República: o busto e o 'marketing'
Foi por este post aqui mais abaixo, do Sérgio de Almeida Correia, que fiquei a saber que o escultor João Cutileiro defende a mudança do busto da República. O País parece não estar muito interessado nisso e a verdade é que os portugueses têm muito mais com que se preocupar do que descobrir uma nova polémica totalmente inútil para o bem-estar nacional, cada vez mais afastado.
Na notícia que serviu de base ao post, Cutileiro diz que lhe faz «muita impressão que o nosso busto da República seja uma cópia do francês». Ora, é verdade que o busto oficial, de Simões de Almeida (sobrinho) e criado ainda antes da implantação da República (quem serviu de modelo morreu há não muitos anos), é inspirado no modelo francês da época, o que se justifica pela influência que os franceses tiveram na nossa mudança há cem anos, como um século antes também tiveram na implantação do nosso regime constitucional, quando o liberalismo pôs fim ao absolutismo.
Porém, vale a pena lembrar que os primeiros republicanos no poder deram ao busto nacional outro ar, com um objectivo bem específico. Percebendo que o poder judicial lhes era pouco favorável, mandaram executar algumas cópias que rapidamente fizeram chegar aos tribunais superiores ainda em 1911 (e que foram depois alargadas a outros), com uma característica muito especial: o rosto e postura da República intencionalmente parecidos com a deusa da Justiça, como que a fazer crer que a Justiça e a República se confundiam e estavam unidas por natureza. Esperavam eles, com isso, que o novo poder político passaria a contar com o apoio dos juízes, que se mantinham intransigentes quanto ao cumprimento das leis.
A ingenuidade da ideia teve pouco – se algum – sucesso. Também a maioria desses bustos em gesso aparentados com a alegoria da deusa Témis não resistiram ao tempo, mas alguns tribunais ainda conservam o seu exemplar, como acontece com o Supremo Tribunal de Justiça, e o facto histórico pode servir para que a representação da nossa República seja vista como um modelo próprio (protagonista deste episódio insólito) e não como obra importada.
Histórica é também a ingénua e gorada acção de charme daqueles republicanos junto dos magistrados judiciais, há um século. A iniciativa constitui um verdadeiro caso de marketing político, muito antes de o mundo saber o que o marketing viria a ser.

