Haiti: haverá um amanhã?
"Estava sentado na minha cama, navegando na internet, quando me apercebi do silêncio, logo seguido de um estranho rugido. Julguei que fosse um camião-cisterna a passar. Mas, tem graça, pensei - parece mais o som de um tremor de terra."
Foi assim que Jonathan Katz, correspondente da Associated Press em Porto Príncipe, iniciou o seu impressionante relato, na primeira pessoa do singular, do sismo que no dia 12 de Janeiro levou a tragédia ao Haiti. Katz, de 29 anos, não é um jornalista qualquer: radicado há dois anos no país, aprendeu a falar crioulo, idioma dominante entre a população do Haiti, e tinha a particularidade de ser o único correspondente estrangeiro ali a viver com carácter permanente, fornecendo despachos para todos os grandes órgãos de informação mundiais. A Porto Príncipe têm desaguado por estes dias legiões de repórteres oriundos dos mais diversos países, vários dos quais nunca haviam sequer sonhado desembarcar ali. Mas só ele pode testemunhar com precisão tudo quanto aconteceu desde o início.
Este desinteresse dos media internacionais pelo Haiti revela bem como é fatal para a qualidade informativa o desinvestimento nas redes de correspondentes e no envio regular de equipas de reportagem para fora do estreito perímetro das cidades onde se editam jornais, rádios e televisões. É uma consequência paradoxal da globalização: quanto mais se diluem as fronteiras entre países e continentes, tanto mais viramos as costas a realidades a que nos julgamos alheios mas que nos tocam fundo em momentos de crise grave. Porque o que sucedeu lá, naquelas proporções dantescas, pode acontecer amanhã noutra latitude. Pode também acontecer aqui.
Katz estava lá. Pôde relatar-nos, em primeira mão e com conhecimento de causa, como o inferno se abateu em poucos segundos sobre este país que poderia ser um pequeno paraíso. "A delegação da AP, uma nota de rodapé na devastação, é uma ruína inabitável, à beira do colapso. Uma cidade inteira grita por socorro. Consegui finalmente deter-me na internet tempo suficiente para me aperceber que alguns destes apelos terão resposta, de uma forma ou de outra. Mas o que acontecerá após esta ajuda, como muito do que existia aqui, desaparecer? Haverá um amanhã?"
É a pergunta, dramática mas inevitável, que fica a repercutir na mente de qualquer leitor que percorra estes parágrafos transbordantes de emoção. Haverá um amanhã para o Haiti? Haverá um amanhã para países forçados a enfrentar catástrofes naturais somadas à criminosa negligência dos homens? Haverá um amanhã para um jornalismo cada vez mais distante das parcelas do globo que só conseguem ser notícia quando são varridas pela tragédia?