Grilos e companhia
Setembro, ilha Terceira. Arredores de Angra do Heroísmo, uma casinha no centro de um belo relvado torneado por uma sebe de ibiscos sem muros acima de meio metro e uma árvore de copa ampla do lado de dentro. A zona é de vivendas ajardinadas: nem prédios, nem comércio, nem sequer o café da esquina. A rua é larga, mas não tem saída: termina ao fundo rematada pelas últimas casas, bonitas, a recusar definitivamente qualquer acesso que alterasse a lentidão da vida. A tranquilidade do lugar durante o dia ganha contornos de retiro espiritual durante a noite. Ficam os grilos a celebrar o Outono. Até ao nascer do sol, são famílias e famílias de grilos em tertúlias comunitárias como já nem me lembro de ouvir desde aqueles Setembros de garoto passados na quinta, quando o regresso às aulas ainda era na segunda semana de Outubro e quando os grilos ainda não tinham sido corridos para longe das urbes pelo betão.
A fazer companhia aos grilos, de quando em quando, surgem fugazes os cães. Começa o jovem dálmata irrequieto aqui do lado a treinar a voz e logo, acolá e além, juntam-se mais uns quantos a ladrar. Só por minutos.
Aí por volta das 4 da madrugada acorda a passarada em cantoria pegada. Os melros pretos de bico amarelo costumam estar em maioria. Chegam os estorninhos e a pardalada toda. Mesmo onde há apenas uma árvore, há concerto certo. Por vezes, nem as árvores fazem falta: aterram na relva em redor da casa e deixam-se ficar sem cerimónias e sem pressas. Ficam entretidos a saltitar sobre as minhocas e bichos-de-conta que se escondem no manto verde, enquanto esperam pela hora das migalhas que sobram do pequeno-almoço.
O mais estranho, contudo, é o galo. O galo, senhores, canta lá longe à meia-noite! Diariamente, sem falhar, dá a meia-noite e o galo põe-se a cantar! Que diabo! Nunca antes ouvi um galo que cantasse à meia-noite!
Pus-me a reflectir e tirei as minhas conclusões. Em terra de tanta emigração, a coisa explica-se. O galo foi trazido do Canadá ou dos Estados Unidos por algum emigrante torna-viagem. Só pode ser. Digam o que disserem, tenho cá para mim que é isso mesmo. Aquele galo é estrangeiro e ainda está com problemas de jet-lag. O bicho desata a cantar à meia-noite? Qual quê?! Meia-noite para nós, porque o raio do galo ainda anda baralhado com os fusos horários…