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Delito de Opinião

Da condição feminina

Ana Vidal, 03.12.09

 

«E ainda há idiotas que pretendem que a nossa época é falha de poesia, como se não tivesse os seus surrealistas, os seus profetas, as suas estrelas de cinema e os seus ditadores. Pode crer, Philip, que aquilo de que somos falhos é de realidades. A seda é artificial, os alimentos, detestavelmente sintéticos, assemelham-se àqueles sucedâneos de comida com que empanturram as múmias, e as mulheres, esterilizadas contra a infelicidade e a velhice, deixaram de existir. Só nas lendas dos países semibárbaros encontramos ainda dessas criaturas ricas em leite e em lágrimas das quais nos orgulharíamos de ser filhos... Onde foi que me falaram de um poeta que não conseguia amar mulher alguma porque tinha encontrado Antígona numa outra vida? Era um tipo do meu género... Umas tantas dúzias de mães e de amorosas, de Andrómaca a Griselda, tornaram-me exigente em relação a essas bonecas inquebráveis que passam pela realidade.»


  "A salvação de Wang-Fô e outros contos orientais"

 

Este magnífico trecho de um dos magníficos contos da magnífica Marguerite Yourcenar (perdoem-me a insistência, mas nunca resisto à hipérbole quando me refiro a ela) bem pode fazer-nos reflectir sobre o artificialismo em que nos fomos deixando cair, nós, "criaturas ricas em leite e lágrimas" encurraladas na armadilha da eterna juventude e da felicidade permanente, como se só esses estados fossem admissíveis. Na recusa patética do envelhecimento e na incapacidade de aceitarmos o sofrimento que nos cabe, como coisas naturais, será que nos transformámos em "bonecas inquebráveis"  que passam pela realidade sem se deixar marcar nem deixar marca?  Como nos vêem os homens exigentes, após o prazer imediato e  óbvio de uma aparência agradável? Como nos vemos nós, quando o espelho não nos mente? Ou será que é melhor não pensarmos muito no que pode trazer-nos cabelos brancos e rugas?

 

 

PS: A propósito (mas sem ter sido planeado), esta notícia que acabei de ouvir e me arrepiou. E mais esta, que alarga o universo aos homens também.

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