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Delito de Opinião

Falar para quem quer votar

Ana Cláudia Vicente, 29.01.24

"Eu não voto por rótulos. (...) Eu não quero saber das campanhas eleitorais para nada.

Eu quero saber das ideias que as pessoas têm e da maneira como depois as vão defender e praticar."

Agostinho da Silva (1906-1994)

 

Hesitante - fraco traço pessoal e geracional, bem sei - fui à procura de um dito de alguém melhor. Queria um respaldo - profético, de preferência - ao que queria dizer, algo que vou sentindo e ouvindo mas vejo ainda informe, expresso de várias formas, nestes dias. Apareceu-me esta citação, presumo que real, da boca de alguém que reconheço, respeito, em irónica contramão ao que desejava. 

É que eu quero efectivamente saber de campanhas eleitorais, admito. Ainda espero que nelas me transmitam ideias, e se possível algumas maneiras de as pôr em prática. Espero que os líderes se disponham a falar para quem quer votar. Foquem-se, fónix! Não falem uns para os outros. Queremos lá saber das piadas do petróleo no Rato, ou da espetada na Madeira. Falem e escrevam para nós, eleitores, incluindo os que estão indecisos. Dêem sinais claros de que sabem o que estamos a viver nestes últimos anos. Precisamos de evidências de que as pessoas que desejam estar envolvidas na coisa pública têm na cabeça um horizonte de acção para uma geração; de que têm visões chãs (não pequeninas) para cada sector; de que conhecem o que cada região tem para dar. 

 

Para começo, e em resumo: é falar para quem quer votar.

Pensamento da Semana

Ana Cláudia Vicente, 21.05.23

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"Vão surgir muitos problemas no Mundo e vão surgir muitos problemas em Portugal, e é bom que, de vez em quando, nos possamos encontrar, possamos ver o que é que se passa e possamos encontrar um caminho para o futuro, o que nem sempre vai ser fácil. Pelo contrário, vai ser sempre muito complicado, com várias opiniões se encontrando, porque estamos, em todo o Mundo e aqui, naquilo que se chama um período de transição.
Agostinho da Silva (1906-1994)
(“25 de Abril e o futuro”, Assembleia da República, 25-04-1989)

[(c) Binary Code Pixels, Allan Swart, 2016]

 

Um período de transição. Para quê? Para onde?

Nem tempo, nem capacidade de inteligir basta(ria)m para o entender, diria o professor. Então como agora, só a genuína curiosidade em saber (a coexistência entre sonho e objectividade) garante abertura ao que se poderá seguir. Ao futuro. 

Penso muitas vezes na importância que dava, no que ia partilhando, à combinação entre impulso de descoberta e prudência, entre entusiamo e observação cautelosa, calculada. Pergunto-me se ainda guardamos, como povo, o reflexo de hesitação/interrogação ante o que nos é apresentado como novo. Talvez não, não sei, pelo menos olhando para o modo ligeiro como subestimamos o senso dos que agora são tidos por não-instruídos, mas que permanecem atentos a pormenores que escapam aos oficialmente escolarizados.

Que país está pronto para o futuro?

 

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Pensamento da semana

Ana Cláudia Vicente, 01.05.22

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[Foto:  I.Kupeli, Revolução dos Cravos, Porto, via Wkiicommons, 2011]  

 

Mais um ano passado sobre o dia 25 de Abril de 1974, nova hipótese de rememoração do seu antes-e-depois. Quem nasceu nos anos pós-revolucionários dá por si na condição de primeira geração sem experiência de vida num Portugal não-democrático. Os filhos, sobrinhos, alunos, vizinhos dessa geração chegaram ou estão a chegar agora à idade de compreender o real significado de abstracções como democracia, liberdade, igualdade, separação de poderes. Saibamos ensinar e aprender com eles, neste tempo de pouco vagar para ler ou para conversar.

 

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Pensamento da Semana

Ana Cláudia Vicente, 13.12.20

    Cada indivíduo vê o mundo - e o que este tem de acabado, de regular, de complexo e de perfeito - como se se tratasse apenas de um elemento da Natureza a partir do qual tivesse que constituir um outro mundo, particular, adaptado às suas necessidades. Os homens mais capazes tomam-no sem hesitações e procuram na medida do possível comportar-se de acordo com ele. Há outros que não se conseguem decidir e que ficam parados a olhar para ele. E há ainda os que chegam ao ponto de duvidar da existência do mundo. 

J.W.Goethe (1749-1832), Máximas e Reflexões, Guimarães Editores.

Neste início de semana deixo-vos com Goethe. Não conheço muitas reflexões que melhor explicitem por que é tão difícil, hoje como ontem, comunicar visões da realidade, mesmo quando essa realidade é próxima e partilhada.

 

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O seu tempo próprio

Ana Cláudia Vicente, 28.11.20

1Neste mundo, tudo tem a sua hora; cada coisa tem o seu tempo próprio.

 2Há o tempo de nascer e o tempo de morrer; o tempo de plantar e o tempo de arrancar (..)

5o tempo de atirar pedras e o tempo de as juntar; o tempo de se abraçar e o tempo de se afastar;

6o tempo de procurar e o tempo de perder; o tempo de guardar e o tempo de deitar fora;

7o tempo de rasgar e o tempo de coser; o tempo de calar e o tempo de falar (...).

Livro de Eclesiastes, 3 (1-2;5-7)

Não sei que idade terão os vossos pais, ou teriam. Os meus têm mais de oitenta. Estão a aguentar-se bem. Quando penso neles, recordo como quase nenhuma geração é poupada a aflições: conheceram primeiro a privação de alimento, a guerra; a peste ficou para o fim. Tiveram e têm o seu tempo próprio. E nós, e o nosso tempo? Não sabemos - não é coisa que consigamos realmente prever. Vivemos as primeiras décadas de vida em progressiva melhoria, comparativa abundância. Agora é hora de nos havermos com uma verdadeira dificuldade colectiva. Há semanas ou meses que convivemos com este encargo novo, cheio de cansaços e angústias surpreendentes. É vez de cuidarmos dos nosso mais velhos e dos nossos mais novos em circunstância instável. Todos os dias improvisamos, todos os dias há uma nova exigência a acrescer ao que tínhamos previsto. É isto, foi esta a fragilidade que os outros, neste mundo e noutra hora, sentiram antes de nós?

Num tempo de guardar e de deitar fora, de se abraçar e de se afastar, evoco duas grandes alegrias: trabalhar em algo que importa e  pertencer a uma boa equipa. Quis a sorte que neste ano desse por mim, todos os dias, a fazer parte de um colectivo de pessoas competentes, confiáveis e generosas. Uma pessoa aguenta quase tudo, quando assim acontece.

Uma Educação

Ana Cláudia Vicente, 13.09.20

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[Izusek/Getty Images]

"Ninguém fugirá da escola e a olhará como um horror no dia em que a deixemos de conceber como o lugar a que se vai para receber uma lição, para a considerarmos como o ponto de condições óptimas para que uma criança efectivamente dê a sua ajuda a todos os que estão procurando libertar a condição humana do que nela há de primitivo; não se veja no aluno o ser inferior e não preparado a que se põe tutor e forte adubo; isso é o diálogo entre o jardineiro e o feijão; outra ideia havemos de fazer das possibilidades do homem e do arranjo da vida; que a criança se não deixe nunca de ver como elemento activo na máquina do mundo e de reconhecer que a comunidade está aproveitando o seu trabalho; de número na classe e de fixador de noções temos de a passar a cidadão."

Agostinho da Silva, Considerações e outros textos (Assírio & Alvim, 1988).

 

Os que ainda não (re)começaram a escola estão ao rés disso. Este é um Setembro menos espontâneo, menos lento e menos leve. Há hesitações, receios; há também determinação, muita ânsia de reencontro. Viver meio ano fisicamente distante dessa comunidade - para muitos, a maior constante na primeira fase da vida - foi coisa que até agora, nesta zona do mundo e nas gerações mais recentes, poucos tiveram de suportar. O que não significa que se não tenha aprendido.

Ao longo destes meses, os que decidiram continuar a aprender e a trabalhar com quem aprende aceitaram a empreitada substancial de manter viva uma realidade que não é um conjunto de edifícios, campos e canteiros. Da Primavera ao Verão, dias houve em que foi pesado o esforço de crianças e jovens, famílias, professores e outras entidades no desemaranhar de questões que obstavam à escola: subsistência em contexto de desemprego; reorganização de casa e rotinas de trabalho; adaptação de espaços; investimento em material; assistência à família. Houve maior franqueza sobre o estudar e as suas dificuldades, a pouca literacia, a frágil relação com os livros. E houve cansaço, e tensão, e disrupção, e deslizamento. 

Quem participou desta realidade também teve ocasião de observar muitos dos mais novos chamarem a si a responsabilidade de adaptação tecnológica das condições de comunicação com os mais velhos, incluindo pais, avós, professores. Viu direcções, coordenações e autarquias organizarem plataformas de distribuição e estruturas digitais com não muitos recursos. Viu empenho pessoal e cooperação. 

Se os meses de Março a Julho tiverem realmente sido uma educação, as gerações que viveram este período talvez não deixem esquecer que, para existir escola, tem de haver uma comunidade educativa em que ninguém é espectador.

Ex ore parvulorum veritas

Ana Cláudia Vicente, 11.01.20

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Sofonisba Anguissola (1527-1623), A Partida de Xadrez, 1555.

 

- Professora, aqui nesta parte do manual não aparecem mulheres. Só posso escolher um homem? Eu gostava de estudar uma mulher.

Não me tinha apercebido. Em retrospectiva é evidente, mas não me tinha apercebido. Em miúda não me teria ocorrido pôr a questão em aula de uma forma tão imediata e objectiva. Ora ali, no momento em que introduzi o projecto biográfico proposto - chamado Poliedro - pedia factualidade histórica e criatividade na análise e apresentação da vida de uma figura do Renascimento. Poderia ser artista, cientista, mecenas. O ponto de partida era o manual, a que se seguiriam outras fontes; nomes que aí não constavam já os tinha de retaguarda, para evitar repetições de trabalhos sobre as figuras mais evidentes e populares, como Michelangelo ou Da Vinci. Folha de instruções, plano de tarefa, calendarização, e no entanto não tinha antecipado esta questão que agora me punham: e mulheres? Mesmo que, dado o contexto de época, as figuras masculinas fossem a regra, por que não me ocorreram logo nomes de excepções femininas?

Em trabalhos sobre épocas posteriores tenho esse reflexo, mas porque não aqui? De improviso só me ocorreu o nome da infanta Isabel, filha de Manuel I de Portugal. Na aula seguinte, dedicada à definição das escolhas e execução do trabalho, suplementei a selecta inicial com algumas pintoras e mecenas relevantes; voltei, então, a olhar com admiração um nome difícil de pronunciar, mas cujas obras são facilmente reconhecíveis: Sofonisba Anguissola.

[Sofonisba Anguissola, Auto-Retrato, c.1560][Sofonisba Anguissola, Auto-Retrato, c.1560]

A Cremonesa, autora do notável retrato colectivo acima reproduzido onde figuram as suas irmãs Lucia, Minerva e Europa, integraria quatro anos mais tarde a corte de Filipe II de Espanha, onde foi estimada como retratista e professora de jovens talentos. Obteve reconhecimento em vida, sendo admirada pelos seus pares.

Captura de ecrã 2020-01-11, às 21.56.13.png[Sofonisba Anguissola, Retrato de Filipe II, 1565-1573]

Um dos aspectos mais felizes de ensinar História a gente nova é este: quem está aprender sobre o percurso da humanidade a partir de hoje não vive, não vê e não experimenta exactamente esse conhecimento como quem teve a mesma idade há vinte, cinquenta ou cem anos. E as suas perguntas não só nos levam a rever o que sabemos, como tiram do esquecimento saberes há muito havidos.

Mar interior

Ana Cláudia Vicente, 09.01.20

Olho o rio desde a banda de cá pela primeira vez, neste ano. Em rigor, em oito. É quase dia. De tanto olhar, emerge uma memória que não é minha. Dois irmãos no Mar da Palha durante a noite de Natal de sessenta e sete ou sessenta e oito, algures entre o Sul e Sueste e o Barreiro. Figuro o barco cheio de gente preocupada com a preocupação dos seus, mas nada a fazer. A rapariga e o rapaz, como os mais, nem telefones, nem água de beber, nem nada para além das prendas para as primeiras crianças da família. À espera de maré num mar interior. Daqui e agora o Tejo parece correr calmo, cendrado. Rente à ponte surge alguma claridade. Percebo-me a chegar a casa.

Pensamento da Semana

Ana Cláudia Vicente, 09.06.19

"Nas primeiras aulas de Cultura Medieval que tive de dar na Faculdade de Letras, percebi que a linguagem simbólica utiliza comparações, metáforas, alegorias, porque lhe permite (ao contrário do caminho lógico e racional, que trabalha por meio de silogismos e cuja verdade já está contida nas premissas), formas de expressão inesperadas, que não se ficam na superfície das coisas. As coisas têm sempre qualquer coisa que está à primeira vista oculto e que, se nós procuramos, nos revela um aspecto diferente da realidade. Eu tinha de explicar estas coisas aos meus alunos. Mas isto correspondia, ao mesmo tempo, ao que eu queria aprofundar para mim mesmo. A face oculta das coisas."

Escolho para pensamento da semana esta resposta de José Mattoso a Anabela Mota Ribeiro (entrevista para o Público de 25-10-2010), por ocasião da recente atribuição do Prémio Árvore da Vida - Padre Manuel Antunes, 2019 (SNPC).

 

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Pensamento da Semana

Ana Cláudia Vicente, 07.10.18

A impaciência e o seu contrário têm-me (a)parecido por estes dias como que em alto relevo, mas imagino que sempre tenham estado por aí à vista. À minha vista estão agora mais, pode ser apenas isso. A capacidade de alguns trabalhadores/as de atendimento ao público aguentarem a pressa, ou o vagar, a conflitualidade ou a sem-noção de tantos clientes é um clamoroso exemplo diário de paciência. Outro bem rotineiro é a capacidade que a generalidade dos condutores mantêm de tolerar no trânsito os que se estão a borrifar para a alternância de passagem em hora de ponta - uma das mais bonitas invenções da civilidade urbana - e aí vão eles. 

Mas e a falta de paciência? Para onde foi o dom de aceitarmos o que não controlamos, previmos ou desejámos? Que é esta agitação que há agora à flor de quase tudo? Dá-se por ela ou sente-se ao fim de poucos minutos numa fila, em qualquer ajuntamento inopinado de pessoas, ante mudanças de planos, frente a um sítio em obras, nos lugares com má receção de rede, na saída do estacionamento, em eventos de celebração ritual. Nos mais simples momentos de silêncio. 

Que é que se passa connosco?

 

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Pensamento da Semana

Ana Cláudia Vicente, 08.07.18

A Michel de Montaigne (1533-1592) desagradava a arte de convencer os outros, particularmente para obter controlo, lealdade e admiração - poder.  

 

Relembrando a sua obra, proponho para estes primeiros dias de Julho o seguinte excerto:

 

«Aríston definiu sabiamente a retórica como a ciência de persuadir o povo; Sócrates e Platão, como a arte de enganar e lisonjear; e aqueles que isto negam na sua definição genérica, confirmam-no por toda a parte nos seus preceitos. [...]

[A arte retórica] É um instrumento inventado para manipular e agitar turbas e multidões desordenadas, e que, à maneira da medicina, só se emprega nos Estados doentes.»

Montaigne, Ensaios, c.1588.

 

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Pensamento da semana

Ana Cláudia Vicente, 22.04.18

Para pensamento da semana, deixo-vos uma percepção e várias perguntas de quem trabalha no ensino há alguns anos.

Parece-me que estamos a assistir a uma mudança significativa em boa parte de quem nos chega para aprender. Não presumo saber se esta alteração é mais ou menos duradoura. Qual? A que se traduz no avolumar das reacções de espanto e de frustração ante o processo de tentativa/erro, de rascunho, de repetição. Para os mais pequenos que nos chegam, o lado mais oficinal do aprender, o fazer muitas vezes até sair melhor, até acertar, gera agora perplexidade e embaraço, acompanhados muitas vezes da recusa em recomeçar, por vergonha de falhar outra vez. Não me refiro a casos pontuais, antes à generalização de um modo de estar. 

O que é que está a acontecer na forma como lidamos com os mais novos para que, quando chegam à escola, lidem tão mal com o erro e a falha, tão inevitáveis quanto indispensáveis para se ganhar qualquer conhecimento e habilidade? O que é que andamos colectivamente a fazer para que uma criança (ou jovem) julgue ser possível dominar instantaneamente uma técnica, um conteúdo, uma ciência?

Aceito lições.

 

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Fora de Série (22)

Ana Cláudia Vicente, 19.06.16

Acenando a Alan Ball, autor da série, escolho começar por um fim. À mais miúda dos irmãos Fisher, Claire, caberá o guiar o epílogo de uma parte da história da sua família. Este será contado em tom e ritmo consideravelmente distantes de qualquer dos episódios das cinco temporadas de Six Feet Under / Sete Palmos de Terra: rápido, sem quês, entre a comoção e o ridículo para quem durante anos acompanhou todos os que desaparecerem e (re)aparecem no tempo desta melopeia: 

Vemos Claire (Lauren Ambrose) partir depois de crescer numa família que lida diariamente com o que, no nosso tempo e na nossa parte do mundo, a maioria tenta mais ou menos esforçadamente fazer de conta não (ha)ver: a morte. Assim sendo, a casa dos Fisher é também sede de agência funerária homónima, fundada por Nathaniel (Richard Jenkins), primeira baixa do primeiro episódio, a qual precipitará o regresso do seu filho mais velho, Nate (Peter Krause), e a recomposição do modo de viver de todos eles.

 

Treslendo um pouco a premissa desta série colectiva de posts, escolhi a história dos Fisher porque esta marcou a minha juventude, mais exactamente o seu fim. Guardo-a como a primeira da minha vida adulta. E sim, para adultos: dura, explícita, baralhante, grotesca, espiritual, angustiada. Pude vê-la porque passou na RTP2, tinha eu entre vinte cinco e os vinte sete ou vinte e oito anos; a personagem mais próxima da minha idade era David (Michael C. Hall), o filho do meio, o que tentava ser tudo para todos até já não o poder nem o querer. Muitas outras substanciais personagens nos foram apresentadas nesses anos, desde logo Ruth (Frances Conroy), a matriarca incompleta; ou Brenda, Federico, Keith e as suas famílias; George, Lisa, Maggie.

O melhor desta série não foi, pelo menos para mim, o ângulo talvez mais referenciado, de ilustração de um tempo e um espaço onde a morte e os seus ritos (ponto de partida de cada episódio) são fonte de estupefacção. O melhor foi, de longe, a representação do convívio entre os que ainda vivem e os que já partiram, qualquer que seja a interpretação (metafísica, onírica, psicológica) que dele possamos fazer. Como aqui:

Blogue da Semana

Ana Cláudia Vicente, 19.06.16

Não tenho prestado a habitual atenção a esse saltitante entretém global que é a bola, o que é obra: não há canto do bairro, corredor do supermercado, balcão da bomba de gasolina ou mesa do café que nos deixe ignorar a jogatana europeia em curso. Não pondendo descartá-la, chego-me a ela nos meus descompassados termos: umas vezes espreito jogos na televisão, outras ouço relatos, noutras limito-me a ler as twittadelas ou os artigos de rescaldo. A sugestão que aqui vos deixo para a(s) próxima(s) semana(s) tem que ver com a dita cuja. É a reactivação (para já sem pressas, mas é ir espreitanto, é ir espreitando) da demanda de um trio de bloggers não propriamente desconhecidos - Sérgio Gouveia, Rogério Casanova e maradona. Three boys, one cup.  

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Blogue da Semana

Ana Cláudia Vicente, 17.01.16

Não sei se treze anos chegam para alcunhar de clássico o blogue que proponho para esta semana. Diria que sim. Ao seu autor, Tiago Cavaco, interessam várias coisas do sagrado e do mundano: fé, religião, música, livros, cinema, política. A Voz do Deserto é obra de espírito marcada pela temperança, convicção e entusiasmo. Ainda bem que se continua a deixar ouvir.

O que parte dos que nos ficam

Ana Cláudia Vicente, 01.11.15

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 [Wassily Kandinsky, Toussaint, 1911]

Há qualquer coisa valiosa nisto de nos importarmos fundamentalmente com o mesmo de modos tão diferentes. Pensei-o ao ler o post sentido da Isabel. E apeteceu-me falar do outro viver a morte que ela enuncia. Eu vivo desse outro modo os que nos ficam depois de partirem. Presto culto aos mortos. Esses ritos, mais velhos que a nossa própria espécie, gestos agora feitos da limpeza de uma pedra, da deposição de uma flor, de uma oração, a mim fazem-me sentir ligada ao que é ancestralmente humano.

É um sentimento bastante primário, e de certa forma comunitário: lembro os meus e os que conheci não só por estes dias, mas nestes de outra maneira; lembro também os que pelos mesmos dias ou nas mesmas horas viveram noutro tempo coisa semelhante. E sim, há algo escuro e perturbador nessa religação. Também o há na meditação física e metafísica que ela oferece. Olhar o que parte dos que nos ficam pode ser isso - uma outra maneira de os deixar viver em nós.

Blogue da Semana

Ana Cláudia Vicente, 31.05.15

Como sugestão de leitura para semana que agora começa deixo-vos The Vault, o blogue de curiosidades históricas e arqueológicas da Slate, revista digital norte-americana que celebrará vinte anos daqui a uns meses. É um bom sítio para ficar a par das mais recentes ou exóticas perplexidades de quem lida com tempos e lugares que não são os nossos.

 

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