
Ao contrário dos “velhos” partidos de massas e catch-all, o novo partido-cartel deixava de ser parte da sociedade ou um seu intermediário com o Estado, mas parte integrante deste último. O objectivo era compensar os danos causados pela queda da participação partidária. A verdadeira substância da competição tenderia a desaparecer, apesar de uma maior competição formal, com maiores gastos de campanha e maior profissionalização. - escreve Nuno Guedes no estudo que fez, em 2006, para o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia - CIES - do ISCTE.
Peter Mair e Richard Katz, continua, defendem que, a meio da década de 1990, estes processos, vistos como uma espécie de solução pragmática aos problemas dos partidos, estavam ainda no início e eram bastante desiguais entre países.
Neste estudo, intitulado "O Partido-cartel: Portugal e as leis dos partidos e financiamento de 2003", Nuno Guedes recorda que, mais recentemente, Blyth e Katz aprofundaram esta teoria, explicando que os partidos-cartel (e cartel de partidos) focam-se sobretudo na progressiva diminuição da possibilidade de políticas alternativas entre os partidos, depois de se ter chegado à conclusão que era impossível continuar a trocar medidas populares por votos. Em alternativa, os partidos diminuíram as expectativas dos cidadãos, limitando o espaço para políticas realizáveis, identificando a competição eleitoral não com questões ideológicas, mas, sobretudo, de competência na gestão do país. A democracia seria a mera realização de eleições. As transferências de poderes para entidades como a União Europeia ou os bancos centrais foram algumas das fórmulas encontradas para limitar o debate político. Os cada vez mais casos de eleição directa dos líderes partidários deu-lhes uma ainda maior autonomia face ao aparelho partidário.
Para analisar Portugal, Nuno Guedes cita o investigador Farelo Lopes: PS, PSD e outros partidos integram, em graus variáveis, elementos do partido-cartel, nomeadamente, na sua relação com o Estado, ainda mais importante do que noutros países, devido à sua natural debilidade estrutural e poucos filiados, que os levaram a ocupar variadíssimos cargos no Estado, que desde o início do regime foi uma importante fonte de recursos.
Carlos Jalali, outro investigador citado neste estudo, diz que a cartelização da política em Portugal pode ser observada não apenas através das subvenções estatais, mas também pelo monopólio da representação dos partidos, consagrado na Constituição, e grau de ocupação do Estado por quadros partidários. O sistema de partidos português tem, aliás, como principal característica, um padrão de cooperação entre os seus dois maiores partidos, com o objectivo de manter a principal dimensão de competição entre si, não se atacando em assuntos como a ocupação de cargos estatais (aspecto marcante da política portuguesa e importante fonte de recursos), numa espécie de acordo, mesmo que não explícito. Pode ler mais aqui.