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Delito de Opinião

Escrever direito por linhas tortas

Pedro Correia, 28.10.09

  

 

“Os últimos serão os primeiros.” Quem não usou já esta expressão? O que poucos sabem é que se trata de uma frase bíblica – vem no Evangelho Segundo São Mateus (19-30) e no Evangelho Segundo São Lucas (10-31).

Inúmeras expressões que utilizamos neste quotidiano laico e secular, tal como a maioria dos nossos nomes próprios, têm a sua origem no livro sagrado do cristianismo. Expressões tão vulgares e tão diversas como “a carne é fraca” (São Mateus, 26-41, e São Lucas, 14-38), “ninguém é profeta na sua terra” (Evangelho Segundo São João, 4-44), “lançar pérolas a porcos” (São Mateus, 7-6), “nem só de pão vive o homem” (Deuteronómio, 8-3, e São Mateus, 4-4), “quem semeia ventos colhe tempestades” (Oseias, 8-7), “meter foice em seara alheia” (Deuteronómio, 23-26), “dois pesos e duas medidas” (Provérbios, 20-10), “separar o trigo do joio” (São Mateus, 13-30) e “olho por olho, dente por dente” (Êxodo, 21-24, Deuteronómio, 19-21).

 

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De facto, a nossa linguagem comum está cheia de expressões colhidas na Bíblia, tanto no Antigo como no Novo Testamento, o que se confirma também nestes exemplos, que estão muito longe de serem exaustivos: “bode expiatório” (Levítico, 9-15), “dia da ira” (Sofonias, 1-13), “choro e ranger de dentes” (São Mateus, 8-12, 13-42, 22-13, 24-51), “pedra sobre pedra” (São Lucas, 13-2), “voz no deserto” (São João, 1-23).

Ou ainda as designações “sal da terra” e “luz do mundo”, popularizadas no Sermão da Montanha e que originaram, respectivamente, o título de um célebre filme de Herbert Biberman e um dos melhores contos de Ernest Hemingway.

E quem não conhece expressões como “crescei e multiplicai-vos” (Génesis, 1-22 e 1-28), “nada há de novo debaixo do sol” (Livro do Eclesiastes, 1-9), “lobos disfarçados de cordeiros” (São Mateus, 7-15) ou “lavar as mãos como Pilatos” (São Mateus, 27-24)? Ou adágios tão conhecidos como “ninguém pode servir a dois senhores” (São Mateus, 6-24), “pelos frutos se conhece a árvore” (São Mateus, 7-20 e 12-33), “a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (São Mateus, 22-21, Evangelho Segundo São Marcos, 12-17 e São Lucas, 22-21) e “quem estiver sem pecado que atire a primeira pedra” (São João, 8-7)?

 

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A Bíblia é ainda um riquíssimo viveiro de aforismos que nada têm a ver com o “manual de maus costumes” de que há dias falava José Saramago para promover o seu romance Caim.

Aqui ficam alguns: “A maldade é a mãe da fome” (Tobias, 4-13), “a sabedoria vale mais que as pérolas” (Livro de Job, 28-18), “quem ama a violência odeia-se a si mesmo” (Os Salmos, 11-5) ou “o que perturba a sua casa herdará ventos” (Provérbios, 11-29). Este deu origem ao título de uma excelente longa-metragem de Stanley Kramer, protagonizada por Spencer Tracy.

Na verdade, não é possível compreendermos grande parte do último milénio da arte ocidental, nas suas mais diversas expressões, sem conhecermos a Bíblia. Isto inclui os próprios livros de Saramago, como O Evangelho Segundo Jesus Cristo ou o seu mais recente romance. Afinal “Deus escreve direito por linhas tortas” (Génesis, 50-14).

3 comentários

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    Pedro Correia 28.10.2009

    É um dos locais mais inesquecíveis onde já estive, Leonor. E não resisti a fotografar, apesar de todas as proibições.
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    João Pedro 28.10.2009

    Teve mais sorte que eu, Pedro. Estive em Roma apenas uma vez, durante 3 dias; lamentavelmente, um era o da chega, outro era Domingo, e o seguir era feriado Santo, pelo que bati com o nariz na porta dos Museus do Vaticano e da Capela Sistina. Tive de compensar com a subida à cúpula de S. Pedro (a pé, uma experiência exaustiva!); ao menos vi o Papa (João Paulo II) passar a poucos metros de mim.
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