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Delito de Opinião

Tudo serve para 'reality show'

Pedro Correia, 17.11.09

Não pode haver maior dor na vida de um pai do que perder um filho. Quando um filho com oito meses de gestação, prestes a nascer, morre no ventre materno estamos perante um drama que marca para sempre qualquer mulher - e também qualquer homem que sonhou ser pai. Foi isso que aconteceu há dias, em Portalegre. Pelo menos um canal de televisão mostrou-nos esse pai lavado em lágrimas, falando entre soluços convulsivos, num momento dramático da sua existência. Dias antes a mulher fora vacinada contra a gripe A e o homem procurava naquele instante uma relação de causa-efeito entre a vacina e o óbito, tanto mais que até aí a gestação decorrera sem qualquer problema. Qualquer pessoa faria o mesmo perante aquele golpe traiçoeiro do destino.

Achei revoltante que esse canal de televisão - nem fixei qual é - tenha dado tempo de antena, naquela ocasião precisa, a uma pessoa que se encontrava sob um evidente choque emocional. Manda o código deontológico dos jornalistas que não sejam recolhidos depoimentos nestas circunstâncias. Infelizmente, esta norma está a tornar-se letra morta. Pelo contrário, quanto maior for hoje a oportunidade para explorar despudoramente as circunstâncias dramáticas na vida de qualquer de nós, lá está um microfone estendido, lá está uma câmara ligada, lá está um repórter mandatado por uma chefia fechada num gabinete qualquer - tudo pronto a servir as emoções alheias ao domicílio.

Como se todos os pormenores da vida íntima de cada um fossem um interminável reality show em sessões contínuas. Haverá quem chame jornalismo a este espectáculo indecoroso. Eu não.

 

ADENDA:

Ler esta excelente crónica do Ferreira Fernandes.

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