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Delito de Opinião

Spínola é menos que Gomes da Costa?

Pedro Correia, 23.04.10

Li em vários blogues críticas duríssimas à decisão da Câmara Municipal de Lisboa de homenagear o antigo presidente da República António de Spínola, atribuindo-lhe o nome a uma avenida. Ao contrário do que supus, os elogios foram mais escassos e tímidos do que as críticas. Portanto, aqui estou a defender a decisão do executivo camarário.
O marechal Spínola (1910-96) foi um grande militar, como reconhecem muitos que com ele trabalharam. Distinguiu-se como combatente em Angola e como governador da Guiné, o que foi reconhecido pelo próprio PAIGC, facto simbolicamente comprovado na visita que Nino Vieira lhe fez a Portugal, já estava ele muito doente. E foi o presidente da Junta de Salvação Nacional em 25 de Abril de 1974: a imagem dele surgiu na imprensa internacional como símbolo do “Portugal ressucitado” de que falava a canção. Entre Maio e Setembro, desempenhou as funções de Presidente da República – foi o primeiro Chefe do Estado após o derrube da ditadura.

São motivos suficientes para lhe atribuir o nome de uma nova avenida em Lisboa? Sim.

Claro que a longa vida de Spínola não decorreu sem erros. Revelou-se um péssimo político nos meses imediatamente posteriores à Revolução dos Cravos? Facto indiscutível. Mas se só homenageássemos figuras sem mácula, correspondentes aos períodos históricos enaltecidos pela correcção política, imensas ruas de todas as cidades permaneceriam sem nome. A História é o que é – e não o que gostaríamos que fosse. É feita de luzes e sombras, de ciclos que merecem leituras diferentes consoante os olhos que os analisam.
O Marquês de Pombal foi um dos maiores déspotas da nossa História – isso não impede que tenha direito a estátua e o seu nome figure numa das mais emblemáticas praças de Lisboa. “Africanistas” como Spínola, embora de outra época, constam também da toponímia mais nobre da capital – lembremos, a título de exemplo, a Avenida Mouzinho de Albuquerque, a Praça Paiva Couceiro e a Avenida General Roçadas.

Porque não há-de Spínola, símbolo do 25 de Abril, ser nome de uma via em Lisboa, cidade onde existe a Avenida Marechal Gomes da Costa, símbolo do 28 de Maio de 1926? Se outro presidente do período histórico a que se convencionou chamar Estado Novo, o marechal Craveiro Lopes, dá igualmente nome a uma avenida alfacinha, situada em pleno Campo Grande, porque não há-de o marechal António Sebastião Ribeiro de Spínola receber idêntica homenagem?

Santos, ao longo da História, houve muito poucos - e alguns deles talvez nem merecessem ser nome de uma artéria citadina. As ruas, praças e avenidas são imperfeitas, à semelhança dos homens e mulheres que hoje lhes dão nome. É sempre possível derrubar estátuas e retocar fotografias, ao melhor estilo estalinista, mas não é possível apagar a História. Spínola existiu, destacou-se na sua época, chegou a ser idolatrado por multidões - um símbolo de um Portugal que já não há.

E se Lisboa distinguiu Pina Manique com nome de largo, colégio e estádio porque não haveria de homenagear o primeiro presidente do Portugal democrático?

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