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Delito de Opinião

O T.P.C.

Teresa Ribeiro, 08.01.09

Por termos sido um dia alunos, todos nos consideramos de alguma forma experts em matéria de Educação. A experiência que tivemos nesses tempos enquanto avaliadores, admiradores, detractores e nos casos mais rebeldes "torturadores" de professores autoriza-nos, pensamos nós, a formular um juízo acerca do que se passa hoje nas escolas. Acreditamos também que a natureza humana não muda, apesar das circunstâncias mudarem, e que uma selva é uma selva, em qualquer época, em qualquer lugar.

Foi nessa presunção que fui consolidando a minha própria avaliação dos professores que se dizem vítimas da indisciplina que grassa nas escolas. As minhas opiniões baseavam-se fundamentalmente numa convicção: a de que os alunos só respeitam quem sabe exercer autoridade e quem demonstra ter conhecimentos e vocação para ensinar. Partindo dessas premissas, a minha conclusão era óbvia: os professores que mais se queixam são incompetentes e os responsáveis naturais pelo clima de instabilidade que se foi instalando nas salas de aula. Os outros, os que têm qualidade, mantêm tudo sob controlo com relativa facilidade.

Para aferir da aplicação destas minhas linhas de raciocínio à realidade actual fui tendo a preocupação de fazer, sempre que se proporcionou, um rastreio junto dos adolescentes que conhecia. Os resultados eram, a meu ver, sempre compatíveis com os meus pontos de vista.

Mas há dias vi um filme que desmontou tudo o que eu tinha por adquirido. Em A Turma, no original Entre les Murs - a admirável película de Laurent Cantet, premiada o ano passado em Cannes com a Palma de Ouro e candidata ao oscar de melhor filme estrangeiro - a que todos devíamos assistir como se de um T.P.C. se tratasse, apresentou-me como protagonista um professor com todos os predicados que eu julgava suficientes para o bom exercício das suas funções. Revelava empenho, interesse, conhecimentos e capacidade de liderança, em suma, tinha tudo a seu favor, mas nem por isso deixou de ter problemas nas suas aulas.

Rompendo corajosamente com o ritmo que é mais adequado à acção cinematográfica, Cantet entra num registo próximo do documentário em que a dramatização existe unicamente para servir a realidade que pretende transmitir. A narrativa é espartana, despojada de enredos paralelos que nos permitam saber mais acerca das personagens e com elas criar uma empatia que nos distraia do que realmente se passa na sala de aula.

Como uma lição bem dada, a mensagem do filme chega-nos com a força de um manifesto: afinal não basta a um professor ter competências técnicas e humanas para usufruir de uma vida tranquila na escola.

Sem querer escamotear os problemas que decorrem da falta de preparação de muitos (arrisco a dizer demasiados) professores, o que eu aprendi naquela aula é que ao contrário do que se passava no meu tempo de estudante liceal, a noção de hierarquia perdeu-se (mercê das reformas educativas delirantes que foram retirando aos poucos a autoridade aos docentes).

Os rebeldes do meu tempo, quando desafiavam, desafiavam a autoridade, por isso quem sabia exercê-la podia aspirar a uma docência sem incidentes de maior. Hoje o conceito de autoridade quase não existe na escola. Aquela insolência a que assisti em A Turma é diferente da que eu conhecia. Os olhos destes miúdos - a acção passa-se em França, mas facilmente se intui que o quadro é em tudo idêntico ao nosso - têm raios laser, como os dos bonecos dos jogos vídeo. E atiram a matar.

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