Os críticos também se enganam
Pedro Correia, 02.01.10
A crítica influencia o público. Mas o público também pode influenciar a crítica – e de que maneira. Há um exemplo já considerado clássico no cinema – o de Psico, de Alfred Hitchcock. Quando se estreou, em 1960, os críticos de serviço nos Estados Unidos zurziram sem piedade esta longa-metragem atípica do mestre do suspense. “Uma mancha numa carreira honrosa”, houve quem escrevesse, enquanto não faltou mesmo quem comparasse esta obra-prima do cinema de terror a “um daqueles espectáculos de televisão feitos para preencher duas horas”. O New York Herald Tribune publicou uma das críticas mais ambíguas: “É bastante difícil divertirmo-nos com a forma que a insanidade mental pode assumir.” Podia estar a referir-se a Norman Bates, a personagem desempenhada pelo actor principal, Anthony Perkins. Mas também podia estar a referir-se ao próprio realizador.
O mais prestigiado crítico norte-americano dessa época, Bosley Crowther, não fugiu ao tom geral. “Horrível” – foi o termo severo que usou na sua análise à película, publicada em 17 de Julho de 1960 no New York Times.
Algum desses textos influenciou o público? Aparentemente, não. Psico foi um sucesso de bilheteira desde o primeiro instante. Não só nos Estados Unidos, mas também no Canadá, na América do Sul, na França, no Reino Unido e até no Japão. Tornou-se um dos filmes a preto e branco com mais lucro de sempre e fez de Hitchcock um multimilionário.
O retorno das bilheteiras pareceu ter influenciado os críticos, que passaram a ver o filme com outros olhos. A revista Time, que na estreia acolhera Psico com palavras duras – “Hitchcock tem a mão demasiado pesada” – passou a chamar-lhe “superlativo”. E até o exigente Crowther deu o braço a torcer, mencionando-o, no fim do ano, na sua lista dos dez melhores filmes de 1960. A obra era a mesma: só os olhos que a viam tinham mudado.
Era o início de uma consagração que chegou até hoje. Psico, a tal peliculazinha equiparável a uma série televisiva, figura em 18º lugar na lista das cem melhores longas-metragens de sempre do Instituto do Filme Americano. Só outras duas se integram no género terror e figuram em lugares bem mais recuados: O Silêncio dos Inocentes (65º) e Frankenstein (87º).
«Os filmes de Hitchcock lidam com o mal sob a forma de ganância, violência, ocorrências naturais destruidoras e guerra. (...) Em Psico não nos deparamos com um ou dois apontamentos de terror – o filme inteiro é construído em torno do terror’», sublinha Philip Tallon no ensaio ‘Terror, Hitchcock e o Problema do Mal’, inserido no livro A Filosofia Segundo Hitchcock (Estrela Polar, 2008). Hoje pode-se escrever isto sem receio de contraditório. Por alturas da estreia, estas linhas arriscar-se-iam a ser ridicularizadas pelos mais exigentes críticos de cinema. Nenhum deles tinha razão. O público é que estava certo.