Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]
O meu problema com os livros é que gosto de livros e gostando de livros não me fico apenas pelo mundo que albergam nas letras em carreirinha páginas fora até ao último ponto ou derradeira palavra. Gosto do livro, do objecto, das letras na contracapa, das capas e gosto de me sentir acompanhada por eles. Seria incapaz de viver numa casa sem livros. Caso que me queiram infligir um castigo maior, podem fechar-me num espaço despojado de livros. Por oposição, um espaço coroado de livros oferece-me a tranquilidade longe do mundo como se não tivesse havido ontem nem amanhã acontecesse, o tempo pairasse indelével entre estantes e lombadas e Cronos abrisse um parêntesis na sucessão de momentos a que se convencionou chamar dias ou meses. Mas o meu problema com os livros é que gostando deles perco-me até por edições novas das mesmíssimas obras, as mesmas que li e que tenho, apoderando-se de mim um misto de gula de os devorar e de luxúria de os possuir. Aconteceu-me mais uma vez quando me cruzei com a última edição de Os Cus de Judas a propósito da comemoração dos trinta anos de carreira literária de António Lobo Antunes. Um ímpeto irresistível que me levou a passar-lhe os dedos sobre a capa levemente rugosa e a tentação das tentações: o perfume único que exalam as páginas acabadas de imprimir. O livro é o mesmo, o mesmo que terei lido há cerca de trinta anos, o miolo apenas com pequenas correcções fixadas na edição ne varietur que também tenho em casa, por sinal autografado pelo autor num dia de calor à sombra dos jacarandás. E lá veio a gula, logo a seguir a luxúria. Decididamente tenho um problema com os livros.