Há uns tempos manifestei num artigo algumas dúvidas sobre o Ministério da Reforma do Estado. Acabava assim:
Enganei-me no passado mais vezes do que gostaria e, é claro, como qualquer cidadão temente a Deus arrependo-me. Desta vez também apreciaria vir a arrepender-me. Não me parece.
Premonitório: Passou pouco mais de um mês e o ministro já diz sem rebuço ao que vem: “… o Governo está ‘a trabalhar numa reforma administrativa assente na simplificação, digitalização, articulação e responsabilização, não para reduzir o Estado, mas para fortalecer a sua relevância e legitimidade".
Fantástico: A reforma do Estado é afinal uma reforma administrativa que vai assentar na simplificação e digitalização mas consumindo o mesmo número de horas de trabalho dos funcionários, articulação e responsabilização mas sem ganhos nenhuns potenciais em despesas, além de não se fazer ideia do que querem dizer na prática estas proclamações – vai articular o quê com o quê e responsabilizar quem e de que forma?
Tudo com o objectivo de retirar do pescoço do cidadão a canga da via dolorosa das exigências absurdas ou redundantes, de uma administração fiscal intrusiva, prepotente e inimputável, ou da geral irresponsabilidade dos serviços públicos por atrasos, informações deficientes, descasos e exigências ilegais?
Que nada, para que o Estado fique “mais relevante e mais legítimo”, diz ele.
Tenho más notícias para o ministro: O Estado não precisa de ser mais relevante, já o é em demasia; e a sua legitimidade ninguém discute, o que se discute é a forma como funciona, quanto custa, e o seu grau de interferência na vida das pessoas e das empresas.
Em suma, mais um simplex. Para isso não era preciso um ministério, uma ignota direcção-geral cheia de computadores e moços a escarafunchar as meninges servia perfeitamente.
Um equívoco este ministério, parece. Que infelizmente não é o único:
A ministra do Ambiente lembrou-se de dar prova da sua existência supranumerária e resolveu implicar com os bares de praia. Estes, ficamos a saber, pagam um valor muito pequeno ao Estado, pelo que os preços das águas, cafés, sandes e o mais que more na ministerial cabeça, devem ter limites máximos.
Que a ministra se limitasse a garantir o acesso às praias, que aliás tem valor constitucional, muito bem. Agora que se meta a interferir com o mercado limitando preços sob pretexto de que há toldos caríssimos (só são caríssimos porque há quem os pague) é que faz com que tenhamos, salvo seja, a burra nas couves.
Aqui há muitos anos havia no Algarve um bar de praia reputado por servir um peixe grelhado excelente e ser frequentado por famosos. Não me lembro do nome da praia e creio que o restaurante se chamava Gigi – não sei se ainda existe. Fui lá uma vez e achei cómicos os preços – coisa de fugir, ademais porque havia muitos outros sítios onde o peixe era igualmente bom, e alguns onde talvez não fosse mas a conta não interferia com a digestão. Quer isto dizer que os preços deveriam ser tabelados, impedindo quem não faz contas ou gosta de fingir que não as faz de ter lugares próprios para si? Que ideia, a inveja será natural mas não é fundamento que se aceite para orientar políticas.
Que o diabo leve a ministra se também estabelecer um preço máximo para a sandes de presunto belota. Que já estou daqui a ver o comerciante a impingir presunto salgadíssimo debaixo da etiqueta aldrabona. Mas como o Estado sabe muito mas o comerciante ainda mais, por baixo do balcão lá estará a sandes legítima, para aqueles clientes com discernimento e gosto mas que não precisam da facturinha.
É o que temos. Quem ousar dizer que este Governo é liberal ou não sabe o que é o liberalismo ou não conhece o Governo. Eu começo a conhecer.