Confusão de uma 'pessoa humana'
Chama-se Isabel Moreira e escreve aqui. Escreve, por exemplo, sobre a «dignidade da pessoa humana» (o itálico é meu). Ou seja: escreve sobre a dignidade daquele grupo especial de gente que consegue essa coisa extraordinária de juntar a qualidade de pessoa à qualidade de ser humano. Sim, sim, essa gente especial que não devemos confundir com pessoas que são simples mortais e não seres humanos e menos ainda confundir com seres humanos confrangedoramente vulgares e que nada têm de pessoas.
Chama-se Isabel Moreira e escreve: «Eu insisto e insisto e insisto. Quando escrevo sobre estes temas não estou a pensar em Sócrates, mas no Estado de direito. Todos têm direito ao bom nome e à privacidade. E a imprensa tem de respeitar as decisões judiciais.» Claro que não é por insistir e insistir e insistir e por não pensar em Sócrates que tem razão. É evidente que todos têm direitos e todos têm deveres, mas o que caracteriza um Estado de Direito democrático é precisamente o direito de não cumprir os deveres, sejam leis ou sejam decisões judiciais. Contrapõe-se a esse direito o risco de assumir o incumprimento, como é óbvio. E contrapõe-se ao invocado respeito pelas decisões judiciais o direito ao recurso a instâncias judiciais superiores, bem como a possibilidade de alcançar revogação de decisões judiciais anteriores.
Por outras palavras: ao direito de um não corresponde necessariamente um dever de outro; ao direito de um pode opor-se um direito de outro. Com uma excepção corriqueira, talvez: o direito de escrever sobre certos temas é capaz de implicar o dever de conhecer um pouco mais.