Neste tempo onde as modas florescem e falecem a uma velocidade estonteante, poucos escritores assistem a uma glória póstuma semelhante à de Albert Camus. Quando faltam poucas semanas para ser assinalado o 50º aniversário da sua trágica morte, num brutal acidente rodoviário, anunciam-se novos lançamentos editoriais em Paris que se destinam a iluminar o legado do autor d’ A Peste: um vasto Dictionnaire sobre a sua obra, com 992 páginas; Les Derniers Jours de la Vie d’ Albert Camus, de José Lenzini, com a chancela da editora Actes Sud; e a biografia elaborada pela sua filha Catherine, para a editora Lafon, que promete imagens e documentos inéditos, sob o título Solitaire e Solidarie. Título perfeito que vem juntar-se a tantos outros dedicados ao vencedor do Nobel da Literatura de 1957, de quem Jean-Paul Sartre – que foi seu amigo antes do tão propalado corte de relações entre ambos, em 1952, por divergências políticas – chegou a censurar por escrever “demasiado bem”.
Militante comunista em 1934, na sua Argélia natal, de pai operário e mãe analfabeta, Camus rompeu com o marxismo ao tomar conhecimento dos crimes de Estaline. Ao contrário de Sartre, e remando contra os postulados de Marx, rejeitou o conceito de “violência progressista” insurgindo-se contra os totalitarismos de todos os matizes e o terrorismo como forma de acção política com o mesmo vigor com que, enquanto jovem jornalista, se indignara contra a exploração colonial nas páginas do Alger Républicain com uma série de reportagens na Cabília que deixaram rasto. Ficou célebre a sua declaração proferida em 1957 na Suécia, quando ali se deslocou para receber o Nobel: “Neste momento, lançam-se bombas sobre os eléctricos em Argel. A minha mãe poderá ir num desses eléctricos. Se isso é a justiça, prefiro a minha mãe.” As bombas da Frente de Libertação Nacional, que se opunha ao domínio colonial francês, eram a seu ver tão injustificadas como os tiros mortais contra os dispersos soldados alemães que restavam em Paris após a Libertação, em Agosto de 1944. “Uma vez mais a Justiça tem de ser comprada com o sangue dos homens”, protestou num célebre editorial do Combat. Eis um tema recorrente na sua obra literária e jornalística: os fins não justificam os meios.
A memória deste homem que desconfiava de todos os poderes é hoje cortejada pelo poder político: o presidente Nicolas Sarkozy anunciou a intenção de transferir os seus restos mortais da aldeia de Loumarin, na Provença, para o Panteão – honra apenas concedida, na última década e meia, a André Malraux (1996) e Alexandre Dumas (2002). Proclama-se admirador da sua obra, a tal ponto que quis conhecer a praia de Tipaza, cenário de uma cena capital d'O Estrangeiro – um livro que não cessa de ser campeão de vendas – durante uma recente visita oficial à Argélia. E foi ao ponto de sublinhar: “Graças a Albert Camus, sinto a nostalgia, cada vez que venho à Argélia, de não ter nascido no norte de África.” Palavras que poderiam ser subscritas por milhares de admiradores do escritor. Camus está na moda - o que não deixa de ser irónico, pois ele definia o intelectual como "um homem que sabe resistir à moda dos tempos". A explicação para isto pode ser encontrada no inesquecível obituário que Sartre lhe dedicou no France-Observateur, a 7 de Janeiro de 1960: "O seu humanismo teimoso, estreito e puro, austero e sensual, travava um combate incerto contra os acontecimentos maciços e disformes deste tempo. Mas, inversamente, pela espontaneidade das suas recusas, reafirmava, no coração da nossa época, contra os maquiavelismos, contra o bezerro de ouro do realismo, a existência do facto moral."