Propaganda em hora de luto
Durante um par de horas, fui acompanhando, quase incrédulo, as imagens dramáticas que nos chegavam da Madeira após dez horas consecutivas de chuva torrencial. A fúria da água, transportando incalculáveis quilos de lama, transformou ruas, praças e avenidas em violentos caudais que arrastavam tudo quanto surgia pela frente. A Avenida Arriaga, a Rotunda Sá Carneiro, a Rua 5 de Outubro, a Marginal do Funchal totalmente irreconhecíveis. A ponte junto ao Mercado dos Lavradores destruída. Horas de pânico na capital madeirense e também na bela vila da Ribeira Brava. O aeroporto de Santa Catarina fechado, o porto do Funchal também. Balanço provisório da tragédia: 32 mortos. Infelizmente com tendência para aumentar, pois é grande o número de pessoas desaparecidas.
Portugal está de luto. Portugal inteiro? Não: algures no Porto, a meio da tarde, um político fala aos militantes do seu partido, com direito a transmissão directa no canal público de notícias. Pura acção de propaganda, ao jeito a que este político já nos habituou. E que diz ele? Repete que os jornalistas cometeram "crimes" ao divulgar escutas telefónicas. Proclama, como se ele próprio acreditasse nisso, que Portugal "foi dos primeiros países a sair da recessão técnica" e que "podemos esperar crescimento económico já em 2010". Empolgado pela sua própria oratória, afirma: "Aumentámos o défice para evitar que o desemprego subisse." Estranhamente, sem escutar um coro de gargalhadas na sala.
O político a que me refiro é José Sócrates. Insensível à tragédia ocorrida numa parcela do território nacional, teimou em manter o discurso aos militantes do seu partido, como se a hora não fosse de luto. Confirma-se: para ele a propaganda está sempre em primeiro lugar. Nunca conseguirei espantar-me o suficiente com a falta de sentido de Estado deste homem.