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Delito de Opinião

Um imperfeito anti-herói

Pedro Correia, 01.06.20

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Uma das imagens mais iconográficas da história da ficção televisiva é a de um indivíduo mal vestido, com uma gabardina encardida, de andar trôpego e um eterno charuto apagado ao canto da boca, fazendo perguntas aparentemente sem nexo e aludindo muito à mulher que jamais nos é apresentada. Se o víssemos por aí na rua nada daríamos por ele. Mas tornou-se num dos mais inesquecíveis detectives da televisão: Columbo, magistral criação de Peter Falk, marcou todos os telespectadores da década de 70.

Produzida pela NBC entre 1971 e 1978, esta série americana dessacralizou a figura do detective, equiparando-o a um homem comum. Quase ninguém o associava à imagem de polícia: aquele homenzinho semicurvado que chegava à cena do crime ao volante de um Peugeot 403 descapotável muito fora de moda não inspirava qualquer receio aos delinquentes, convictos da sua impunidade. Todos, aliás, pertencentes à chamada elite: ricos, poderosos, bem-parecidos e aureolados com êxito profissional. Pecam por ganância, soberba, inveja e luxúria: quanto mais têm, mais ambicionam.

Não há aqui um só assassino oriundo da classe média, confirmando a lógica dos folhetins de antanho: o interesse da história é proporcional à conta bancária dos protagonistas. O facto de na ficha artística figurarem estrelas dos anos de ouro de Hollywood - muitas vezes deslocadas do seu registo tradicional - contribuía para condimentar a série. Nomes como Don Ameche, Eddie Albert, Ida Lupino, Kim Hunter, Ray Milland, Anne Francis, Roddy McDowall e Suzanne Pleshette destacam-se nos episódios iniciais.

 

Columbo - com o aliciante suplementar de incluir cenas decisivas quase sempre rodadas em cenários naturais - tinha um verdadeiro achado como chave de argumento: desde o início, o espectador sabia quem cometia os homicídios, invertendo-se assim o estereótipo do género policial. Todo o suspense centrava-se na insólita actuação deste detective sem garbo, involuntário paladino do direito criminal que quase até ao fim parecia baralhado com o labirinto de indícios que lhe surgia pela frente. Descurando por completo as evidências colhidas pela chamada "polícia científica" que viria a estar muito em voga três décadas mais tarde, com o C. S. I. e franquias quejandas.

Tudo se resolvia com base na dedução - isto é, graças ao bom e velho intelecto.

 

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Tive a grata surpresa, faz hoje oito dias, de voltar a ver esta série de que tanto gostei na adolescência. Está a ser exibida na RTP Memória. E o primeiro episódio - que recomendo vivamente - é realizado por um tal Steven Spielberg, então com apenas 24 anos, num fulgurante início de carreira que logo o fez transitar da televisão para o cinema.

Este episódio-piloto, com a duração de um filme médio, intitula-se Murder By the Book e ocupa o 16.º posto na lista dos cem melhores de todos os tempos, organizada pela revista TV Guide.

 

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Cada episódio terminava com Columbo partindo na noite, sempre de gabardina surrada e charuto sem chama.

Cumpria o dever de polícia como se fosse o primeiro a espantar-se afinal com as suas espantosas capacidade dedutivas. Um perfeito exemplo de imperfeito anti-herói.

16 comentários

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    João Sousa 01.06.2020

    "Trust me, I know what I'm doing."

    Hoje em dia, não há nada que não ofenda um qualquer segmento demográfico. Não consigo, por exemplo, imaginar um canal infantil a produzir agora algo como o Ren & Stimpy.
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    João Campos 02.06.2020

    Ren & Stimpy era horrível e nojento, lol. Nada contra a criação e a emissão, mas não passaria a série num espaço infantil (como passou).

    Houve mais casos em que séries muito pouco infantis passaram nas manhãs de Sábado pela crença (que ainda hoje subsiste) de que animação tem necessariamente de ser infantil. Pensar que Neon Genesis Evangelion passou às 11 da manhã na RTP é absolutamente extraordinário!
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    Chuck Norris 02.06.2020

    Verdade. A questão dos horários era um problema antigamente. Recordo-me de uma série fabulosa que passava a horas tardias na rtp, se não estou em erro à 2a feira. Lonesome Dove, com o enorme Robert Duvall e aquele miúdo do filme O Campeão, Ricky Shroder. Era uma série de cowboys e era excelente.

    Agora deixo outra recordação que guardo com muita nostalgia... As aventuras do jovem Indiana Jones... Alguém via? Ao fim de cerca de 30 anos, ainda não ultrapassei o facto de não ter assistido ao último episódio...
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    Isabel Paulos 02.06.2020

    Houve várias séries de grande qualidade e interesse nos anos 80, mas está para nascer uma que supere a simplicidade e o encanto da série juvenil ‘Verão Azul’. Há uma geração a quem basta murmurar este nome para começar a assobiar e a sorrir.
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    Chuck Norris 02.06.2020

    excelente... saudades do Piranha.

    Isto a continuar assim, chegamos aos 17.000 comentários.

    Ora deixo aqui para considerações o Alf, o Zé Gato, o inesquecível Dartacão, Bell e Sebastião, O cão vagabundo e a primeira série que me lembro... se calhar a única, com sotaque do norte... Os Andrades. Com o berdadeiro Maciel a protagonista.
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    Isabel Paulos 02.06.2020

    Como é possível ter-se esquecido da Heidi (Avozinho diz-me tu, quais são os sons que oiço eu?) e do Marco (Era um porto italiano/Mesmo ao pé das montanhas(…) Vais embora mãmã! Não me deixes aqui! Adeus mãmã! Pensaremos em ti!(...)?

    Aqui estão as letras da nossa infância: https://pumpkin.pt/familia/atividades-com-miudos/televisao-musica-filmes-criancas/musicas-da-nossa-infancia/

    (e este que era um blog sério...já faltou mais para os 17.000 comentários.)
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    Chuck Norris 02.06.2020

    passando à época juvenil... e aqueles serões de domingo à tarde, que nos brindavam com Os 3 duques a seguir ao almoço, depois V a batalha final (que medo) e ainda tinhamos o Kitt, ou o Macgyver.

    E quando a melhor parte do agora escolha eram os bonecos que nos entretiam durante as votações? Alguém se lembra do Bocas? Quando a opção era Um anjo na terra, ou Crime disse ela, a melhor parte era o Bocas.

    Ah! E aquela que não me recordo do nome, sobre um homem azul, que tinha uma estrela que desenhava o carro dele? Seria Automan? Já não me lembro

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    Pedro Correia 03.06.2020

    Eu, a partir de certa altura, passei a ver mais séries e novelas brasileiras. Já nem me lembro bem porquê.
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    Anónimo 03.06.2020

    Tempos do Roque Santeiro, Tieta do Agreste.....
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    Chuck Norris 03.06.2020

    Aquela que mais me prendeu, talvez por me encontrar a atravessar a puberdade, foi a Top Model, com a Malu Mader.
    Gostava particularmente da família em que todos os filhos tinham nomes de músicos, ou personagens.

    E também me recordo do Rei do Gado, com o grande António Fagundes, pois pela primeira vez me senti atraído por uma mulher bastante mais velha... Sílvia Pfeiffer... que sensualidade. Até aí, qualquer mulher acima dos trinta era uma cota... desculpem-me a expressão, provavelmente é um regionalismo, ainda utilizado na minha terra.
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    Pedro Correia 03.06.2020

    Eu acompanhei várias séries ou mini-séries. Por exemplo, 'Plantão de Polícia' e 'Avenida Paulista'. Mas a melhor, sem dúvida, foi 'Anos Dourados'. Precisamente com Malu Mader, minha eterna musa.
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    Anónimo 03.06.2020

    A novela guerra dos sexos de 1984 também era cómica e com um bom elenco.
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    Pedro Correia 03.06.2020

    Em anos mais recentes, vi a 'Gabriela' (com a "extraterrestre" Juliana Paes) e 'Avenida Brasil'. Pude confirmar que a Globo continua a produzir excelentes novelas.
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    Anónimo 03.06.2020

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    Pedro Correia 03.06.2020


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