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Delito de Opinião

Ucrânia: a história repete-se? (II)

Luís Menezes Leitão, 07.03.14

 

Depois do que aqui escrevi, a situação na Ucrânia evoluiu num sentido que parece ir conduzir à inevitável divisão do país, com uma parte do seu território, senão anexado, pelo menos sob tutela da Rússia. Efectivamente, a invenção da "democracia espartana" que passava por eleger um Governo na praça Maidan não passou de uma declaração de guerra aos ucranianos orientais. Depois de estes terem permitido com os seus votos a eleição de Ianukovich, as novas vanguardas revolucionárias pró-europeias declararam que esses votos deixavam de contar. Depois dessa declaração, é evidente que a Ucrânia oriental não reconheceria o novo regime, ao contrário do que precipitadamente fez a União Europeia. Quanto à Crimeia, esta sempre foi um terrritório russo, tendo sido "oferecido" à Ucrânia por Kruschev em 1954, oferta que o Parlamento Russo já tinha anulado logo após o fim da URSS, sem no entanto fazer de imediato a competente reivindicação territorial. Com a queda de Ianukovitch é evidente que a Crimeia faria a imediata secessão da Ucrânia, a que se poderão seguir os restantes territórios orientais. A partilha da Ucrânia está assim hoje em cima da mesa.

 

Em qualquer caso, parece evidente que o isolacionismo americano, instituído pela presidência de Obama, está a permitir um claro ressurgimento da Rússia. Ao contrário do que foi dito, não se trata, porém, de um regresso à guerra fria, como pretendem os saudosistas do back in the USSR. A Rússia de hoje não pretende criar um estado multi-nacional, através da expansão de uma ideologia pelo mundo. A Rússia de hoje pretende unir sob a sua bandeira os russos que vivem fora das suas fronteiras. É por isso que já tivemos a ocupação das províncias russófonas na Geórgia, e amanhã poderemos assistir à reivindicação da Transnístria na Moldávia ou mesmo à intervenção para protecção das minorias russas nos Estados Bálticos. A Rússia intervirá para proteger os russos, onde quer que eles se encontrem. E perante uns Estados Unidos distantes e uma União Europeia cada vez mais enredada nas suas próprias contradições, nada parece haver que a afaste desse objectivo. 2014 parece definitivamente uma reedição de 1914. A Europa, sem disso se aperceber, está a provocar o seu apocalipse. 

3 comentários

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    Rui Silva 07.03.2014

    A questão é : aceitaria a Rússia semelhante referendo na Ossétia do Norte ou na Chechenia? Concordaria com o mais que certo resultado de tal consulta popular?
    O poder até pode ter saído da rua e ser inconstitucional, validado apenas pelo parlamento ucraniano( o que já não é pouco , uma vez que até os deputados do partido de Yanukovich votaram a favor da sua destituição) mas aonde está Yanukovich? Abandonou o barco e fugiu do seu próprio país e das suas responsabilidades enquanto chefe de estado, deixando a Ucrânia sem presidente. Por isso este governo de transição tem legitimidade, tem o apoio dos ucranianos. Quem não o apoia são os russos que vivendo num país estrangeiro deveriam respeitar as suas regras, caso contrário podem mudar-se para a tão amada mãe Rússia.
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    Makiavel 08.03.2014

    A validação da destituição do governo da Ucrânia pelo Parlamento, sob pressão de meses e meses de barricadas populares e forças paramilitares apoiadas despudoradamente pela UE (Alemanha) vale o que vale, como se diz agora. Isto da legitimidade democrática depende muito da perspectiva de quem olha para ela. Se o homem tem ficado, teria sido pendurado num poste qualquer da praça de Kiev pelos correlegionários do boxeur alemão. Reafirmo, em matéria de política internacional, o ar fica poluído, e certamente que a Rússia (ou qualquer outra potência mundial) tem os seus rabos de palha. Mas o que está em causa na Ucrânia é tão somente a política de expansão para leste do espaço vital da UE (Alemanha). E a Ucrânia sem o acesso ao controlo do principal porto de mar da região, sem a Crimeia, fica menos sexy. Apelar à manutenção de uma unidade territorial fictícia da Ucrânia, em nome da democracia e dos direitos constitucionais (?) do país é de um cinismo a que já nós vamos habituando. Sabemos bem das acções internacionais unilaterais dos EUA quando algum poder contrário aos seus interesses emerge num qualquer canto do mundo. Mas aqui o caso pia mais fino.
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