Obama, Churchill e São Paulo
Pedro Correia, 20.10.09
Barack Obama ganhou o Nobel da Paz ao fim de nove meses incompletos de mandato por constituir – garante o Comité Nobel – um sinal de esperança para os seus contemporâneos. Não precisou de dar um passo concreto a favor da paz: bastou-lhe discursar. Longos floreados verbais foram tudo quanto chegou para comover o júri de Oslo, premiando uma presidência que por enquanto não concretiza – só promete. Prometeu encerrar Guantánamo e apurar todas as responsabilidades por delitos criminais lá cometidos – e ainda não o fez. Prometeu retirar as forças americanas do Iraque – mas deverão permanecer por lá até 2011. Prometeu reforçar a presença militar no Afeganistão, um gesto pouco consentâneo com um Nobel da Paz – e há, de facto, uma séria possibilidade de Washington destacar para lá mais 40 mil soldados a curto prazo.
E que mais?
Prometeu firmeza contra o Irão e a Coreia do Norte, que desenvolvem programas nucleares autónomos, em desafio à comunidade internacional – e com isso limitou-se a desenterrar, sem utilizar esse nome, a velha tese do ‘Eixo do Mal’ que George W. Bush lhe transmitiu por legado. Não arriscou a vida e a liberdade contra sistemas iníquos, como Nelson Mandela e Lech Walesa. Não foi prisioneiro de consciência, como Andrei Sakharov e Aung San Suu Kyi. Não protagonizou mudanças drásticas no mapa político e diplomático, como Willy Brandt e Mikhail Gorbachev. Ninguém pode equipará-lo aos líderes espirituais que cruzam o mundo em defesa da resolução de todos os conflitos por meios pacíficos, como o Dalai Lama ou o arcebispo Desmond Tutu. E muito menos alguém de bom senso o imagina com uma auréola de santidade, como uma nova Madre Teresa.
Neste caso, o Nobel não distingue sequer – como tantas vezes ocorreu no passado – uma carreira política notável ou no mínimo esforçada, na senda dos exemplos de Aristide Briand, Gustav Stresemann, Eisaku Sato ou Jimmy Carter: Obama, recém-chegado à alta roda da política, não tem estatuto para tanto, por mais veneradora que seja a sua legião de adeptos, dentro e fora dos Estados Unidos.
Há muito que o Nobel da Paz se vinha descaracterizando e banalizando, ao serviço de objectivos políticos. O prémio que agora distingue Obama só confirma essa descaracterização, prestando aliás um péssimo serviço ao actual inquilino da Casa Branca ao elevar ainda mais o patamar das expectativas com que o globo inteiro segue o seu mandato. E indicia que a rota política de Obama só pode ser descendente: restam-lhe cada vez menos troféus a conquistar. Talvez, nos próximos anos, lhe concedam também o Nobel da Literatura – se Churchill o recebeu, enquanto era primeiro-ministro, por que não também o simpático sucessor de Bush, autor de duas autobiografias?
Depois só lhe resta ser proclamado Papa. Para tanto, basta-lhe superar o irrisório pormenor de não ser católico. Também São Paulo não o era antes de rumar à estrada de Damasco. O céu é o limite.