O perigo do timing
Bastaram duas palavras, depois do visado ter dito mais de uma dezena de vezes que não era opção, para as hostes do PSD entrarem em acelerada ebulição. Paulo Rangel e José Luís Arnaut, de forma previamente ajustada ou por mera coincidência, mas num tom suficientemente grave e sério, vieram promover, e de antemão apoiar, a candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa à liderança do PSD. Não sendo parvos, e tendo ambos lido Pavese, estarão de acordo em que não se trata de pedir ao prof. Marcelo que volte a um lugar onde foi feliz, mas simplesmente de reunir e dar-lhe as condições que ele gostaria de antes ter tido para poder disputar com hipóteses de sucesso o lugar de primeiro-ministro sem ficar à mercê de uma qualquer vichyssoise mal digerida. Durando 4 anos, como seria desejável para o país, ou apenas 2, como será necessário para que o PSD entretanto não se evapore, qualquer um deles sabe que vai ser muito difícil, se não houver escândalos nem uma operação do tipo Freeport, apear José Sócrates e o PS. Lançar agora Marcelo deixa Pedro Passos Coelho numa posição mais difícil para conseguir o resultado que Manuela Ferreira Leite lhe tirou. Reduz-lhe a margem de manobra e, pela rápida multiplicação de vozes da ala barrosista, vem aí um tsunami interno. O timing não é ingénuo e aponta para a concretização de uma estratégia anterior ao ciclo eleitoral. Não sei mesmo até que ponto Marcelo Rebelo de Sousa não estava já ao corrente destas movimentações. Sem se tirar o tapete a Manuela, que apesar de tudo venceu duas eleições, faz-se avançar Marcelo. Aproveita-se a actual calmaria e o defeso constitucional de seis meses para organizar as tropas, distribuir tarefas e, sem pressas, preparar o partido e ir tecendo a teia. Marcelo é um homem politicamente bem preparado, um académico reconhecido intra e extramuros, tem carisma, capacidade de liderança, inteligência, cultura e argúcia. Vai ser exigente na escolha dos colaboradores e se necessário cederá estrategicamente a alguns lobbies regionais (desde logo ao do Algarve, embora se detestem reciprocamente). É vaidoso. Mas José Sócrates também é. E embora continue a pensar que José Sócrates é no actual contexto o melhor primeiro-ministro a que podíamos aspirar (também tenho a consciência que o Benfica de hoje não é igual ao de Koeman ou Fernando Santos) era importante que não se perdesse a visão, a profundidade de análise e a noção de futuro. Neste cenário, seria bom que o PS, que sobreviverá muito para lá de José Sócrates, do XVIII Governo Constitucional e da confusão da Operação Face Oculta, começasse já a olhar um pouco mais para a frente. Arrumada, por agora, a questão da governação, e antes das primeiras picardias parlamentares, enquanto a Europa se vai definindo e não começa a aplicação aligeirada do Tratado de Lisboa, importa começar a pensar, não necessariamente na sucessão de José Sócrates, como eu gostaria, mas nas perspectivas que importa trabalhar. A marcação terá de ser cerrada e não são admitidos erros. Nem na governação nem no PS. Daí a importância e o perigo do timing. Na decisão e na execução.