Reacção típica
Era previsível que as palavras do presidente do STJ, ontem reeleito para um mandato que não chegará ao fim, caíssem que nem uma bomba no seio do Ministério Público. Repensar a investigação criminal significa menorizar o papel do Ministério Público, torná-lo num mero executor.
Percebo o incómodo dos magistrados do MP, em especial agora que são dirigidos por um juiz e recordando-se que a nomeação de Pinto Monteiro logo gerou anticorpos na corporação. Mas o facto é que Noronha Nascimento tem carradas de razão. Quem acompanhe investigações e tenha acesso aos processos sabe da morosidade que é conseguir que o MP mexa um dedo. Depois há toda uma enorme desarticulação entre o trabalho feito pelas polícias e as permanentes andanças dos processos daquelas com o expediente para o magistrado competente, perdendo-se tempo, provas e tudo o que de interesse houvesse em termos de celeridade e eficácia.
Antes de Pinto Monteiro havia a sensação de que o MP estava em autogestão. Agora parece que há falta de autoridade e de sentido prático. O cumprimento da legalidade e de regras próprias da democracia por vezes tem este reverso. É pena que assim seja, mas os sucessivos governos e as múltiplas reformas processuais em vez de contribuírem para a melhoria do exercício da justiça, apenas serviram para criar novos entorpecimentos e estrangulamentos.
É triste ver arguidos e testemunhas a prestarem declarações nas secretarias do MP sem quaisquer condições, à vista e ao ouvido de todos. Como é desolador ver alguns empenhados magistrados do MP a tentarem produzir prova em audiência perante testemunhas que sistematicamente desmentem as declarações prestadas em sede de inquérito, chegando ao ponto de dizerem em julgamento que aquilo que souberam foi o que lhes foi transmitido pelo funcionário da secretaria do MP que as recebeu e lavrou os autos quando foram prestar declarações pela primeira vez.. Sempre na ausência do magistrado titular.
É esta a regra. Por isso mesmo, em julgamento, os pedidos de extracção de certidões sucedem-se como se fossem cerejas, o que só serve para abrir novos inquéritos e criar novos estrangulamentos, inundando os tribunais de processos por falsas declarações e similares. Também a actual fase da instrução não serve rigorosamente para nada porque a maioria dos JIC tem muito que fazer e o pedido de abertura de instrução é apenas visto como um expediente dilatório. Daí que invariavelmente os processos sigam para julgamento, mesmo quando não têm dignidade nem matéria para tal.
Muitos juízes de instrução não passam de chancelas do MP limitando-se a colocar um "visto" nos processos que lhes surgem. Os despachos estão pré-formatados e não raro chega-se aos debates instrutórios com os despachos já elaborados. Daí para a frente já não é com eles. Depois, é claro, sucedem-se tanto as absolvições em julgamento como as iníquas e vergonhosas condenações, apenas porque o inquérito foi mal dirigido, demorou demasiado tempo e a prova pertinente evaporou-se ou não foi sequer recolhida devido à burocracia. Os prejuízos são evidentes para todos.
O Ministério Público pode ficar desconfortável com a proposta de Noronha Nascimento mas ela é séria, justa, frontal e tem de ser ponderada desde já. Aliás, há um argumento decisivo que vai muito para além da boa vontade dos magistrados do MP: é que os resultados conhecidos nos processos mais mediatizados deixam muito a desejar. E quando os resultados são maus para todas as partes, a começar para a própria Justiça, aquilo que há a fazer é mudar, corrigir, alterar. E depois é deixar as coisas estabilizarem, as investigações prosseguirem os seus rumos, evitando-se as constantes mexidas na legislação. Mas para isso acontecer seria bom que pudesse ser feito por quem sabe, por alguém que vivesse no mundo e que não tivesse de descer à terra. Poupava-se no vaivém e dava-se descanso aos deuses e aos curiosos que puseram esta gaita de pantanas.