Espelho do país
A EDP - Electricidade de Portugal de Portugal S.A. é uma empresa que afirma ter "por missão produzir bem estar e aumentar a qualidade de vida e do ambiente, promovendo o optimismo e o dinamismo social" e cujos "princípios e políticas definidos para o Grupo são o reflexo da aplicação da Visão, dos Compromissos e da estratégia a determinados temas corporativos transversais a todos os negócios em que a EDP pretende posicionar-se de forma distintiva".
A linguagem pode parecer esotérica, mas talvez por isso mesmo é que a empresa tenha uma multiplicidade de órgãos, de conselhos e de departamentos, e milhares de colaboradores, prosseguindo, diz ela, princípios e políticas de "ética e de conduta", de "desenvolvimento sustentável", de "protecção pelo ambiente", de "biodiversidade", de "segurança", de "formação", de "comunicação", de "respeito pelos direitos humanos", de "combate às alterações climáticas" e de "combate à corrupção, suborno e financiamento de partidos políticos". Para além disso, afirma ter um código de ética, um provedor e está presente em vários continentes.
Em suma, à escala empresarial, a EDP é como que uma espécie de Estado, só que bem mais rico. E, como de repente se percebeu, com a vantagem de ter poucas ou nenhumas responsabilidades.
No meio desta babilónia, tal como o Estado ignora os seus contribuintes, a EDP despreza os seus consumidores nos momentos de aflição, limitando-se a fazer o básico, como seja o restabelecimento do serviço interrompido.
São de há muito as queixas dos consumidores, obrigados a contratarem com a EDP para terem electricidade nas suas casas, de que a qualidade do serviço prestado é má, que as falhas de energia são mais frequentes do que o admissível, mesmo quando não há chuva nem vento, que a factura é normalmente elevada e que quando há problemas a empresa é a primeira a enjeitar responsabilidades. A culpa pelo mau serviço que presta ou é do frio, ou do calor, ou do vento, ou de uma cegonha irresponsável que pousa onde não deve e dá cabo da rede.
Depois do temporal que assolou a região do Oeste, que deixou milhares às escuras e ao frio durante o Natal, ontem fomos de novo confrontados, à hora do jantar, invariavelmente, com as queixas, justíssimas, dos consumidores do Prior Velho (Lisboa), sendo certo que tanto quanto se sabe por aqueles lados não houve nenhum furacão.
Eu até posso aceitar como explicação que as falhas na região do Oeste tenham origem nas más condições climatéricas, mas custa-me bem mais compreender por que razão a luz falta constantemente em Cascais e as quebras de serviço são rotineiras em Lisboa ou em Faro, incluindo em dias de bom tempo.
Não são poucas as vezes em que no escritório fico sem computador. No Verão dizem-me que é porque o quadro não aguenta os aparelhos de ar condicionado. No Inverno o problema é do frio, porque a EDP não pensou que seria desconfortável trabalhar gelado a uma secretária. E não são poucas as vezes, no final do dia, quando chego a casa e dou com os vídeos e os despertadores a piscarem, com o gelo semi-derretido e os congelados com vestígios de terem iniciado um processo de descongelação à minha revelia. E, pior do que isso, houve uma ocasião em que fiquei com o Arcam Alpha sem dar sinal de vida. A culpa, disseram-me depois da reparação, foi, de novo, de uma quebra de corrente.
Para a EDP tudo isto é normal. Para os portugueses também deve ser. Quem não pode passar sem a EDP e aceita o serviço prestado sem reclamar; quem todos os meses paga sem tugir nem mugir a conta da electricidade, não considera anormal o preço leonino das tarifas e das taxas cobradas, e aceita os aumentos como uma inevitabilidade, também não deve merecer mais nem melhor.
A EDP é, desgraçadamente, a imagem deste país: uma estrutura pesada e altamente burocratizada que está sempre a queixar-se dos investimentos que faz, paga por dez milhões e que derrete muitos outros em publicidade e marketing, enquanto meia dúzia se vai governando com os resultados e os dividendos, sem grandes trabalhos nem complicações de maior, mas que é incapaz de prestar um serviço à altura da cultura empresarial que promove e da imagem que quer dar de si.