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Delito de Opinião

As legítimas

Leonor Barros, 23.05.10
 O mulherio fazia fila para a caixa, não só mulherio, atrás de mim um senhor menos jovem, de pé pequeno pelo que disse, uma mãe entediada com os caprichos da filha adolescente, uma mulher indecisa com a escolha dos brilhantes a aplicar e em torno do quiosque, quiosque talvez, havia um corrupio constante, uma roda imparável, pedidos de números e cores, homens e mulheres experimentando o tamanho e a cor exacta, a cor exacta, jamais aleatória e terá que condizer com as inúmeras fatiotas veraneantes, esvoaçantes ou coleantes que dão cor aos roupeiros lá em casa e a que o sol permite finalmente dar uso. Podia até parecer uma réplica manhosa do Sexo e a Cidade: em vez das quatro magníficas às compras na senda dos últimos Manolo Blahnik ou Jimmy Choo, uma horda de mulheres na capital lusa, pontilhada aqui e ali com a presença masculina, na procura dos seus objectos de desejo para um Verão que se prevê tórrido. Assim era o mulherio desvairado com aquilo que não é necessário mas que, sendo acessório, se pode tornar fundamental e necessário na vida de uma mulher. Acontece a todas ou a quase todas. Acontece-me a mim, por exemplo. Acontece-me ter uma fixação nas mais simples e aparentemente democráticas sandálias que o mundo conhece, esses mesmo que congregaram uma multidão de dimensões moderadas num Sábado pela manhã numa loja da capital. Esta que vos escreve tem uma paixão assolapada pelas sandálias de enfiar o dedo de produção brasileira conhecidas em todo o mundo, um objecto quotidiano transformado em culto, o supra-sumo da liberdade e a afirmação peremptória de que as obrigações estão longe e de que posso finalmente andar sem qualquer salto, arrastando ligeiramente os pés e sentindo-me indescritivelmente livre. Sem horários a cumprir e tarefas a executar, igual se de férias ou de fim-de-semana, as havaianas fazem parte da liberdade a que me permito e representam momentos do mais puro prazer pautados pela entrega ao que melhor me aprouver. E depois vêm as cores, os padrões, os modelos: top, joy, slim, slim season, slim stripes, high, estampadas, florais, hibisco, cartunistas. Nego-me a contar os pares de que sou feliz proprietária, a bem da minha sanidade mental e da manutenção da imagem de que não sou uma mulher frívola e que, ao contrário de uma esbanjadora consumista, não possuo pares que dão para uma equipa de futebol, treinadores e adjuntos incluídos. Se recontar ainda se arranja um par para o apanha-bolas. Naquela cena do filme Notting Hill em que Anna vai ter com William à livraria em Portobello Road podia perfeitamente usar umas havaianas slim. Ficariam a matar com o casaco de malha e a saia direita e em perfeita sintonia com a cena tão simples mas tão carregada de significado I'm just a girl, standing in front of a boy, asking him to love her. E depois vem a publicidade no Brasil. Reynaldo Gianecchini, ele mesmo, sem mais apresentações, passeia-se num shopping usando as legítimas. São precisas mais razões?
E se se perguntarem o que me passou pela cabeça para num blogue sério como este me pôr a falar de coisas fúteis de mulher, a resposta é porque já não posso. Não posso com o Sócrates, com o PEC, o Teixeira dos Santos e o défice, a Frau Merkel a querer mandar em todos, o Cavaco igual ao que sempre foi e Portugal cada vez mais parecido consigo mesmo. Uma mulher tem os seus limites e devaneios também.

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