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Delito de Opinião

Uma abstenção de violenta indignação

Rui Rocha, 23.05.14

O direito de escolher livremente entre as alternativas políticas que se apresentam em eleições é essencial em democracia. Mas a democracia não é, não pode ser, só isto. Se fosse, terminada a eleição, os escolhidos teriam o direito de fazer o que bem entendessem com o nosso voto, tomando inclusivamente decisões radicalmente contrárias ao sentido que lhes pretendemos dar. E é bom que fique claro que, se o fazem, e é certo que fazem, não é por direito mas por abusadora quebra de compromisso e generalizada falta de vergonha. Entretanto, os últimos anos são o exemplo de que a nossa democracia está tomada pela mediocridade da classe política que nos representa. Entalados entre um sistema de dois partidos únicos no arco da governação que se sucedem sem que representem uma real alternativa e uma alternativa real representada por partidos do arco da velha, os eleitores contemplam embasbacados um panorama desolador. Entretanto, a casta política instalada faz a pedagogia da importância do voto com a estridência de quem sabe que este, qualquer que seja o seu sentido, acaba sempre por legitimar a situação e por criar a percepção de que o sistema, apesar de tudo, ainda funciona de forma aceitável. Pois bem. Creio que chegou a hora de dizer basta. Um cidadão responsável não pode fechar os olhos a um sistema que vive e promove um certo tipo de instalados, que admite a utilização dos recursos comuns por uma casta de clientelas, que adia sucessivamente reformas do status quo político e da organização do território, que descura a urgente transparência do financiamento dos partidos e das condições remuneratórias dos eleitos  e que permite e dinamiza a proliferação de rendas e interesses que abundam na cupidez de empresários de corredor e alcatifa e nos negócios de pouco escrúpulo. A um democrata nada custa mais do que prescindir do direito de votar. Pela minha parte, desta vez, ofereço-me ao sacrifício. Pela primeira vez, rasgarei as minhas convicções de cidadão comprometido com a sociedade em que vivo no espinho doloroso da abstenção. Faço-o porque tem de ser. Porque calar o voto é, por uma vez, a forma mais eficiente de dizer não. Perante a pompa e circunstância dos discursos vazios e das acções cativas é preciso fazê-los perceber do ridículo que é falarem e fazerem sozinhos. Disse.

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