Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

15 milhões de euros contra o racismo

jpt, 04.02.21

AR.jpg

A Assembleia da República insta o governo a dotar com 15 milhões de euros uma campanha propagandística - à qual chama, neste português "depurado" tão actual, de "publicidade institucional" - contra o racismo. Será pertinente a campanha e será adequada a quantia? O montante poderá ser avaliado em termos da realidade que servirá para enfrentar. Ou seja, é Portugal um "país racista" - como a campanha político-académica vem clamando - ou um país com racismo, como quase ninguém profere? É o racismo uma categoria essencial da sociedade portuguesa ou surge apenas em feixes de práticas e concepções?

Seja como for, a ponderação da quantia depende de como olharmos para a realidade circundante: 15 milhões de euros é menos do que o Sporting Clube de Portugal acabou de gastar para adquirir o avançado Paulinho. Ou seja, não é muito dinheiro, e isso apontará para que o problema não é visto na Assembleia da República como muito gravoso. Mas, ao invés, 15 milhões de euros é o montante que foi atribuído pelo governo para apoiar toda a comunicação social nacional face à gigantesca crise devida ao Covid-19. Então, se visto através desse prisma, torna-se muito dinheiro, e sinaliza uma extrema importância do racismo português nas considerações da Assembleia da República. 

Mas muito interessante é a formulação da instrução parlamentar ao executivo. Que planeie (e financie) uma campanha no valor de 15 milhões de euros em "estreita colaboração com associações antirracistas e representantes das comunidades racializadas", visando "integração e empoderamento" de algumas entidades consideradas como "comunidades imigrantes" indiscriminadas e outras (autóctones, presume-se) entidades ditas "minorias étnicas", a saber a "afrodescendente", a "romani" ("cigana" parece ser termo vetado) e, mais surpreendente do que tudo, "outras". Quais "outras" comunidades étnicas não imigradas, pergunta-se diante de um texto de valor jurídico?  A mirandesa, assumindo a velha crença de que a língua funda a nação? Ou seja, a etnia e assim dita "minoria"? E já nem refiro este espantoso criacionismo estatal, o de encontrar uma "etnia" - minoritária, claro - "afrodescendente".

Mas isso, o atrapalhado e ignaro formulado da Assembleia da República, até será minudência. Ao longo do último ano e meio tem havido grande agitação política em torno deste tema - e teria sido maior se não houvesse pandemia. Utilizando uma feroz demagogia, patente de modo desbragado na utilização de dois assassinatos, um em Bragança e outro em Moscavide,  logo crismados como "crimes raciais" denotativos de violência racial contínua no país. Isto enquanto se elidiam putativas (de facto, meramente hipotéticas) dimensões raciais em outros dois assassinatos acontecidos em formato muito similar - isto num país que, felizmente, tem baixos índices de criminalidade, apesar das tropelias aldrabonas de Ventura e seus sequazes. Recordo, um asssassinato de um branco por três negros e o de um branco por alguns ciganos. Entenda-se, a desconsideração da hipótese de um móbil racial nestes outros crimes mortais não adveio dos seus motivos explícitos (roubo, questiúncula passional) mas sim ao dogma desta corrente de agit-prop: as "comunidades racializadas" são desprovidas de racismo.

Várias vezes o referi ao longo desse tempo, esta campanha tem um mote ideológico e um fundamento económico, um fervor marxizante e um afã patrimonial, sendo este o verdadeiro motriz dos intelectuais euro/afrodescendentes em busca de acesso a recursos estatais, por via de subsídios ou empregabilidade. O mote destas estratégias demagógicas é de constituir comunidades políticamente congregadas, transformar as "raças-em-si" em "raças-para-si" para usar o velho lema marxista. E o ideário político dessa "luta" também surge explícito: a deputada Moreira clama pela presença de comissários políticos na orgânica estatal que tutela a Cultura, o dr. Ba apela à constituição de milícias de auto-defesa e exige o policiamento comunitário. Restam dúvidas do que está subjacente, do modelo político que esta gente quer? A colaboração de académicos, em particular de antropólogos e de cultores de uma história antropológica (para assim a nomear) também não engana: se cerca dos 1960s campeou a ideia de que Filosofia e Sociologia eram os saberes adequados para promover a luta de classes, ergueu-se agora a ideia de que a Antropologia é o saber que alimenta a luta dos povos. E os campi rejubilam, tal como o fizeram há 50 anos... É, e com evidência, o velho "radicalismo pequeno-burguês de fachada ... identitarista", para glosar o célebre título de Cunhal.

De facto, a afirmação actual - "imaginação" - dessas "comunidades" ditas étnicas é potenciada por alguns académicos-activistas. E por "representantes das" (tais) "comunidades racializadas", dotados de capital cultural (muitas vezes com galões académicos) traduzível em potencial mediático. O processo é análogo ao da tribalização africana acontecida durante os regimes coloniais novecentistas, do ordenamento administrativo das populações através de inventadas entidades "tribos" (também ditas "etnias"). Uma categorização que foi construída por antropólogos, historiadores, administradores e similares, fundamentalmente por aqueles muito ligados ao poder político - como agora, onde nesta "causa" abundam os intelectuais dependentes do Estado, tantos deles em situação precária. E, mais do que tudo, por elementos dessas populações, os "evolués" ("assimilados" em português) - análogos agora a estes intelectuais "...descendentes" armados do seu Fanon ou similares -, tantos então brotados do ensino missionário. E ainda pelas "autoridades tribais", ditas "tradicionais", potenciadas e quantas vezes criadas pelo ordenamento colonial - análogos agora aos ditos "representantes das comunidades racializadas". Ou seja, o processo actual de afirmação de "etnias" (também ditas "minorias") e de "raças" é bem similar, nos seus locutores, àquele criacionismo colonial, subordinado a agenda política.

Enfim, esta histrionização demagógica do racismo como vector fundamental da sociedade portuguesa tem muito de mimetização da sociedade americana - patente na disparatada assunção de um recente assassinato nos EUA como retrato da situação portuguesa. E também por isso se trata no seu cerne de fazer opor "negros" e "brancos", umas agora "etnorraças" com até boçal obscurecimento das distinções dos velhos conceitos "raça" e "etnia", e com fastio pelas distinções que escapam a esse binómio central às questões sociológicas nos EUA.

Mas trata-se, acima de tudo, da reclamação - quantas vezes apenas ignorante de irreflectida, como é escandalosamente afixado pela recém-candidata presidencial Gomes - da adopção de um modelo comunitarista de sociedade, oriundo do secularismo do modelo anglo-germânico e avesso à laicidade republicana que adoptámos. Mas, bem no fundo, vem muito mais de factores económicos, o célebre "It's the economy, stupid!". Pois pequenos nichos procuram acesso a recursos estatais. São os "intelectuais orgânicos", sôfregos na busca de financiamentos estatais, são estes "representantes", alçados pelo seu capital educacional e pela sua associação com esses "intelectuais orgânicos" (como seus antepassados o foram dos missionários).

Ganharam agora alento: o tacticismo do PS de Costa, que tanto apoiou política e mediaticamente o advento da cisão no BE, dita LIVRE, recompensa-os com 15 milhões de euros. Para serem gastos nos seus discursos comunitaristas - inventores de putativas etnicidades, constitutivos de oposições raciais, "performativos" de divisões racializadas e, assim, produtores de vero racismo -, em "estreita colaboração com associações antirracistas e representantes das comunidades racializadas". Completamente avessos a considerações universalistas, não-racialistas. Que não lhes dariam acesso a bens, económicos e estatutários.

Enfim, na sua modorra intelectual, a Assembleia de República atribui 15 milhões de euros, para os académicos/jornalistas a la Jugular, para as redes de alguns institutos públicos de investigação, para os epígonos de Ba & Moreira. Menos do que o que Sporting gastou com o Paulinho! O mesmo que o Estado atribui para recuperar a imprensa nacional!

Há quem concorde. Pois é o governo que temos, o PS que temos. E neste ambiente a demagogia ganha.

1 comentário

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.