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Delito de Opinião

Imperdoável

Ana Vidal, 06.01.10

 

A notícia mais arrepiante que tenho ouvido nos últimos tempos - e todos sabemos como eles têm sido férteis neste género de notícias - foi-me repetida hoje, até à exaustão, em todos os noticiários do dia: "No espaço de tempo de apenas doze horas, nove idosos foram encontrados mortos nas suas casas, na área de Lisboa". Nove. O número é tão insólito que a polícia estranhou e, a mim, deu a imediata sensação de tratar-se de crime. Um qualquer sádico exterminador de velhinhos, marcando riscos na coronha logo nos primeiros dias do ano. Mas não. O serial killer é um velho conhecido nosso e chama-se, simplesmente, Abandono. O apelido? Solidão. Nada de tão plástico como um enredo policial, nada de tão enigmático como a mente perturbada de um psicopata urbano entregue aos seus delírios. Apenas um triste apontamento caseiro, num dia de chuva sem grandes dramas internacionais. E no entanto, mais do que os mais sangrentos massacres humanos ou os mais terríveis desastres ecológicos, esta "pequena" notícia nacional deixou-me de rastos. Todos temos, ou tivemos, pelo menos um velhinho que nos é querido. Imaginemo-lo a morrer assim, completamente sozinho: de frio (porque o dinheiro não chega para o aquecimento); de fome (porque a pensão mal chega para os medicamentos); ou tão somente de solidão e desistência. Sem poder despedir-se de quem gosta, tocar numa mão alheia, deixar um sorriso ou uma lágrima a outra testemunha que não as paredes e o tecto esburacado. Se fosse o "nosso" velhinho, como nos sentiríamos? Criminosos. Não há outro nome para quem abandona assim os seus velhos, só porque já não são úteis ou representam um espelho incómodo do seu próprio futuro. É o que somos, então. Um país que deixa morrer ao abandono os seus cidadãos mais frágeis, negando-lhes a última dignidade a que têm direito, é um serial killer. E o pequeno apontamento caseiro dos noticiários de hoje era, afinal, sobre um crime.

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