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Delito de Opinião

A Necrose do Frelimo

jpt, 05.11.24

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(Moçambique, esta semana. Desconheço autor e local exacto da fotografia)

Em Moçambique, após 50 anos de poder o partido-Estado - entretanto tornado uma mera tétrica cleptocracia - parece desabar, face à enorme adesão popular aos protestos contra mais uma escandalosa fraude eleitoral, nas presidenciais, regionais e legislativas de Outubro. Correspondendo ao apelo de Venâncio Mondlane - o candidato presidencial declarado "derrotado" - por todo o país se suspendeu o trabalho, uma verdadeira "greve geral", em repúdio pela fraude. Até os funcionários públicos, tradicional suporte do partido governamental, aderem. Desfiles pacíficos - os "tumultos" prenunciados pela intelectualidade cliente do regime - ocorrem em inúmeros locais, sendo reprimidos pela polícia. Ponderamente recuando diante da repressão policial, em Maputo a população protesta batendo tachos e panelas à janela. A polícia dispara gás lacrimogéneo contra as casas onde se batem tachos. (As ligações são pequenos filmes. Mas eximo-me a reproduzir filmes onde se vê a polícia a disparar munições reais sobre a população, mostrando mortos ou feridos).

Desde há dias que as comunicações estão cerceadas pelo Estado. O uso da internet é reduzido, os "dados móveis" inacessíveis. Redes como Whatsapp, Facebook e ex-Twitter estão muito condicionadas. Tudo para obstar a divulgação das acções de protesto, previstas para terem um cume, depois de amanhã (7.11), com um desfile em Maputo encabeçado por Venâncio Mondlane - este por enquanto em local incerto, por razões de segurança (dois dos seus colaboradores mais próximos foram já assassinados). Ontem o governo convocou os embaixadores residentes, pedindo colaboração no que chama "manutenção da ordem". Muitos aventam ser este o passo cénico para a declaração do estado de emergência ou de sítio. Que proíba as manifestações públicas, e permita a continuidade - em regime ainda mais musculado - do actual poder.

A acontecer será uma "fuga para a frente" do actual regime, julgando assim conter o levantamento dos despojados, dos calcados, contra o execrável regime, esta verdadeira "revolução do capim", digo-a assim, evocando a magrebina "revolução de jasmim".

Uma "fuga para a frente" que se sonha escorar nos dizeres de alguns intelectuais e históricos do partido que aventam a "depuração" do Frelimo, a velha ladainha da reemergência "da Frelimo" (boa) sobre "a Frelimo" (má). No fundo, glosando o Lampedusa do "Leopardo", na proposta de que "é preciso que nada mude para que tudo continue na mesma". Mas que mais desejará - e necessitará - da repressão paramilitar e/ou militar, ou até no muito aventado "putsch militar" que reponha a "ordem". O que talvez venha a ser difícil, pois grassam informações sobre demonstrações de solidariedade entre militares no terreno e manifestantes... Mas tudo dependerá dos anseios e capacidades das chefias militares, elas próprias emanadas do poder político.

Há um ano, aquando do abstruso abuso eleitoral nas autárquicas, pareceu-me óbvio que estas eleições seriam similares. E que não haveria relevante atenção internacional sobre isso. Não só devido à usual docilidade face aos desmandos estatais mas também por ser este 2024 um ano de frenesim eleitoral internacional (64 eleições nacionais e ainda para o parlamento europeu), ainda por cima com as presidenciais americanas, sempre monopolizando atenções. Isso, mais os posicionamentos face aos conflitos geoestratégicos actualmente dominantes, reduz a hipótese de reais exigências externas para a imposição de uma ordem democrática.

Diante de tudo isto recordo que Moçambique é o segundo país mais populoso da CPLP, essa organização que sempre é dita como central na política externa portuguesa. Mas a comunicação social portuguesa distrai-se. Não há verdadeira atenção sobre a situação, inexistem destaques ou análises actuais profundas. Em Maputo está uma delegação da RTP-África, sempre "cinzenta", nunca atreita a incomodar os poderes locais, e incapaz de entrar no agendamento dos serviços noticiosos em horário  "nobre". Durante poucos dias esteve uma equipa da CMTV, sem obter autorização de trabalho (excentricidade denotativa do momento político do país), tendo acabado por ser proibida de exercer e escoltada até ao avião. As outras estações não enviaram ninguém ("a SIC já nem tem dinheiro para isso", diz-me um jornalista amigo). Os jornais "de referência" - à excepção da "Sábado" - não têm gente no terreno, limitando-se a ecoar os despachos da LUSA. Esta tem um activo correspondente em Maputo, Paulo Julião, que ontem foi baleado (com munição de borracha, felizmente). Este contexto implica um quase silêncio noticioso sobre Moçambique, o reforço da desatenção sobre a repressão.

Trata-se assim de nós-próprios combatermos este relativo silêncio imposto. E de convocarmos os nossos representantes para que não tergiversem diante do estertor do poder autocrático de Maputo. Nem se apiedem da necrose do Frelimo - em nome de velhas e anacrónicas solidariedades partidárias ou de espúrias simpatias.

O dia mais longo do ano

Pedro Correia, 05.11.24

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Imagem do único debate entre Donald Trump e Kamala Harris, em Filadélfia a 10 de Setembro

 

Nestes dias os canais televisivos foram sendo invadidos por tudólogos que a cada quatro anos se transformam em especialistas da vida interna dos EUA. Alguns saltitam do futebol para a geoestratégia mundial, passando por voos rasantes à política doméstica. Fazem aquilo que é possível esperar de um tudólogo: espreitam as tendências dominantes do eleitorado hoje disponíveis em pesquisas rápidas nos motores de busca. Com tanta ânsia de aparecer, acabam por empurrar os verdadeiros especialistas para horários impróprios, remetendo-os ao último lugar da fila. Quem perde com isso são os canais que lhes dão guarida.

Hoje é a data do escrutínio oficial na corrida à Casa Branca. Mas a eleição decorre há semanas: cerca de 78 milhões de americanos, incluindo o ainda presidente Joe Biden e a candidata democrata, Kamala Harris, optaram pelo voto antecipado. Nas semanas precedentes, esses pára-quedistas da pantalha andaram a picar sondagens, pulando desta para aquela sob o invariável signo do "empate técnico". Com as atenções centradas nos sete estados flutuantes ou oscilantes, logo crismados de swing states em "amaricano" com sotaque tuga.

Entquanto debitavam banalidades, os tudólogos mal repararam em dois aspectos cruciais na letra pequenina das pesquisas de opinião. O primeiro relaciona-se com o índice de rejeição de cada candidato: nas eleições actuais, grande parte de quem vota mobiliza-se mais contra aquilo que não quer do que a favor de alguma pessoa ou sigla. O segundo é a crescente clivagem sexual nas opções de voto: mulheres e homens tendem a dividir-se cada vez mais. Acima das diferenças raciais ou de classe social.  

Tudo isto é ignorado pelo tais especialistas em coisa nenhuma que pululam nas pantalhas, embora seja realçado por quem verdadeiramente percebe da dinâmica eleitoral nos EUA, reflexo da própria mobilidade social no país. Fica como pista de reflexão neste dia mais longo do ano, em que as atenções mundiais estão viradas para aquele que ainda é o Estado mais poderoso do planeta.

Dia tão longo que pode arrastar-se por semanas ou meses. Já faltou mais para sabermos.

Um rei debruçado sobre a lama

João Pedro Pimenta, 05.11.24
Ainda sobre a recepção violenta às autoridades espanholas em Valência, parece claro que se deveu sobretudo aos membros do governo regional e a Pedro Sánchez. Seria ridículo assacar culpas aos soberanos que não têm a tutela da protecção civil e que estavam lá a prestar solidariedade.
 
Mas pelo arremesso de algumas pedras e lama, houve certamente reacções dirigidas ao Rei e à Rainha. Não é de espantar assim tanto. Naquele desespero, naquela impotência de se acudir aos vivos e desenterrar os mortos da lama, qualquer vislumbre de autoridade pode transformar-se no bode expiatório das desgraças à vista. Acresce que em Espanha há alguns elementos anti-monárquicos profundamente radicais, cuja motivação ideológica (ou niilista) transcende a do desespero do momento. É bem possível que lhes tenha dado para a selvajaria, ao ver ali o objecto máximo do seu ódio.
 
Certo é que Sánchez e o presidente do governo regional se puseram a andar, talvez para ruminarem as suas rivalidades partidárias, e Filipe e Letizia ficaram, cumprindo o seu dever como soberanos: consolando as vítimas e representando o Estado e a solidariedade do povo espanhol para com elas, também visível pelos milhares de voluntários que para lá se deslocaram, muitas vezes antes da própria ajuda estadual.
 

La prensa monárquica europea se pronuncia sobre la visita de los Reyes a  Paiporta: este es su veredicto

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 05.11.24

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Francisca Prieto: «Rita Prieto, do alto dos seus sete anitos, resolve com toda a limpeza o velho conflito ideológico da origem da humanidade: “Olha mãe, sabes quem foram os primeiros seres vivos do planeta, sabes? Adão, Eva e os macacos.” É o que dá ter uma filha num colégio católico com irmãos que discutem as teorias de Darwin.»

 

João André: «Foram ontem escolhidos os 435 membros da Câmara dos Representantes, 36 lugares no Senado e vários governadores. Os Republicanos venceram em toda a linha, conquistando o Senado e uma claríssima maioria na câmara baixa. Não podemos falar em surpresa. As intercalares são habitualmente “eleições de protesto”, que penalizam o partido afecto à Presidência, e estas não foram excepção. Acresce que a maioria das disputas mais renhidas decorreu em Estados conservadores e que muitos dos Democratas agora em risco beneficiaram do “efeito Obama” em 2008 para conseguirem uma então improvável vitória.»

 

Luís Naves: «“Para que serve a União Europeia?”, perguntou a minha mulher imaginária, antes de explicar que a roupa não tinha tamanhos normalizados, as calças 44 eram diferentes das homólogas alemãs. Sem ter resposta lógica, saí da loja (chamem-lhe divórcio) caminhei pela rua Augusta e vi um homem estátua, a fazer de conquistador mongol. Subi ao pedestal e fiquei ali um pouco, sem pensar: de vez em quando, mudava de expressão e fazia cara de mau para os turistas, que achavam graça e deixavam uma moeda numa caixa de cartão que se abria mais abaixo. Pelo ar, pairava o cheiro a castanhas assadas. Cansei-me depressa e continuei o caminho, se é que tinha algum. Logo ao fim da rua, cruzei-me com uma pessoa conhecida e o tipo desviou a vista, para não ter de falar comigo. Senti-me um intruso na vida dos outros, senti-me embaraçoso.»

 

Teresa Ribeiro: «Os médicos, que detestam que um doente se queixe dos efeitos secundários do que receitam, guiam-se pela estatística: se a maioria dos seus doentes metabolizam bem o medicamento X, é porque esse medicamento não faz mal. E se a bula refere efeitos secundários não interessa nada, porque o que vem lá, argumentam, não é necessariamente verdade. Não é? Ou continuamos no universo da estatística?»

Entre os mais comentados

Pedro Correia, 04.11.24

Nos 23 destaques feitos pelo SAPO em Outubro, entre segunda e sexta-feira, para assinalar os dez blogues nesses dias mais comentados nesta plataforma, o DELITO DE OPINIÃO recebeu 23 menções ao longo do mês. Fazendo o pleno, portanto.

Incluindo dois textos na primeira posição do pódio, quatro na segunda e onze na terceira.

 

Os 23 postais foram estes, por ordem cronológica:

 

Palminhas do PCP à ditadura chinesa (52 comentários, terceiro mais comentado do dia) 

Lápis L-azuli (43 comentários, terceiro mais comentado do dia)  

O PS deve cinco Orçamentos ao PSD (42 comentários)   

Imigrações (56 comentários)    

Um ano depois do massacre (62 comentários, terceiro mais comentado do dia

Conversa de café a propósito da Penha de França (47 comentários, terceiro mais comentado do dia)   

Frases de 2024 (25) (20 comentários)  

De quem se trata? (56 comentários, segundo mais comentado do dia)   

Uns são jornalistas, outros fazem de conta (54 comentários)   

Pensamento da semana (72 comentários, terceiro mais comentado do dia)    

O pesadelo cubano (24 comentários)  

O troca-tintas (110 comentários, terceiro mais comentado do dia)  

Toma nota, Pedro Nuno (44 comentários, terceiro mais comentado do dia)     

Percebeu tarde, mas ainda a tempo (36 comentários, segundo mais comentado do fim-de-semana)   

Pensamento da semana (80 comentários, terceiro mais comentado do dia)    

Extremismo contra os «ricos» e o «lucro» (38 comentários, segundo mais comentado do dia)  

A ferro e fogo (38 comentários, terceiro mais comentado do dia)   

Marco Paulo (28 comentários, terceiro mais comentado do dia)   

Passam a ter vida ainda mais difícil e dura (108 comentários, o mais comentado do fim-de-semana)   

Pensamento da semana (102 comentários, o mais comentado do dia)   

Penso rápido (109) (62 comentários, terceiro mais comentado do dia)  

Chama-se Tiago (68 comentários, segundo mais comentado do dia)

Frases de 2024 (27) (26 comentários)

 

Com um total de 1368 comentárionestes textos. Do José Pimentel Teixeira, da Maria Dulce Fernandes, do José Meireles Graça, do Luís Menezes Leitão e de mim próprio.

Fica o agradecimento aos leitores que nos dão a honra de visitar e comentar.

Frases de 2024 (29)

Paulo Sousa, 04.11.24

«Si necesitan más ayuda, que la pidan.»

Pedro Sánchez, presidente do Governo de Espanha, referindo-se ao envio de ajuda para a região de Valência, onde as chuvas intensas e repentinas causaram inundações a uma escala dantesca. A contagem do número de mortos já ultrapassou as duas centenas, mas a lista de desaparecidos faz antever uma tragédia a uma escala bem maior.

Bullying fiscal

Paulo Sousa, 04.11.24

No Pensamento da semana que o Pedro Correia aqui partilhou connosco há umas semanas atrás, trouxe à baila a importância basilar de num Estado de direito nunca se inverter o ónus da prova, ou seja, compete a quem acusa provar a infracção.

Em Portugal, perante o fisco essa regra não se aplica. Quando a Autoridade Tributária assim o entende, pode notificar uma empresa sobre uma qualquer infracção, real ou hipotética, e a primeira coisa a fazer é pagar. Reclamar é possível, mas só de depois de adiantar o dinheiro.

Os tribunais administrativos tratam destes processos e, estranhamente ou não, estão desfalcados do pessoal necessário para que estes possam decorrer em tempo útil. Devido a isso, e à ausência de qualquer escrúpulo em tratar o contribuinte como súbdito e não como cidadão (pessoa colectiva que seja) os processos arrastam-se enquanto o dinheiro fica do lado de lá.

E é muito? É pouco? É quanto?

Há uns dias ouvi uma entrevista na Rádio Observador uma entrevista a Carlos Mota Santos, CEO da Mota-Engil. Este tema foi abordado e deixo por isso aqui um excerto do que disse.

“Só para termos uma noção, Portugal é hoje, quando comparado com os países da União Europeia, o segundo país menos eficiente em termos de resolução de processos judiciais administrativos em primeira instância. Em 2021, tínhamos uma média de duração dos processos de 847 dias. (…) Ou seja, mais do dobro de Espanha e na realidade, só Itália, Chipre e Malta têm processos mais demorados do que este processo em Portugal, uma vez mais, de tribunais administrativos de primeira instância. O que quer isto dizer? Quer dizer que cerca de 5% do PIB, 11 mil milhões de euros, isto em números de 2021, estão cativos nestes processos. Ou seja, temos 5% da riqueza criada no país que não está a ser utilizada para nada. (…) Que é o que está em jogo. Nós temos 5% que estão parados, nem estes são receita que pode ser utilizada pela autoridade tributária, ou seja, para fins do Estado, nem é uma verba que pode ser usada pelas empresas.”

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 04.11.24

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Ana Cláudia Vicente: «Uns dirão que lêem weblogs desde o tempo em que Pedro Couto e Santos abriu portas. Outros que obtiveram, por volta da Segunda Guerra no Iraque, no trabalho, no liceu ou na faculdade, mesmo em casa, acesso limitado à world wide web. Muito cabo telefónico se enrodilhou por onde passámos nessa altura, livra. Sabemos, isso sim, que a massificação só teve hipótese depois do boom na disseminação da tecnologia ADSL, com início em 2002. A par e passo, com a crescente familiarização com o hipertexto e mais ou menos netiqueta, procuraram-se pontos comuns sobre os quais falar. Pelo que ouço vários leitores e bloggers da primeira hora (blogueadores, dizia-se então) a genealogia desta adesão remontará a duas moradas: o Pastilhas (desactivado, v.Memória Virtual), fórum gerado por Miguel Esteves Cardoso e alfobre de muitos dos que entretanto foram assentando praça (Carlos Carapinha lembrou-os aqui); pouco depois, a A Coluna Infame, (v.Memória Virtual) obra de João Pereira Coutinho, Pedro Lomba e Pedro Mexia.»

 

Eu: «Um dia hei-de escrever algo mais profundo e consistente sobre a blogosfera. A possibilidade de trocarmos ideias, experiências e contactos -- mesmo com gente que pensa de maneira muito diferente -- é absolutamente inestimável. Isto só é possível quando escrevemos num meio em que aquilo que mais importa é comunicar. Não para convencer ninguém, mas para persuadir. Não para exibir códigos tribais, mas para captar sinais de outras "tribos". Nada a ver, portanto, com os eflúvios narcisistas agora tão em voga com a febre das "redes sociais" onde apenas uma palavra importa. A palavra eu.»

Pensamento da semana

Pedro Correia, 03.11.24

De repente, muitos desataram a chamar «migrantes» em vez de imigrantes aos estrangeiros que procuram Portugal para aqui viverem e trabalharem, enquanto os nossos compatriotas acolhidos em países estrangeiros continuam a ser emigrantes. Que raio de critério levará a usar a vogal nuns casos e a omiti-la noutros?

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 03.11.24

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Helena Sacadura Cabral: «O núcleo duro deste blog é mesmo a política. O que, para quem goste, não será um mal maior. Mas descobri algo que, a mim, me pareceu novo. É que o Delito se transformou numa plataforma de pré campanha eleitoral. Não entro em detalhes nesta análise porque todos os "delituosos" me merecem igual respeito. Todavia e a meu ver, existe um começo de "excesso". Talvez seja eu que esteja errada. Mas, confesso, gostava mais do DO de quando entrei!»

 

João André: «Um dos principais aspectos dos filmes baseados em religiões é o imaginário que evocam. Visualmente estes filmes deveriam ser imediatamente impressionantes. Não é por acaso que Lawrence da Arábia, não sendo um filme religioso, evoca esse imaginário retratando T.E. Lawrence como uma figura semi-mitológica. Também não é por acaso que autores ateus como Pasolini, o próprio Aronofsky, Buñuel, Rossellini ou John Huston sempre estiveram fascinados pelo imaginário - e visual - religioso. É também por isso que filmes fiéis a esse imaginário continuam a ser hoje em dia fascinantes, mesmo para ateus como eu. E é por isso que quando os filmes tentam humanizar ou contextualizar as acções divinas com explicações seculares, o cinema só tem a perder.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Agora os portugueses já podem dizer que o Grande-Colar da Ordem do Infante foi atribuído, a título excepcional, a uma parelha de gritos.»

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 02.11.24

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Hoje lemos: John Grisham, "Tempo de Matar".

Passagem a L-Azular: “Olha-se para o crime e olha-se para o criminoso. Se for um traficante de droga que dispara sobre um agente anti-droga disfarçado, então é condenado prisão perpétua. Se for um vagabundo que viola uma menina de três anos, a afoga enquanto pressiona a sua cabecinha num lamaçal e depois atira o corpo de uma ponte, então condena-se à morte e damos graças a Deus por ter sido executado. Se for um condenado que invade uma casa a altas horas da noite e espanca e tortura um casal de idosos antes de os queimar juntamente com a sua casa, então amarra-se a uma cadeira, liga-se alguns fios, reza-se pela sua alma e puxa-se o interruptor. E se são dois idiotas que violam uma menina de dez anos e lhe dão pontapés com botas de cowboy de bico fino até que as suas mandíbulas se partam, então, feliz e, alegremente, fechamo-los numa câmara de gás e regozijamo-nos em ouvi-los gritar. É muito simples. Os seus crimes foram bárbaros. A morte é demasiado boa para eles, demasiado boa.”

Tirar uma vida é sempre condenável. Ninguém tem o direito de tirar uma vida. Nem o estado. Esta foi quase sempre a minha posição em relação à pena de morte. Quase sempre.

Já me pensei capaz de tirar uma vida, porque há vidas que não merecem viver. 

Livros de cabeceira (15) - série II

Ana Cláudia Vicente, 02.11.24

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     Leio não menos, mas leio menos livros, agora. Talvez volte a ler como há uns anos, veremos. De momento, ler é sobretudo não ignorar artigos conexos com o que faço, estudar o que os alunos escrevem,  e acompanhar sempre que possível - ainda em papel - alguma imprensa. Estou menos permeável à ficção, não por saturação, sim por falta de vagar. Um vagar que, no meu caso, exige disponibilidade para mergulhar de cabeça numa história, como deve ser.

     Assim, à minha beira tenho uma releitura, três livros de educação histórica, um livro de contos em reedição e um primeiro romance.

     A releitura é uma obra de Luís Carmelo, A Expressão na Rede. Regressei a ela porque já há distância. Já é possível tentar perceber se aquilo que há uma década caracterizava "o tom dos blogues", em senso geral, persiste ou mudou. Tendo a achar que mudou. 

     Russel Tarr, Kate Jones e Chris Runeckles são professores. Têm idades e contextos de trabalho bastante diferentes entre si, mas em comum o facto de serem, há vários anos, generosos no seu contributo para a discussão e implementação de boas práticas educativas bem para lá da sua escola e colegas de departamento. Existe no Reino Unido uma dinâmica de reflexão pública de várias décadas sobre ensino/aprendizagem, e esta ancora-se agora nos novos media,  com consequência na edição de livros valiosos para qualquer profissional que queira continuar a melhorar no seu ofício. Continuo a querer.

    O primeiro romance de Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas, vai já algumas páginas adentro. Comecei há uns anos por Hoje Estarás Comigo no Paraíso, depois segui pela biografia de Cardoso Pires, daí a curiosidade por esta primeira obra. Aprecio bastante o seu modo de contar, desprovido de artimanhas.

     O telefone não está ali por acaso: muitas vezes, antes de me deitar, leio em ponto luminoso e pequeno os Red Hand Files, de Nick Cave. Com espanto e proveito, sempre. Como neste último file, escrito há dias numa varanda soalheira em Lisboa.

     João Guimarães Rosa, nas suas Primeiras Estórias, está por descobrir. Venha esta próxima leitura.