Só com seis meses e já cansado
Seis meses depois de ter tomado posse à frente do seu segundo governo, José Sócrates sabe melhor que ninguém que não chegará ao fim da legislatura. A culpa não é dos outros: é dele mesmo. Depois de ter governado quatro anos e meio com maioria absoluta, o primeiro-ministro foi incapaz de perceber que a política é a arte do possível. Ora é impossível governar durante outros quatro anos com a oposição simultânea da esquerda e da direita. E a benevolência do Presidente da República, seja quem for a partir do próximo ano, tem os dias contados.
Faz falta a esta frágil maioria socialista uma cultura de negociação. Uma das originalidades portuguesas é a ausência de uma política clara de alianças no Parlamento. Ter maioria absoluta, no quadro político europeu, não é uma regra - é a excepção. Quase todos os Estados membros da União Europeia são governados por coligações governamentais. Só a intransigência de Sócrates, surdo aos argumentos da esquerda e da direita, possibilitou esta aventura irresponsável: governar num grave cenário de crise sem acautelar apoios prévios no Parlamento.
Poderia e deveria tê-lo feito: a actual aritmética parlamentar permite-lhe isso. Mas o instinto de "animal feroz", que o incentiva a contínuas fugas em frente, impediu-o de agir como Mário Soares, que noutros momentos de crise não hesitou em aliar-se ao PSD ou ao CDS (então não havia Bloco e o PCP prometeu a São Lenine permanecer até à eternidade na oposição). Todos os grandes políticos europeus fizeram isso - até Winston Churchill, herói dos conservadores, esteve cinco anos coligado com os trabalhistas.
Seis meses depois, estamos mais pobres e endividados. Temos menos energia anímica e menos esperança no futuro. O ministro que parecia mais competente, Teixeira dos Santos, está hoje desacreditado depois de ter visto todas as suas previsões desmentidas pelos factos. Vieira da Silva, que foi um bom titular do Trabalho e da Segurança Social, cometeu o erro de ter aceite a transferência para a pasta da Economia. Os truques de retórica de Augusto Santos Silva, que faziam dele um eficaz ministro dos Assuntos Parlamentares, retiram-lhe autoridade de Estado para estar à frente do Ministério da Defesa. E até a antiga ministra-estrela Ana Jorge tem vindo a somar desaires em questões como o fecho das urgências de Valença e o medicamento unidose.
Este Governo chega ao fim do primeiro semestre já cansado - evidência que os dotes mediáticos do primeiro-ministro não consegue ocultar. É demasiado fácil augurar-lhe vida curta. E quanto mais tarde este PS que Sócrates transformou numa massa amorfa perceber isto mais longa será a sua futura travessia na oposição.
Ler, a propósito:
- Bolsa de Lisboa fecha com maior queda do ano.
- Portugal com a segunda pior classificação de risco da zona euro.