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Delito de Opinião

Uma história verdadeira

João Carvalho, 21.10.09

Receio já ter falado superficialmente nisto uma vez. No entanto, como não localizo, fica-me a esperança de nunca o ter feito no DO. A história é verdadeira.

Tenho uma ideia relativamente nítida do meu avô materno, que morreu de repente era eu ainda um garoto. Sei que era médico, que era muito viajado, que fez muita clínica gratuita a muita gente que não tinha meios, que possuía uma biblioteca vastíssima, que comprava livros atrás de livros e que era um humanista, no sentido de se interessar pelas coisas mais variadas, por quase tudo. Sei também que muitos diziam que era dedicadíssimo ao estudo e à actualização do seu exercício profissional e que esse exercício era tão avançado quanto possível, até muito avançado para a época.

Do seu perfil perante a vida e o mundo, sei ainda que esteve uma vez presente (por convite específico, presumo) numa sessão maçónica, mas que recusou integrar-se por detestar rituais. Contudo, era convictamente republicano e laico.

Escreveu e publicou um espesso livro de memórias e viagens; deixou outro por acabar, quando morreu. Interessava-se muito pelo conhecimento de diferentes religiões e dizia achar alguma pureza na essência do Budismo.

Pela minha avó (e pela família, talvez), casou pela Igreja. As duas filhas receberam educação católica e era normal levar a família à missa de domingo. Ficava no carro ou ia tomar um café e levava todos de volta para casa. E lembro-me de o ver na igreja, quase perfilado em sentido do princípio ao fim, sempre que ia ao casamento de alguém.

Sobre o fenómeno de Fátima – e é apenas aqui que quero chegar, para não maçar mais os leitores com estas memórias pessoais e desinteressantes – tinha uma posição muito pragmática que não escondia e que se resume assim: "Fátima não faz mal a ninguém. Como congrega valores que são genericamente os valores que todos cultivamos, Fátima até faz bem. Agora, milagres... Milagre, para mim, seria  uma pessoa não ter um braço e regressar a casa com o braço que lhe faltava."

Eis, portanto, um homem esclarecido e culto que se declarava laico e que respeitava as sensibilidades dos outros sem confrontos desnecessários e gratuitos. Um homem que seria incapaz de pensar que «a Bíblia é um manual de maus costumes» e, menos ainda, de apoucar quem acreditasse de outra maneira.

Em suma: há uns que sabem respeitar, há outros que não passam sem achincalhar. Estes são os que confundem ter o direito de com ser necessário. Porque ser crítico e ter modos não são coisas incompatíveis.

5 comentários

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    João Carvalho 21.10.2009

    Muito interessante, Paulo. Sei o que isso é. Uma criança não tem capacidade de escolha consciente e o meio que nos cerca faz-se sentir. Em contrapartida, só para que possamos dormir melhor, nada garante que mesmo como adultos estejamos senhores de uma verdade tão ampla que nos permita a escolha acertada. Tudo permanece relativo, afinal.
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    Paulo Quintela 21.10.2009

    Felizmente tudo permanece relativo, o que nos permite de algum modo aproximarmos-nos da 'felicidade' mas a verdade é que raramente crianças inscritas no Benfica ao nascerem passam em adultos a ser adeptos do FCP ou vice versa. Coisas do marketing, a banca faz o mesmo, nalgumas faculdades o cartão de aluno que permite o acesso à biblioteca está ligado ao cartão de multibanco da CGD...há muitas formas de condicionar os 'clientes'.
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    João Carvalho 21.10.2009

    É certo o que diz: no fundo, não pertencer ao grupo não é fugir à cultura que nos cerca. Também é certo quie V. está muito mais compreensivo e calmo do que ontem, nestas matérias. Hehe...
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    Paulo Quintela 21.10.2009

    Só toco Jazz com jazzistas, quando a musica me dão é clássica, tendo a responder no mesmo tom. Até os ateus são humanos por estranho que lhe possa parecer.
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