Um país em escombros
Em 1948, Truman Capote visitou o Haiti e escreveu um magnífico texto sobre o país, já então um dos mais pobres do mundo, a sua população e a capital, Porto Príncipe, dominada pela "catedral azul-celeste" e pelo cemitério, "grande jardim branco de pedra, uma cidade dentro da outra".
Hoje são diferentes as imagens que nos chegam do Haiti: a grande catedral está parcialmente destruída e o vasto cemitério é incapaz de acolher o número interminável de vítimas de um dos mais devastadores sismos de que há memória. Sinto um nó na garganta enquanto vejo as fotografias que vão chegando da Associated Press à minha mesa de trabalho: muitas reflectem um horror indescritível.
Regresso ao texto de Capote, integrado em Os Cães Ladram, fabuloso livro de crónicas e memórias de pessoas e lugares. "De modo geral, os haitianos são pobres; contudo, a sua pobreza não se reveste daquela atmosfera malévola, mesquinha, que envolve a pobreza que exige a manutenção das aparências. Sempre me aborrece um tanto quando um lugar-comum repisado se revela verdadeiro; nem por isso deixa de ser um facto, creio eu, que as pessoas mais generosas são aquelas que menos têm para dar. Quase todo o haitiano, quando faz uma visita, se despede com alguma pequena lembrança, em regra bastante singular: uma lata de sardinhas, um carrinho de linhas. Mas são dádivas oferecidas com tanta dignidade e delicadeza que, ali, as sardinhas contêm pérolas, a linha é de pura prata."
Hoje os haitianos necessitam, mais que nunca, das dádivas do mundo inteiro - necessitam e merecem. Para que a esperança renasça dos escombros. Em nome da generosidade inata deste povo mártir. E em nome da mais elementar dignidade humana.
Ler:
- Notas haitianas. Do Eduardo Pitta
- O voyeurismo da tragédia. Do Francisco José Viegas
- Banalizando o mal absoluto. De José Adelino Maltez