Estamos a sair do armário!
Ninguém pode dizer, honestamente, que se espanta com o que se foi sabendo pelos jornais acerca de casos como o Apito Dourado, Operação Furacão, Freeport e agora o Face Oculta. Tráfico de influências, corrupção, nepotismo sempre foram parte integrante da nossa realidade. Todos nos reconhecemos como naturais do país das cunhas, da fuga ao fisco e do gamanço de material de escritório. Quem nunca pediu favores a um tio ou nunca se lamentou por não ter um tio a quem pedir favores que atire a primeira pedra.
Cresci a ouvir familiares, amigos, colegas, taxistas e até políticos em campanha a perorar contra "eles". Percebi cedo que dizer "sistema" era apenas uma variante lexical para falar "deles". E também me habituei a assistir a pequenos golpes com a abulia de quem segue um boletim meteorológico. Compactuávamos com isto por impotência, inércia ou conveniência, conforme o lugar que ocupávamos na cadeia alimentar.
Agora espantamo-nos com o que sempre soubemos. Escandalizamo-nos como virgens enganadas. É divertido este jogo. Na verdade representamos a mesma peça, só que passámos para o segundo acto, onde a acção se desenrola com mais ruído apenas porque, tal como nas tragédias gregas, por um golpe do destino tudo isto se começou a tornar - imagine-se! - oficial.
A verdade, quando sai do armário, é sempre desestabilizadora. Que o digam os psicanalistas que, tal como os tipos das Chaves do Areeiro, ganham a vida a abrir portas, só que levam mais caro. E o problema é que na maior parte dos casos não sabemos muito bem o que fazer com ela.