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Num notável exercício de hipocrisia política, o Presidente da República decidiu promulgar a lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Fê-lo logo após ter andado vários dias a correr o País ao lado do Papa e deixando claro que discorda da solução jurídica adoptada, apesar de o Tribunal Constitucional ter eliminado todas as dúvidas que o Palácio de Belém em devido tempo suscitou.
Por imperativos de consciência, ao que tudo indica, Cavaco Silva deveria ter vetado o diploma. Mas um imperativo de consciência, para o actual inquilino de Belém, soa a algo relativo: espantosamente, Cavaco invoca "os milhares de portugueses que não têm emprego, o agravamento das situações de pobreza, a situação que o País enfrenta devido ao elevado endividamento externo e outras dificuldades que temos de ultrapassar" como justificações para promulgar uma lei de que manifestamente discorda. Como se houvesse algum nexo causal entre uma coisa e outra.
Pior: o Presidente, que tem sido extremamente parco em palavras sobre a crise, serviu-se desta "comunicação ao País" a propósito da lei que autoriza os casamentos homossexuais para aludir, insidiosamente, à "dramática situação em que o País se encontra" e aos "problemas que afectam gravemente a vida das pessoas". Temos, portanto, um Presidente aparentemente convertido ao marxismo: tal como Marx, também ele parece pensar que não é a consciência a determinar a vida mas as condições de vida a determinar os mecanismos da consciência.
Algo a ver com os casamentos entre pessoas do mesmo sexo? Absolutamente nada. Mas a campanha presidencial está quase à porta, o que leva o Presidente a pretender agradar a um maior número simultâneo de eleitores, como ficou transparente neste discurso justificativo que deu duas no cravo e três na ferradura. Um Cavaco surpreendente? Talvez não: o verdadeiro Cavaco, muito provavelmente, é mesmo este.